sexta-feira, 20 de abril de 2007

Tanto céu para quê?

Sentado na praia de Copacabana, diante de um mar azul e cristalino, sob um sol de 40 graus, rodeado por muita gente bonita e feliz, numa democracia racial e econômica sem paralelo em qualquer lugar do mundo, fica fácil entender porque o Brasil se fechou em copas e, como um Gulag às avessas, fica neste vai-não-vai na hora de participar do mundo globalizado.
Depois de um longo e tenebroso inverno no Hemisfério Norte, esbarra-se em notícias de balas perdidas, assaltos e seqüestros, adicionada a um governo inepto que incita ao ócio milhões de brasileiros através do Bolsa Família. Mesmo assim, para quem conta hoje com um olhar distante, continuamos deitados em berço esplêndido. E com uma certa razão.
Não precisamos ir à luta – temos etanol à vontade, o oxigênio da Amazônia, 40% do território de terras férteis e virgens, frutas e verduras em profusão, empresários ecléticos (graças aos anos de inflação e instabilidade), as mulheres mais lindas do universo e uma música que nos orgulha em qualquer esquina do mundo.
Arroubos de integração mundial, especialmente com o “Império do mal”, chamado de Estados Unidos, são tidos com desconfiança, menosprezo, não-me-toques, passeatas e cassetetes. O diálogo Sul-Sul, ao contrário do que dizem os impolutos integrantes do Itamaraty, é algo semelhante a trabalhar para pobre (e haja país pobre neste mundo), uma opção que como reza o ditado significa pedir esmola para dois.
O carioca, um povo prosaico, feliz e virador que a exemplo dos portugueses tem saudade de coisas que não aconteceram, argumenta que a violência no Rio é fabricada pela Rede Globo, cujo sargento Jornal Nacional dá Ibope glorificando a bandidagem. Que, diga-se de passagem, “é bem menor que a de São Paulo”.
Tirando boa parte dos empresários e centenas de suados brasileiros que inundam as filas do consulado americano em busca dos vistos, falar mal dos Estados Unidos é quase uma unanimidade, palavra que o inesquecível Nelson Rodrigues comparava à burrice. “Não sei como você agüenta”, “que povo arrogante...” são comentários recorrentes.
É o mesmo que mineiro falando de paulista, de são-paulinos insultando corintianos, de cliente falando mal de banco porque estourou o cheque especial. Na nossa terra, enaltecer os defeitos e encobrir as qualidades é sinal de sapiência, de tomada de posição, de cabeça pensante, algo que deve ter começado coma resistência aos portugueses que vinham até aqui surrupiar nossas riquezas.
Tome-se o caso do etanol. O presidente Bush toma a iniciativa de deixar a Casa Branca, pegar o Air Force One, e viajar nove horas até São Paulo só para falar com Lula que deseja comprar o álcool brasileiro. Como lembrou o leitor Mauro V. de Chermont, num indignado email, trata-se da mais importante visita de um presidente norte-americano nos últimos 40 anos.
“Se não metermos os pés pelas mãos e perdermos o bonde da história, com fizemos tantas vezes”, diz ele, “tenho certeza de que o Brasil assumirá um importante papel no cenário global, deixando para trás nossa imagem, os famosos cinco ‘S’: Sun, Sea, Sex, Samba and Soccer (hoje seriam seis, acrescentando-se Scandals).
Pois bem, senhor Chermont, o Brasil corre o risco de meter os pés pelas mãos e perder este chamado norte-americano, um povo tão viciado em combustíveis quanto o Brasil em profusão.
O governo Lula pode chegar à conclusão, depois de meses e meses examinando o convite de Bush, de que as extensas plantações de cana-de-açúcar, hoje mecanizadas, não trazem benefícios sociais pois não empregam trabalhadores e, assim, não ajudam a pagar a “tremenda dívida social deste país”.
Dívida social, como qualquer dívida, se paga ganhando mais, e não dividindo o que não se tem. É fazer com que os empresários possam trabalhar (e criar empregos), que os portos se abram ao comércio exterior, que o ambiente seja favorável aos negócios, e que o governo não seja o terceiro (e invisível) sócio das empresas através da escorchante (e nunca satisfeita) sanha tributária.
A saída para este recorrente dia-a-dia, onde se vende o almoço para comprar o jantar, é o comércio internacional, a troca de mercadorias e serviços entre as nações, algo que o comilão e preguiçoso D. João de Orléans e Bragança faz há centenas de anos neste mesmo Rio, algo que os países asiáticos fazem com maestria desde o século passado e que o Brasil, por ter nascido em berço esplêndido, fica em dúvida se precisa fazer.
Afinal, com tudo que temos em casa, para quê céu?