segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O apanhador no campo de centeio

Quem conhece Jorio Dauster sabe das suas virtudes como diplomata, negociador da dívida externa brasileira e ex-presidente da Vale do Rio Doce, além do excelente papo, da pele queimada de sol e do joie de vivre carioca.
O que pouca gente lembra é que Dauster teve a felicidade de, ainda nos anos 60, traduzir para o português, com a ajuda de dois amigos do Itamaraty, a obra prima de J. D. Salinger, O Apanhador no Campo de Centeio.
The Catcher in the Rye, no seu original em inglês, uma espécie de Bíblia dos pós adolescentes, ou “o romance que inventou uma geração”, já vendeu mais de 60 milhões de exemplares em praticamente todas as línguas e, ninguém sabe porquê, é consumido à razão de 240 mil exemplares todos os anos.
Aqui em Los Angeles, depois de uma palestra sobre biodiesel sob o patrocínio do Consulado Brasileiro e do Instituto Milken, perguntei ao embaixador o que faz um livro escrito em 1951 provocar tanto sucesso quase 60 anos depois.
O Apanhador, explica, toca as pessoas porque fala de conceitos filosóficos numa linguagem que qualquer um entende, se identifica e, portanto, gosta. Nada mais é do que uma acurada e sensível crônica da juventude.
O embaixador ainda traduziu mais 17 livros, inclusive outra obra-prima de Salinger, “Raise high the roof beam, Carpenters” (“acho que sou um neurótico ao contrário... sinto que o mundo está conspirando para que eu seja feliz”), ao qual ele deu o título de “Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira”.
De uns anos para cá Dauster traduziu outros autores, em especial Vladimir Nabokov, mas o “Apanhador” continua sendo um dos seus papos favoritos, mesmo porque o mistério que envolve o livro e seu autor, recluso há pelo menos meio século num sítio no Estado de New Hampshire, é também o papo favorito dos fãs de Salinger.
O escritor, que nasceu em Nova York e hoje celebra 88 anos, escreveu a maioria de suas obras entre 1940 e 1965, mas segundo a lenda continua escrevendo todas as manhãs. Seu contato com o mundo exterior é através de seu agente literário, um escudo em várias batalhas para garantir a integridade de sua obra.
O “Apanhador”, escrito na primeira pessoa, é uma viagem ao labirinto do cérebro de Holden Caulfield, de 16 anos, que detalha suas experiências em Nova York depois de ter sido expulso de um colégio interno. O livro expõe a falsidade da vida adulta, a alienação do rapaz e a inevitável perda da inocência. “Minha adolescência foi praticamente a mesma do rapaz, e foi um grande alívio contar esta história para as pessoas”, disse o autor em 1953.
Quando foi lançado, o “Apanhador” ficou na lista dos mais vendidos do The New York Times durante 30 semanas, mas, depois, foi-se tornando um culto entre os adolescentes, a ponto de, devido ao seu poder de influência, ter sido banido ou censurado em vários distritos escolares por trazer 332 palavras chulas, coisas que naquela época não ficavam bem em letra de imprensa.
Muitos professores foram despedidos ou forçados a sair das escolas por recomendar sua leitura aos estudantes, o que só provocou a curiosidade e as cópias piratas passadas de mão em mão. Salinger recebeu propostas milionárias para transformá-lo em filme, entre elas a de
Steven Spielberg. O autor, escaldado com a adaptação hollywoodiana de um de seus contos, recusou.
No Brasil, Rubem Braga e Fernando Sabino decidiram editar o livro traduzido por Dauster e seus amigos diplomatas Álvaro Alencar e Antônio Rocha após uma conversa regada a uísque na cobertura de Braga em Ipanema, no Rio.
Num recente artigo sobre a epopéia de achar um título adequado à versão para o português do The Catcher in the Rye, Dauster citou um parágrafo que diz tudo a respeito do livro que ainda hoje encanta milhões de pessoas.
“.... fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto; quer dizer, ninguém grande; a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.”

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

AS AVENTURAS DE STEPHEN FOSSETT

Até sexta-feira passada, quando escrevi este artigo, não sabíamos se tínhamos perdido ou não o maior aventureiro de todos os tempos, James Stephen Fossett, 63 anos, o milionário norte-americano que no ar, na água ou na terra estabeleceu 116 recordes mundiais, 76 deles ainda não batidos por ninguém.
Fossett, que já rodou o mundo num balão, atravessou o Canal da Mancha nadando, subiu seis dos mais altos picos da Terra e fez fortuna com a firma de investimentos Marathon Securities, simplesmente barberou no comando do seu avião, o Bellanca Citabria Super Decathlon, e, presumivelmente, espatifou-se nas montanhas do deserto de Nevada, no sudoeste norte-americano, no dia três de setembro.
Por ser famoso, e rico, mais de 17 aviões e helicópteros (e praticamente todas as redes de TV) procuraram por Fossett por mais de duas semanas por cerca de 26 mil quilômetros quadrados, algo semelhante, segundo um piloto, a localizar um pedaço de lata na Quinta Avenida do alto do Empire Estate Buiding, em Nova York.
Pelo mesmo motivo, e pela primeira vez que se tem notícia, os dois maiores líderes de buscas na Internet, Google e Yahoo, se dispuseram a utilizar seu rastreamento via satélite para, lá de cima, ajudarem a localizar Fossett e seu monoplano.
Coincidentemente, Fossett criou raízes em S. Louis, Missouri, onde há quase um século um grupo de investidores bancou o monoplano The Spirit of St. Louis, do herói Charles Lindbergh, que fez o primeiro vôo intercontinental em 1927 e depois teve seu filho seqüestrado e morto.
O mundo começou a prestar atenção em Fossett recentemente, quando depois de seis tentativas tornou-se o primeiro ser humano a viajar ao redor do mundo num balão. Ultrapassando Sir David Niven, do filme A Volta do Mundo em 80 Dias, demorou apenas 13 dias, 8 horas e 33 minutos.
Casado e sem filhos, Fossett é um dos poucos terrestres que podem ostentar a Medalha de Ouro da Federação Aeronáutica Internacional, FAI. Depois deste recorde, e não satisfeito, associou-se ao bilionário britânico Richard Branson para rodar novamente o mundo, desta vez dentro do Virgin Atlantic GlobalFlyer e em 67 horas. Como comandante, em 2004, deu a volta à Terra no catamarã Cheyenne em 58 dias e nove horas.
Boa parte das reportagens sobre Fossett, que nasceu numa pequena cidade do Tennessee, destacam dois aspectos: (1) o que faz um homem que depois de se aposentar dá uma de Deus, não sossega e bate 167 recordes mundiais? (2) como um aventureiro multifacetário como Fossett, capaz de subir os 9 mil metros do Himalaia ou atravessar do Canal da Mancha (34 quilômetros de Dover até o Cabo Griz-Nez) erra ao pilotar um avião que, como o Cessna, é considerado o Fusquinha dos ares?
Fossett desapareceu sem responder a estas perguntas, mas lendo sua autobiografia, “Chasing de Wind”, escrita em parceria com Will Hasley, lançada pela Virgin Publishing, surge um homem arredio, pouco afeto à mídia, escoteiro de alma e coração, que desde os 12 anos, quando nem sabia o que fazer da vida, já subia as mais altas montanhas da Califórnia. Uma personalidade bastante parecida com um dos poucos heróis que o Brasil tem, Amyr Klynk, o solitário paulistano que veio remando da África até a Bahia nos anos 80.
Fossett, como Klynk, ou o próprio Lindbergh, era, mais do aventureiro, um planejador nato, capaz de, como um jogo de xadrez ou no dia-a-dia de Wall Street, prever minuciosamente cada item de suas aventuras: preparo físico, técnica, equipamentos e mantimentos. Planejar, como muita gente sabe, é antecipar problemas, mas na manhã daquele três de setembro, Fossett, ao que parece, estava de folga e nem plano de vôo fez.
O avião decolou às 8:45 do campo de pouso conhecido como
Flying-M-Ranch, do também milionário Barron Hilton, dos Hotéis Hilton, em Nevada. Segundo a CNN, ele estava procurando por um lago adequado para bater outro recorde de velocidade.
As buscas começaram seis horas depois, já que Fossett não deu sinal de vida e sua aeronave tem apenas cinco horas de autonomia de vôo. O interessante é que não foram acionados os dispositivos de emergência para a localização do avião, que automaticamente são ligados quando o avião cai e bate no solo ou na água. Um mistério total.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Cortando a Barba e os Custos

Quando o inventor norte-americano King Camp Gillette inventou o aparelho de barbear com lâminas descartáveis, em 1901, transformou o até então perigoso e delicado ato de fazer a barba, restrito às barbearias e a alguns familiares de plantão, em um hábito tão popular feito escovar os dentes.
A jogada de mestre, no entanto, não estava na invenção em si, mas na possibilidade de vender um produto abaixo do custo, o aparelho de barbear, para fazer com que os consumidores pagassem mais pela lâmina, mantendo-os fiéis ao longo dos anos.
Este conceito, chamado aqui de loss leader, foi a mola mestra do sucesso não só da Gillette, vendida em 2005 à Procter & Gamble por US$ 54 bilhões de dólares, mas também de muitas marcas que atraem o consumidor através de produtos baratos, como a impressora à jato de tinta, para depois retê-los através dos caros cartuchos.
Warren Buffet, o segundo homem mais rico do mundo, investiu na Gillette por acreditar que jamais haverá um dia em que o homem não se levante, passe a mão na cara e sinta a necessidade de tirar aqueles pelos que significam, no mundo de hoje e com o perdão do “companheiro” Fidel, desleixo e falta de asseio pessoal.
Mas quando o CEO James Kilts chegou à empresa em 2001, o primeiro executivo de fora da corporação em mais de 70 anos, encontrou um negócio que tinha uma grande marca, mas que, por inatividade, estava perdendo a participação de mercado.
Jim, como é chamado, se assustou com prejuízos em mais de 15 quadrimestres consecutivos, as ações em baixa e Wall Street perdendo a paciência, como revelou em seu livro de memórias “Doing What Matters”, recém lançado nos Estados Unidos.
Já famoso e realizado depois de fazer um bom trabalho na Kraft e na Nabisco, Jim tinha diversas opções: ver-se livre de recentes aquisições, como a Duracell e a Braun, sair do negócio de personal care , só manter os aparelhos e as lâminas de barbear, ou simplesmente jogar a toalha e entrar num acordo com os bancos credores.
Segundo Kenneth Roman, ex-CEO da Ogilvy & Mather que recentemente fez uma resenha do livro de Jim para o The Wall Street Journal, o homem escolheu o caminho mais difícil.
Apoiado por seu time de executivos e por seus “mentores”, introduzira uma política chamada Zero Overhead Growth (ZOG), que busca controlar os custos e investir o que sobrar em pesquisa, desenvolvimento e.... marketing.
A vontade férrea de fazer do corte de custos um meio de vida (os Estados Unidos foram reeleitos semana passada campeões de produtividade entre todos os países do mundo) faz lembrar, segundo o autor do artigo, o mantra do setor de semicondutores: o preço da sobrevivência é cortar 20% dos custos todos os anos – e para sempre.
Mas Jim foi além do corte de custos, e preparou a empresa para se manter uma eterna saúde. Inventou um programa chamado de Excelência Funcional, no qual preconiza a iniciativa de fazer o melhor, com máximo desempenho, pelo menor custo, que segundo os críticos significa simplesmente demitir gente.
Aos poucos, diz Jim em sua biografia, o pessoal começou a gostar dos benefícios de uma cultura que permanentemente combate o supérfluo e desnecessário. Depois de dois anos, quando sentiu que a turma já estava amestrada neste mantra, Jim lançou mais um projeto, o Total Innovation, um programa contínuo de melhorias e inovações, inclusive de produtos que mudariam para sempre a face do mercado, como o Mach 3 e o Sensor.
Em sua biografia, o executivo, como todo vencedor que se preza, comemora os resultados. As vendas cresceram 5% depois de seu primeiro ano no posto, 10% no segundo ano e continuou aumentando, fazendo com que a ação da Gillette subisse 20% entre 2001 e 2004, chamando a atenção da gigante Procter & Gamble, que comprou a empresa e a elegeu como uma linha de seus produtos.
Já o inovador King Gillette, que deu início a este colosso empresarial e transformou seu nome na marca recorrente de aparelhos de barbear, morreu pobre e falido em Los Angeles, na Califórnia, em 1932, depois de investir dinheiro em imóveis e ter perdido quase tudo durante a Grande Depressão.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Mulher é ruim para fazer conta?

Nada disso. Cada vez mais a ciência comprova que ser bom em matemática, ou no “alfabeto com o qual Deus construiu o Universo”, como dizia Galileu Galilei, independe do sexo.
Mas a atriz Danica McKellar, a doce Winnie Cooper do seriado Tempos Incríveis, exibido no Brasil pela Rede Cultura, a cada dia encanta os americanos com o livro “A Matemática Não é Chata”, escrito de princesa para princesas para convencê-las de que o reino dos números é também coisa de mulher.
McKellar, que já foi tão ruim em matemática como boa parte da humanidade, viveu tempos incríveis na sala de aula quando, de repente, dava branco na cabeça, o coração palpitava e rezava para que o sino do recreio acabasse com a tortura de uma, digamos, raiz quadrada.
Até que um professor apareceu e deu exemplos práticos de matemática no dia-a-dia para que ela aprendesse a lição. Foi a faísca para que explodisse sua genialidade numérica, a ponto de, mesmo com carreira de atriz, ter sido autora de um tal de Chayes-McKellar-Winn, um teorema impossível de descrever aqui, pois nem eu nem você, paciente leitor, entenderíamos bulhufas.
Muita gente pensa que, com o advento da calculadora de mão, a matemática poderia ser extinta dos currículos escolares, a exemplo da Química (já experimentou decorar a tabela periódica dos elementos?) ou da Física, cuja beleza estava na frase “a toda ação corresponde uma reação igual e contrária”, muito útil nos embates da vida.
Mas a matemática, que trabalha com conceitos de quantidade, estrutura, espaço e mudança, é cada vez mais utilizada numa miríade de profissões que envolvem o reconhecimento de padrões em números, computadores, abstrações ou qualquer coisa que exista.
Ou seja, como num jogo de xadrez, leva as pessoas a pensar adiante, lidar com possibilidades, reconhecer erros e corrigi-los imediatamente (“meu segredo de sucesso”, segundo Bill Gates), criar programas de computador que imitam o celebro humano ou simplesmente calcular a gorjeta na mesa de um bar.
Mais ainda, a matemática vem sendo lugar comum nas entrevistas de emprego aqui nos Estados Unidos, onde se pergunta para o candidato “(1) quantas bolinhas de golfe cabem num ônibus escolar”, “(2) quanto você cobraria para lavar todas as janelas de Seattle” ou a pegadinha criada pela Microsoft ainda nos anos 90: “(3) - quantos postos de gasolina existem no Brasil?”. A idéia é saber se o candidato consegue pensar e, em caso positivo, se o faz com um mínimo de racionalidade.
Danica McKellar, hoje aos 32 anos, devolve a dádiva que recebeu do professor talentoso distribuindo-a para milhões de meninas nos Estados Unidos, que estão naquela idade em que não sabem se a herdeira Paris Hilton é um modelo a ser seguido ou evitado. E que, vez por outra, se sentem pressionadas pela escola ou pelos pais para resolver, desculpem o trocadilho, esta equação.
Seu livro, que tem como subtítulo “Como sobreviver à matemática na escola sem perder a cabeça ou suas unhas”, está sendo consumido aos borbotões por meninas desesperadas e mães atribuladas. Recheado de rosa e rosas, traz dicas para o dever de casa, os testes bimensais e, melhor ainda, exemplos reais, como entender as percentagens para as garotas se darem bem no Shopping Center ou proporções, de forma a torná-las excelentes chefs de cozinha.
O resto é entremeado com horóscopos, truques, enigmas, charadas, testemunhos de outras garotas e, principalmente, os resultados certos, que podem ser encontrados no site www.danicamchellar.com.
Fazer com que as garotas amem a matemática pode mudar a realidade profissional dos Estados Unidos, diz a pesquisadora Patricia Campbell, que avalia programas de matemática e ciência para a National Science Foundation. Apesar de milhões de dólares que estão sendo gastos em programas educacionais, os homens ainda vencem as mulheres em profissões essencialmente “matemáticas”, como engenharia.
-Nós levamos as meninas a encararem a matemática. Depois a usá-la. Agora teremos que fazê-las a amarem, diz Campbell.
O primeiro passo, como se vê, é ler o livro de Danica McKellar e responder corretamente às perguntas.
*Respostas: 1- 500 mil, assumindo que o ônibus que o interior do ônibus mede 20 bolas de altura, 50 de largura e 200 de cumprimento. 2.- Assumindo que Seattle tem 10 mil quarteirões, 600 janelas por quarteirão, e a 20 dólares por hora, em torno de US$ 10 milhões. 3.- 43 189 postos.