segunda-feira, 16 de abril de 2007

O americano que batia um bolão

Em uma jogada de mestre, em plena Copa do Mundo, a Miramax lança na próxima Sexta-feira, em Nova York, o documentário Uma vez na vida: a extraordinária história do New York Cosmos, o time norte-americano de estrelas estrangeiras que, embalado por muito sexo e rock and roll, mudaria em 1977 o negócio do futebol em todo o mundo a partir – quem diria – dos Estados Unidos.
Antes da contratação do já aposentado Pelé por R$ 4,5 milhões, que naquele tempo era um dinheirão, o futebol mundial não conhecia salários astronômicos, cheerleaders fazendo gracinhas no gramado, cobertura maciça da imprensa e, principalmente, o envolvimento da TV como gigantesca ferramenta de marketing.
Até então, o futebol era uma mistura de inocência, representada por Garrincha, cartolagem explícita (a lembrança maior é o treinador Vicente Feola domindo enquanto o Brasil ganhava a Copa de 58) e de muita pelada, num total desprezo pelas regras do show business.
O time dos sonhos, como era chamado na época, entrou com tudo em campo: todo o planejamento de marketing foi feito a partir da TV, os jogadores começaram a ser tratado como estrelas hollywoodianas e os patrocinadores, principalmente empresas de bebidas e artigos esportivos, pularam de cabeça no negócio. Um ensaio do que aconteceria décadas depois. “Trabalhar com o time do Cosmos”, resume um antigo colaborador no documentário, “era como acompanhar uma turnê mundial dos Rolling Stones”.
Os sonhos, no entanto, viraram pesadelos. Por erros da cartolagem (vocês já viram este filme antes...), o time acabou falindo e o negócio quase terminou em pancadaria. O pior de tudo é que o maior objetivo – fazer nascer o futebol nos Estados Unidos – não foi obtido.
Futebol aqui não pega, não dá liga, faz a bola parecer quadrada e os jogadores, pernas-de-pau. O esporte, digamos, está para os americanos assim como o beisebol está para os brasileiros. Os gringos acham o jogo chato, maçante e demorado, e como se não bastasse, pode resultar em 0 a 0. Ninguém se importa, pára de trabalhar ou vai para o boteco comemorar.
Extremamente competitivos, os americanos não entendem com a potência econômica tem de se curvar a um país miserável como, por exemplo, Gana. Quando em todas as Olimpíadas reinaram sem opositores de peso. Mas, como a Copa rende bilhões de telespectadores (e dólares), sempre ficam com a pulga atrás da orelha, como se o Tio Sam tivesse de mandar neste assunto também.
Tudo começou em 1950, quando nossos vizinhos do Norte bateram a armada inglesa em pleno Estádio Independência, em Belo Horizonte, durante aquela trágica Copa do Mundo, um fato tão inusitado que até hoje ninguém entendeu direito.
Desde lá, criou-se uma história recorrente de que os Estados Unidos entendem de futebol – ou soccer, como eles dizem. A partir daí, de décadas em décadas, aparece um aventureiro no ramo. O desbravador foi Steve Ross, da Warner Communications, com o próprio Cosmos. O primeiro jogo, em 1971, contou com apenas 3.746 fãs na torcida. Em 1972, o escrete já ganharia o primeiro campeonato americano.
O mundo ficou embasbacado quando se anunciou que o Cosmos contrataria Pelé, “o mais amado jogador de futebol de todos os tempos” para jogar durante três anos por uma fortuna. Depois de uma noite de farra no Club 21, Pelé foi apresentado a 22.500 fãs que foram ver o Cosmos bater o Toronto por 2 x 0.
No ano de 1977, não se falava em outra coisa a não ser no Cosmos de Nova York ou o “milagre” do futebol nos Estados Unidos. Pelé, que se recusou a ser entrevistado para este documentário, disse recentemente que sua ida para este time fez com que ele ficasse mais de 20 anos por aqui, tornando o futebol “uma realidade no país”.
Pelé pode ser mesmo bom de previsões, como a de que o Brasil não ganharia esta Copa – fato que ficará para a história, assim como aquela frase de que “o brasileiro não sabe votar”. No entanto, no caso do futebol nos Estados Unidos, infelizmente, ele errou feio.
Futebol é uma atividade marginal nos Estados Unidos, nas mãos da criançada e de alguns inocentes fãs que fazem do soccer uma confraria do outro mundo. Não daqui.

Guerra ao racismo

Diz-se que o homem, como o peixe, morre pela boca. É o que está acontecendo com o locutor Don Imus, da CBS, demitido na semana passada depois que chamou as jogadoras de basquete do Rutgers, uma universidade pública de New Jersey, na Costa Leste, de prostitutas de cabelo encarapinhado (Nappy-headed ho's).Imus, que assim encerrauma carreira de mais de 41 anos no rádio (seu programa também era transmitido ao vivo de madrugada pelo canal a cabo MSNBC) foi asfixiado não só pela reação em cadeia de candidatos presidenciais, jogadoras, bloguistas e pelos revanchistas de plantão, gente que pega este ato isolado e quer lixar a raça branca por séculos de opressão contra negros. O que pesou mesmo foram os principais patrocinadores, gente como Procter & Gamble, General Motors, Staples e Sprint, cancelarem o patrocínio de US$ 25 milhões para o programa distribuído em mais de 70 rádios norte-americanas. Como o dinheiro fala mais alto, a reação inicial do pessoal de TV e rádio foi suspender Imus, um caubói californiano e branquelo com sotaque sulista, por duas semanas. Mas depois, com a repercussão aumentando como uma bola de neve, a CBS decidiu simplesmente demiti-lo. Imus é reincidente em tratar negros, latinos, índios e outras minorias nos Estados Unidos com palavras de baixo calão, ou no mínimo discriminatórias. Ex-alcóolatra e dadivoso filantropista, já foi acusado(e processado) de racismo, misogenia e homofobia, não só por celebridades, mas até por colegas de trabalho. Seu principal alvo, no entanto, são as mulheres negras, embora já tenha chamado o ex-secretário de Estado americano Colin Powell de "doninha ressonante" e o governador do Novo México de "bicha gorda". Mas agora a paciência estourou. A gota d'água foi o discurso da técnica do Rutgers, C. Vivian Stringer, durante entrevista coletiva do time após o incidente. Ela chamou a atenção para o efeito perverso que as palavras de Imus provocaram nas meninas do basquete, a maior parte delas pós-adolescente. O time - composto de oito negras e duas brancas -, disse que voltou para suas casas no feriado de Páscoa e, ao invés de celebrar o reencontro com a família, só ouviram lamentações e rancores dos pais e amigos contra Imus. O radialista, um mestre na arte da fala, bateu de frente com todo o mundo, pediu desculpas diversas vezes ("sou um homem bom que fez uma coisa ruim"), propôs um pedido de desculpas frente a frente e convidou representantes da raça negra para debaterem a questão no seu programa. Só piorou a situação. Embora seja o maior caldeirão de raças que até hoje se encontraram num só espaço geográfico, os Estados Unidos está pronto para explodir a qualquer momento. O racismo é aberto, declarado, cheio de não-me-toques e do não-se-meta-comigo. Daí o imperdoável perdão judicial ao jogador de futebol americano O. J. Simpson, depois dele ter matado a esposa Nicole e seu namorado Ronald Goldman em 1994. Ou da imediata punição aos agentes que bateram no motorista de táxi Rodney Glen King em 1991, que provocou uma nunca vista guerra racial na parte mais pobre de Los Angeles, como diversos motoristas brancos sendo filmados pelas câmeras em cenas grotescas - arrancados dos carros e apanhando no meio da rua. Mas agora, passado os horrores do racismo - desde a escravatura, a Ku Klux Klan, e o assassinato do pastor Martin Luther King, Jr. em Memphis, Tennessee, em 1968, a discussão entre brancos e negros se dá, principalmente, pela mídia, que arregimenta as melhores cabeças pensantes para debater durante horas as injustiças da sociedade. O fantástico de toda esta história é o fato de os Estados Unidos terem a capacidade de errar, de aprender com os erros e de, como sempre, tirar lições deles. Ninguém fica parado na história regurgitando erros comezinhos e as armadilhas do destino. Errar é humano, como se sabe, mas a capacidade de reconhecer o erro rapidamente e corrigi-lo é que faz a diferença. Como disse Chidimma Acholonu, presidente da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, "esta não é uma batalha contra um homem. É uma batalha contra uma forma de pensamento". Sexta-feira, em entrevista à rede NBC, a técnica C. Vivian Stringer completou: "Se este episódio contribuir para que isto jamais aconteça de novo, eu trocaria tudo isto por todo o campeonato nacional. Estas meninas, como todos nós, são representantes de Deus".