segunda-feira, 30 de julho de 2007

Como demitir controladores de vôo

Há exatos 26 anos, o então presidente Ronald Reagan desceu aos jardins da Casa Branca para bater o martelo: se cerca de 13 mil dos 17,5 mil controladores de vôo do Professional Air Traffic Controllers Organization (PATCO) não voltassem ao trabalho em 48 horas, seriam demitidos sumariamente e expulsos para sempre do serviço público.
Dois dias depois, os controladores esperaram que o velho cowboy piscasse, mas o que ocorreu foi surpreendente. Reagan demitiu, com uma só canetada, todos os controladores grevistas e mudou para sempre a história da aviação comercial e do movimento sindical nos Estados Unidos.
O presidente, que segundo se dizia à época não conseguia mascar chiclete e andar ao mesmo tempo, mas tinha consciência de seu poder e sabia utilizá-lo, aproveitou-se de uma lei de 1955 que proibia greves entre funcionários públicos federais, sob pena de multa e um ano de cadeia, para fazer o que fez.
Muitos funcionários de outros setores, como carteiros, já haviam parado. Mas num setor estratégico, responsável pela segurança de milhões de passageiros lá no céu, não se concebia uma paralisação.
Sob a alegação de que seu trabalho é muito estressante, os controlares desde o início de 1981 pediam aumento de US$ 10 mil anuais, redução para quatro dias de trabalho por semana e aposentadoria integral depois de 20 anos de trabalho. Ao todo, suas reivindicações custariam aos cofres do governo cerca de US$ 770 milhões.
A FFA – Federal Aviation Administration contra-ofertou com um pacote de cerca de US$ 40 milhões, que incluía uma semana de trabalho mais curta e 10% de aumento para controladores que trabalham durante a noite, extensivo aos instrutores. Depois de quase sete meses de negociações, 95% deles rejeitaram a contra oferta. Foi o sinal amarelo para que o governo começasse a esboçar um plano de ação.
Apesar dos controladores terem escolhido o período de verão para cruzar os braços, provocando prejuízos de mais de US$ 30 milhões diários a empresas como Braniff, Eastern, American e TWA, que juntas faziam 14 mil vôos comerciais diários carregando mais de 800 mil passageiros – 60% deles em viagens de negócios – e ainda 10 mil toneladas de carga, o plano da FFA funcionou tranquilamente.
Aproximadamente três mil supervisores se juntaram a dois mil fura-greves e cerca de novecentos militares para controlar os principais aeroportos norte-americanos. A Agência também ordenou que as companhias aéreas reduzissem em 50% os vôos durante os horários de pico nos principais aeroportos por questões de segurança. Aproximadamente 60 torres de controle foram programadas para sair do ar até segunda ordem. Mais de 45 mil pessoas registraram-se para ser treinadas e, assim, substituir os grevistas demitidos.
Naturalmente, houve problemas numa situação emergencial como esta. Muita gente perdeu negócios, produtos perecíveis – como, por exemplo, órgãos para transplantes - se estragaram – e as locadoras de automóveis e ferrovias ficaram apinhadas de gente querendo ir de um ponto A para um ponto B.
Os grevistas, através do PATCO, foram à imprensa para falar que, sem eles, os passageiros e todo o sistema aéreo estariam em perigo, mas pouca coisa de ruim aconteceu depois que o tráfego foi reduzido, o monitoramento aumentado e os 33 mil pilotos redobraram a atenção para evitar “chuveiradas de alumínio”, como os controlares chamam os desastres aéreos.
Em pouco tempo, mais de 80% dos vôos estavam operando normalmente, enquanto os vôos de carga permaneceram virtualmente inalterados.
Mesmo vitorioso, o governo, que tinha a população a seu lado, não parou por aí. Pôs muitos grevistas na cadeia e indiciou 75 deles, ao mesmo tempo em que juízes federais impuseram uma multa de US$ 1 milhão por dia ao sindicato grevista, que quase foi varrido do mapa depois de perder a certificação do Federal Labor Relations Authority.
O governo ainda descobriu que poderia controlar os céus com 20% a menos de controladores. Dois anos depois, o setor, que movimentava cerca de US$ 30 bilhões e empregava cerca de 340 mil pessoas já naquela época, tinha aumentado em 6% o movimento de aeronaves.
Reagan hoje deve estar no céu, descansando em paz, com a sensação do dever cumprido depois de ter sido eleito presidente para proteger os cidadãos que, vez por outra, passeiam pelos céus.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Meu nome é Forest Gump

A vida imita a arte, e é por este motivo que o grupo Viacom está celebrando uma década de lucros com uma idéia nascida em um dos mais formidáveis filmes de todos os tempos: Forest Gump, ganhador de seis Oscars, inclusive de melhor ator para Tom Hanks.
Para quem não se lembra, Forest vai à guerra do Vietnã e faz de
Benjamin Buford "Bubba" (Mykelti Williamson), um negro que conhecia tudo sobre camarões e só falava sobre camarões, seu melhor amigo.
Bubba, que tinha um QI tão baixo quanto Gump, morre numa emboscada vietnamita. Forest volta como herói, fica famoso e cria a Bubba Gump Shrimp Co., entre outros projetos de sucesso que coincidem com os principais marcos da história recente dos Estados Unidos.
A Paramount, que distribui o filme e hoje pertence à Viacom , já ganhou quase um bilhão de dólares apenas como a exibição de Forest, depois de ter investido míseros US$ 58 milhões. Mas, embalada pelo sucesso do filme entre uma legião de adoradores, criou no final de 1996 a rede temática de restaurantes que transformou-se uma máquina de ganhar dinheiro.
Freqüentar o Bumba Gump, que além dos Estados Unidos também tem diversas filiais aqui no México e na Ásia, é como mergulhar no set do filme. Obviamente, tudo gira em torno de camarões, que Bumba chamava insistentemente de “a fruta do mar”: fritos, salgados, assados, doces, à La Creole, sopas, coquetéis, churrascos, pipocados, com limão, coco, pimenta, abacaxi, em saladas, em sanduíches – é difícil escolher.
O filme é passado em telões e, como em todos os filmes geniais, não dá para tirar o olho enquanto se come camarões, preferencialmente com morritos, a bebida cubana. O cardápio é uma raquete de pingue-pongue (Forest foi campeão mundial e, através deste esporte, “responsável” pela reabertura do diálogo entre China e Estados Unidos na década de 70). Antes de chegar às mesas, passa-se por uma pequena loja onde se podem comprar camisetas, bonés e souvenires do filme.
Nas paredes, estão afixados os ditados maternos (cujo papel é representado pela excelente Sally Field) sempre repetidos por Gump, como “a vida é uma caixa de chocolates – você nunca sabe o que você vai pegar”, e, numa tradução livre, “não existem pessoas burras – apenas burrices”. Se você quiser chamar o garçom, levante uma placa azul que diz “Corra, Gump”, a frase que o tornou “campeão” de futebol americano e, já na década de 70, “precursor” do jogging.
Os restaurantes são caros para uma rede temática (pense entre 50 a 100 dólares por pessoa), e depois desta overdose de Forest Gump é difícil querer voltar e passar pela experiência novamente. Mas sempre permanece a idéia de que a história é feita por pessoas comuns, descompromissadas econômica e politicamente, que transformam o mundo porque apenas fizeram o que se esperava que fizessem quando, por uma obra do destino, estão nas horas e nos lugares certos.
Assim é Forest Gump. Limítrofe, aleijado na infância, arranjadinho, bom moço, motivo de chacota dos colegas e do desprezo dos mais velhos, Gump é o centro de eventos notáveis, como o surgimento de Elvis Presley, a revelação de Watergate e o nascimento da Apple. No filme, ele também aparece como co-autor de Imagine, a música-hino de John Lennon.
Gump, também através de efeitos especiais, graças ao trabalho de Ken Ralston (pelo qual ganhou um Oscar) participa do episódio da entrada de alunos negros (pela primeira vez) na Universidade do Alabama, e visita os ex-presidentes John F. Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon na Casa Branca, por motivos diversos e sempre fazendo alguma coisa ridícula – e televisionada em branco e preto para todo o país.
O filme, que ainda ganhou mais de 24 diferentes prêmios e é motivo de culto até hoje, é um retrato da América, do herói que contra tudo e contra todos (inclusive ele mesmo, devido à sua limitada inteligência) veio, viu e venceu, como faziam os romanos. É um dos 100 melhores filmes de todos os tempos, segundo o ranking do American Film Institute.
É, também, motivo de polarização entre os críticos, um debate semelhante a quem assistiu, durante a ditadura militar no Brasil, ao embate entre A Banda, de Chico Buarque, e Disparada, de Geraldo Vandré. A metade acha que trata-se de um melodrama pop, enquanto a outra metade diz que o filme é tão doce quanto uma caixa de chocolates. Ou mesmo um delicioso coquetel de camarão.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

México: decifra-me ou te devoro

Atravessar a fronteira do Rio Grande e chegar ao México é como entrar, aos poucos, num filme de Zorro. Não temos mais Don Diego de La Vega se travestindo de cavaleiro vingador e tantos outros personagens que revelavam, ainda no século 19, uma Alta Califórnia quente, modorrenta, desértica, cristã e ao mesmo tempo cheia de injustiças – algo que os ricos irmãos de norte utilizavam como antítese do que não queriam ser - tanto que acabaram incorporando à força este território aos Estados Unidos.
O México continua sendo pobre por estar tão perto dos Estados Unidos e tão longe de Deus, como diz a lenda, mas o que o país está fazendo, mesmo sendo viciado em petróleo, turismo e remessas dos emigrantes mexicanos que pularam a cerca e foram morar acima do Rio Grande – itens que perfazem mais de 60% da renda nacional– é de dar inveja a países que competem com a maior nação de língua espanhola do mundo no comércio internacional.
Mesmo mergulhado na corrupção, num sistema político arcaico, frágil e ineficiente e nas origens do seu povo (a maioria da população é mestiça entre os usurpadores espanhóis e os resignados índios), o PIB chegou a US$ 1,1 trilhão ano passado (12º no mundo em poder de compra), a renda per capta a US$ 11,2 mil (duas vezes a brasileira), e seus habitantes (109 milhões no último senso) vivem, segundo a ONU, um pouquinho pior do que nós no índice de desenvolvimento humano.
A música é, na maioria das vezes, insuportável (uma espécie de torneio de cornetas histriônicas), a comida é uma mistura de qualquer coisa com tortilhas e pimenta, e a área de serviços não tem pressa nenhuma em atender os fregueses, algo muito parecido com os nossos baianos, que segundo se diz só entram em pânico no dia seguinte.
É um povo melancólico, acomodado, de pouco riso, que só demonstra o orgulho nacional quando a seleção, que não fez feio na Copa América, está jogando. Mas, em compensação, tirando a máfia do narcotráfico e os coiotes da fronteira, não é violento, não seqüestra os filhos da classe média e trata bem o turista, pelo menos os estrangeiros.
O México faliu em 1994 (como o Brasil, foi socorrido na última hora por então presidente americano Bill Clinton), e por isto mesmo foi obrigado a fazer a lição de casa. Hoje, é uma economia moderna e diversificada que fez o óbvio para estar onde está: abriu os portos a mais de 40 nações, principalmente com os Estados Unidos e Canadá (destino de 90% do seu comércio), Europa, Japão, Israel e países vizinhos da América Central. Praticamente todo o seu comércio externo se faz debaixo do guarda-chuva de acordos internacionais.
Ao abrir os portos, reduziu a chamada pobreza extrema de 24,2% para 17,6% de 2000 a 2004, cresceu a uma taxa média de 5,1% de 1995 a 2002 e, como nós, manteve a inflação em níveis civilizados, algo em torno de 3,3%, reduzindo o débito externo a 20% do PIB. Hoje, o México divide com o Chile a melhor classificação de crédito entre todos os países da América Latina.
Mas o que impressiona mesmo é o desempenho do presidente Felipe Calderón. Quase impossibilitado de assumir o poder exatamente há um ano diante dos protestos do candidato de esquerda, Andrés Manuel López Obrador, Calderón aproveita sua popularidade (65%) para trabalhar: em apenas duas semanas, conseguiu a aprovação da reforma da previdência do país e agora aprovará a reforma fiscal, fazendo com que os mexicanos que trabalham debaixo do pano venham à luz. Calcula-se que a reforma vai aumentar a coleta dos impostos em pelo menos 3% do Produto Interno Bruto.
Calderón fez da guerra contra o crime e o tráfego de drogas o centro da sua administração. Logo que assumiu o poder mandou 24 mil soldados para as regiões produtoras de drogas para manter a paz. A tacada tornou-se bastante popular, o que lhe possibilitou limpar a polícia federal mexicana e dar cursos de treinamento para mais de 1 mil oficiais. O que fez mais sucesso, no entanto, foi a obrigação de revistar as mochilas dos alunos quando entram e saem das escolas.
O México descobriu há tempo que o comércio internacional é uma espécie de panacéia para os males que afligiram esta nação desde que foi fundada. Modesta e consistentemente, sem falso nacionalismo, xenofobia ou as chamadas perdas internacionais (como dizia Leonel Brizola), está trabalhando para conquistar seu lugar ao sol.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Enfim , o sonho da casa própria

Se você quer morar nos Estados Unidos, adora o clima das montanhas e tem dinheiro sobrando no bolso, aqui vai uma oportunidade única: o corretor Joshua Saslove acaba de colocar à venda o que vem a ser casa mais cara do mundo, em Aspen, Colorado, por US$ 135 milhões, sem descontos.
A mansão de 17 mil metros quadrados, um pouco maior que a Casa Branca, tem 15 quartos, 16 banheiros, salão de beleza (ao lado da suíte máster) e, segundo mediu o The New York Times, espaço suficiente para uma festa de 450 pessoas. São necessários 12 empregados para cuidar do bangalô.
O rancho Hala, que significa bem-vindo em árabe, pertence ao polêmico príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Bandar bin Sultan bin Adul Al Saud, ex-embaixador nos Estados Unidos de 1983 a 2005 e hoje secretário geral do Conselho de Segurança Nacional. Ele é filho bastardo do prínce Sultan bin Abdul Aziz e amigo íntimo dos Bush, pai e filho.
Bandar, que tem oito filhos, fez o seu refúgio de 39 hectares em Aspen com o dinheiro de sua herança e, mais ainda, com os lucros que obteve intermediando compras de armas britânicas pela Arábia Saudita nos valor de US$ 80 bilhões, incluindo mais de 100 caças. O dinheiro ajuda a pagar pela gasolina do seu jato Airbus A 340.
Mais de mil pessoas, muitos deles pertencentes ao grupo de 943 bilionários existentes hoje no mundo, segundo a revista Forbes, já se inscreveram para visitar a mansão, mas somente 11 o fizeram até agora. Se você estiver interessado em vê-la, mas não tem tempo de ir a Aspen, há fotos disponíveis no site
www.christiesgreatestates.com/properties/view_13243/ . Segundo Joshua, seu trabalho básico é dizer “não” aos pretendentes que não têm tanto dinheiro assim para comprar a mansão.
Hala é o ponto máximo da chamada “bolha” habitacional que vem elevando os preços das casas nos Estados Unidos a níveis exponenciais desde o estouro de outra “bolha”, a da Internet, em 2001, quando os investidores ficaram mais ariscos e resolveram se salvaguardar comprando residências com juros de pai para filho, de 1 a 6% ao ano, sob as bênçãos do presidente do Banco Central americano da época, Alan Greenspan.
A mania de comprar casas, que as pessoas acreditam ser um bom investimento (e é, mas somente pela especulação dos preços), faz com que atualmente, segundo o governo norte-americano, cerca 70% da população seja dona de residências, com pagamentos mensais médios de US$ 1.687, cerca de duas vezes mais o preço médio dos aluguéis no país: US$ 868 por mês.
O preço médio de uma casa nos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional dos Corretores, está em US$ 206 mil, um aumento médio de 15% sobre o ano passado e 55% sobre os últimos cinco anos. Se você comprou aqui uma casa em 2002, provavelmente obteve 275% de retorno no seu investimento, o que deixa as bolsas de valores no chinelo.
Por isto boa parte dos proprietários entra na onda de refinanciar suas casas. Somente em 2004, fizeram mais de US$ 139 bilhões com estes refinanciamentos. 35% do dinheiro foi para fazer melhorias nas próprias casas, 16% em compras diversas e 26% para pagar antigos débitos, principalmente de cartão de crédito, como revelou a revista Time.
Na opinião de muitos economistas, o mercado residencial foi e é a salvação da lavoura para os Estados Unidos depois do estouro da bolha ponto com. Desde o início deste século é uma espécie de corrida do ouro onde todo mundo pode ficar rico se tiver um pouco de dinheiro (pelo menos 10 mil dólares) e espírito empresarial. É difícil encontrar alguém que não esteja envolvido com o setor, que não seja construtor, agente, corretor, financiador, remodelador etc.
Todo mundo adverte que a bolha vai estourar a qualquer momento. E que, com os preços das casas voltando aos patamares civilizados, pessoas que contraíram empréstimos para comprá-las, mesmo sem garantias reais, como no chamado mercado secundário, estarão de uma hora para outra com débitos que não poderão ser honrados. A bola de neve, segundo os economistas, pode causar um estrago de proporções astronômicas no país.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Todos somos imigrantes

A não ser pelo homem de Neanderthal, que deve ter vivido e morrido sem abandonar as proximidades da caverna em que nasceu, todos nós somos imigrantes. Nossos antepassados (ou nós mesmos) singraram mares, cruzaram territórios no dorso de mulas ou foram para o aeroporto e pegaram o avião para um novo país, em busca do que todo mundo quer: segurança, dinheiro e felicidade, não necessariamente nesta ordem.
Nos Estados Unidos, o problema é que quem chegou antes – descendentes de ingleses, alemães e holandeses – está achando que os quase 20 milhões de imigrantes ilegais que aportaram aqui nos últimos anos são uma ameaça ao estilo de vida norte-americano e, particularmente, ao inglês como linguagem comum. Esquecem que, como na história do ovo e da galinha, o país só ainda cresce porque tem gente disposta a trabalhar por cinco dólares a hora – o que, em bom economês, significa ganhos de produtividade.
Morar aqui é ter um vizinho de Taiwan, um encanador da Ucrânia, um taxista do Punjabi, uma babá do Camboja, um garçom mexicano e um xerife da Etiópia. Todos tentam falar a língua de Shakespeare com exóticos sotaques, mas, ao mesmo tempo, celebram o Quatro de Julho, Dia da Independência, hasteando a bandeira nas janelas de suas casas. Sem eles, diz o vinicultor Terry Harrison, proprietário da vinícola Steppe Cellars aqui no deserto de Washington, “eu não poderia vender este Chardonnay a menos de 10 dólares a garrafa”.
É com este espírito que o presidente George W. Bush está empurrando goela abaixo dos congressistas novo pacote para os imigrantes, que os legaliza desde que entrem, novamente, mas pela porta da frente: documentados, com dinheiro, dentro dos prazos e trâmites legais. O povo está contra: acha que o pacote, que voltou a renascer semana passada no Congresso, sob o alento do democrata Bob Kennedy, premia quem atravessou ilegalmente a fronteira do Rio Grande fugindo dos coiotes e das milícias.
Bush está com uma batata quente nas mãos. Rodeado por babás e serviçais mexicanos desde a infância no Texas, o presidente sabe da importância imigrantes do México nos Estados Unidos. Iletrados, cheios de filhos que às vezes só falam espanhol e obrigam o sistema educacional público a ser bilíngüe, brotam aqui (já são oito milhões de mexicanos ilegais) para dar uma banana à história e recuperar um território – o sudoeste dos Estados Unidos – tomado deles em diferentes guerras.
Embora a imagem dos Estados Unidos não esteja lá estas coisas hoje em dia, todo mundo quer vir para cá. Por vontade própria ou refugiando-se das guerras ao redor do globo. Só em 2006, o país aceitou mais imigrantes como residentes permanentes do que todos os outros países do mundo combinados. Ao mesmo tempo, mesmo construindo um muro de duas mil milhas na fronteira com o México ou criando programas de trabalhadores temporários, não consegue deter a leva de ilegais que chega a quase um milhão de pessoas por ano.
Receber este povo, que pouco depois que chegam aqui arranjam emprego, casa própria, escola para os filhos e carro na garagem – coisas que muitos deles não tiveram em seus países– gera controvérsia em torno de racismo, etnia, benefícios econômicos, criminalidade, valores morais e até hábitos de trabalho. Programas jornalísticos da TV, como o de Lou Dubbs na CNN, só tratam deste tema, e na maioria das vezes com raiva.
A Califórnia, que tem um governador austríaco,
Arnold Schwarzenegger, e um prefeito de Los Angeles descendente de mexicanos, Antonio Villaraigosa, já tem 65% de sua população latina. Um dos candidatos democratas à presidência, Bill Richardson, tem mãe mexicana. Os latinos estão caminhando para se tornar maioria no Texas, Arizona, Flórida e outros estados do Sul. Dados do Censo demonstram que estão invadindo os estados centrais à procura de trabalho que os americanos não querem mais fazer.
Vendo o copo metade cheio, ou invés de metade vazio, como é comum, a forma mais apropriada de enxergar os Estados Unidos não é considerá-lo, como se supõe, um país ameaçado pelos estrangeiros. Ao contrário, seu território virou uma imensa ONU com gente de todo o mundo que celebra, aqui, a antes improvável convivência de praticamente todas as raças da Terra.
A ironia desta história é que justamente esta fusão é que faz a grandeza o país.