segunda-feira, 23 de abril de 2007

O perdão que entrou para a história

Leslie Lynch King Jr, ou Gerald Rudolf Ford, o 38º presidente norte-americano morto semana passada aos 93 anos, não entrou para a história por ser um homem incapaz de “mascar chicletes e andar ao mesmo tempo”, como se dizia à época.
Ford, o único residente não eleito até hoje na história americana, surpreendeu o mundo ao perdoar, contra tudo e contra todos, o antecessor Richard Nixon (que renunciou após ser pego no escândalo Watergate) por todos os crimes que cometeu – “e eventualmente possa ter cometido” – contra os EUA. Por este perdão, anunciado em cadeia nacional um mês após a renúncia de Nixon, em 9 de agosto de 1974, Ford foi bombardeado pela esquerda e pela direita, dentro e fora do país. Pior ainda, foi fragorosamente derrotado na eleição de 1977 pelo democrata Jimmy Carter, um produtor de amendoins da Geórgia que só provou seu valor após deixar a presidência e ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
“É uma tragédia americana”, defendeu-se ele na ocasião, “na qual todos nós tivemos a nossa parte”. “Eu poderia ir à frente, mas sou o único que pode dar um basta nesta história toda – e se eu posso, eu devo”, disse.
Ford, um advogado de Michigan e ex-campeão de futebol americano, que se vangloriava de ser escoteiro e cujo papo dava sono nos interlocutores, se refugiou numa bucólica região do Califórnia e passou o resto da vida jogando golfe. “Ele assumiu (a Presidência) em um período de grande divisão e turbulência” disse o atual presidente do EUA, George W. Bush, “mas para uma nação que precisava de cura e de um cargo que necessitava de calma e determinação, Ford apareceu quando mais precisávamos dele”, resumiu.
Foi um período em que os EUA, ao mesmo tempo, perderam a Guerra do Vietnã e assistiram, boquiabertos, à renúncia do presidente Nixon, embora ele tenha feito coisas notáveis, como a aproximação com a China.
Timoneiro de uma presidência tranqüila, quase apática, embora tenha sido vítima de duas tentativas de assassinato, Ford perdoou os americanos que se recusaram a ir à Guerra do Vietnã, e ainda referendou o Tratado de Helsinque, criticado à época, mas reconhecido depois como o início do fim da Guerra Fria e, em seguida, da União Soviética. Numa época de declínio econômico, inflação alta e descrédito no país – e fora dele – Ford também tentou de toda sas formas cortar o dispêndio público – vetou diversos projetos de aumento dos gastos até não resistir à maioria democrata no Congresso, que sucessivamente derrubou os vetos presidenciais.
Veterano da Marinha da Segunda Grande Guerra, Ford enfrentou uma de suas mais duras batalhas na fronte interna. A dependência de drogas e depois o alcoolismo da ex-primeira dama, Betty Ford, que apareceu na TV trôpega, mas altiva, durante o funeral do marido no Congresso americano. Confrontada pela família, Betty não só reconheceu a dependência como também criou, no início da década de 80, o Betty Ford Center for Drug and Alcohol Rehabilitation em Rancho Mirage, na Califórnia. Ford foi um homem simples, probo e correto, uma espécie de interventor que o destino escolheu para acalmar os ânimos e colocar o país nos trilhos. Depois dele, apesar de ter sido sucedido por um presidente claudicante como Jimmy Carter, os EUA redescobriram-se, derrotaram a União Soviética e promoveram décadas de exuberante crescimento econômico, jamais visto na história da humanidade.
Tão americana feito a calça jeans e os óculos ray-ban, a Coca-Cola, este líquido insípido e inodoro que até hoje ninguém descobriu porque faz tanto sucesso entre mais de 200 países e bilhões de consumidores, voltou nesta semana a fazer a alegria dos acionistas, depois de quase uma década de letargia. Para desespero de seus adoradores, a empresa chegou até a valer menos que a arqui-rival Pepsi. Suas ações, reconhecidas pelas letras KO, foram negociadas na Bolsa de Nova York a US$ 51 cada, elevando o valor da empresa para US$ 119 bilhões, ainda longe (mas um pouco mais perto) do pique daquele 1998, quando chegou a US$ 88. Esta reviravolta, capa da seção de investimentos do The Wall Street Journal, está fazendo revolver o túmulo do cubano- americano Roberto Goizueta, o lendário ex-CEO responsável pelo que a Coca é hoje. O motivo não é a diversificação de bebidas que a Coca mergulhou-se nos últimos anos, com águas engarrafadas, sucos e energizantes, mas sim a velha e querida bebida cinza-preta, embora sem qualquer adição de açúcar (ou nenhuma caloria), a Coke Zero. Introduzida há dois anos, ela é resultado de uma fórmula secreta (também guardada no SunTrust Bank, em Atlanta, Georgia, sede da empresa) que combina vários adoçantes, mas sem aquele gosto que fica grudado na boca. A Coke Zero é a alegria dos diabéticos, dos gordinhos e das beldades que não querem ter os desconfortáveis quilinhos a mais e são fiéis ao sabor original da Coca, inventada em 1885 por John S. Pemberton para curar uma miríade de problemas de saúde, como indigestão, "fraqueza nervosa", dores-de-cabeça e até impotência, embora muita gente também use para desentupir pias ou abrilhantar espetáculos pirotécnicos, como o show de fontes luminosas visto no programa de David Letterman, o Jô Soares magro daqui. Desde que foi lançada a nova bebida já vendeu mais de 100 milhões de caixas (caixa de 24 garrafas é a referência deste setor). Embora a Zero tenha conquistado apenas uma fração do mercado da velha Coca, está sendo considerada pela empresa como "o lançamento de maior sucesso de qualquer marca nos últimos 20 anos". Até para os brasileiros que querem investir em ações nos Estados Unidos (sites como o www.etrade.com estão aceitando investimentos de estrangeiros), a ação da Coca tem futuro. Analistas da Reuters, Standard & Poor's, Rochdale e Sabriet não só recomendam segurá-las agora, mas consideram que seu preço ainda está abaixo do que ela virá a valer. A Coca, que tem US$ 2,3 bilhões em ações nas mãos dos investidores, ressurgiu das cinzas esta semana quando E. Neville Isdell, atual chairman e CEO, revelou os números do primeiro trimestre do ano: um aumento de 14% no rendimento líquido, superando as expectativas de Wall Street pelo décimo-sexto período consecutivo. A exemplo de outras empresas norte-americanas, a estratégia vencedora de Neville tem endereço certo: o mercado externo. Países como China, Rússia, África do Sul, Nigéria e Europa Oriental estão bebendo mais Coca-Coca, enquanto as vendas da Coke Zero estão estourando na França, Holanda, Argentina, Irlanda e, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos. Aqui, segundo quem acompanha de perto a indústria, as vendas não estão lá estas coisas porque os baby boomers, gente que nasceu depois da Segunda Grande Guerra, estão ficando velhos e optando, ou precisando mesmo, de bebidas mais saudáveis, que não desçam pelo esôfago e caiam como uma bomba no estômago. Em uma conferência on-line para investidores, a gigante de Atlanta, que detém marcas como Sprite, Minute Maid e Dasani, reportou lucros de US$ 1,26 bilhão, ou 54 centavos de dólar por ação. A reação da Coca passa também pelo aumento de sua participação no mercado com o lançamento da Diet Coke Plus, com vitaminas e minerais. Segundo chefe de Operações, Muhtar Kent, a empresa também espera aumentar as vendas de bebidas com base em frutas, chás e cafés depois de ter comprado a Fuze Beverage. A Coca equipara-se à bandeira americana porque é o símbolo da influência dos Estados Unidos nos rincões mais distantes do universo. Pode ser bebida no Himalaia ou na Sibéria, na Terra do Fogo ou nas Ilhas Fiji - invariavelmente com o mesmo e desbotado sabor. É também a melhor representação da capacidade do país de se reinventar e manter a hegemonia de seus produtos em todo o mundo.