segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A espiã traída pela Casa Branca

Depois de tomar café com os filhos, na manhã de 14 de julho de 2003 num subúrbio de Washington, a agente da CIA Valerie Plame Wilson lia o Washington Post quando levou o maior susto da sua vida. Um dos mais famosos colunistas da capital americana, o conservador Robert Novak, revelava que a espiã, há 18 anos trabalhando na agência, era a mulher do ex-embaixador Joseph C. Wilson IV.
Wilson, ex-diplomata com cara de galã, tinha chegado da África e revelado no New York Times que o enriquecimento de urânio em Níger para servir aos propósitos bélicos do ditador do Iraque, Saddam Hussein - principal razão alegada por George Bush para invadir o país - não passava de lorota.
Revelar a identidade de um agente secreto, segundo a lei americana, é crime que prevê multa de US$ 50 mil e 10 anos de cadeia. A agente deduziu que, a partir dali, seus filhos, seu marido e a sua rede de relações estavam em perigo. Tornavam-se alvos da Al Qaeda e de Osama bin Laden.
Até domingo passado, cinco anos depois, Valerie - uma loira estonteante nascida no Alasca em 1963 que poderia ser a versão feminina do 007 James Bond, filha e irmã de militares - foi obrigada, por força do cargo, a ficar calada. Qualquer manifestação poderia aguçar a ira da própria CIA.
A agente secreta, treinada para ser submetida a interrogatórios com torturas físicas e psicológicas, escolheu Katie Couric, do 60 Minutes, da CBS, para botar a boca no trombone. Mas o que se esperava ser uma cartada para desmascarar Bush virou blefe, conversa de madames em rede nacional.
Ela acabou de lançar sua biografia, Jogo justo - Minha vida como espiã, traída pela Casa Branca (Simon & Shuster), numa alusão ao ex-assessor político de Bush, Karl Rove, que considerou a revelação de sua identidade um jogo justo de retaliação contra seu marido.
Metade do livro foi rabiscada pelos seus ex-chefes, a pretexto de proteger a segurança nacional. E, assim, pela primeira vez na história, um livro de US$ 26 dólares foi publicado pela metade, o que gerou uma ação judicial contra a CIA. Numa entrevista do tipo "de mulher para mulher", Valerie revelou o que é ter uma vida tranqüila - mesmo como agente, trabalhava só meio expediente para cuidar dos filhos - e ser devassada para justificar uma guerra que ceifou a vida de 4 mil americanos e provocou gastos de quase US$ 1 trilhão.
A revelação da identidade de Valerie gerou pressões do Poder Judiciário, que quis saber de onde saiu a informação publicada nos jornais, traindo um preceito em voga desde que a imprensa existe: o direito de não revelar as fontes.
Robert Novak, que deu o furo no Washington Post, fez acordo com a Justiça e livrou-se da cadeia para não ter que revelar quem falou. Judith Miller, do NYT, passou 85 dias no xadrez por se recusar a fazer o mesmo. Os patrões dos jornalistas gastaram pelo menos US$ 5 milhões com advogados.
A exemplo do Watergate, revelou-se que a fonte da informação era a Casa Branca, do gabinete do vice-presidente Dick Cheney. Para proteger a instituição da Presidência, o assessor I.ewis "Scooter" Libby, pagou o pato.
Foi condenado a multa de US$ 250 mil e 30 meses de prisão, comutada pelo presidente Bush, em julho deste ano. Valerie, que se mudou para o Novo México, aposentou-se da CIA e hoje vive para o marido - que se tornou consultor internacional - e os filhos.
A maior vítima foi a verdade. Como não foi comprovado que Sadam tinha armas de destruição em massa em seu quintal, ou qualquer relação com o Al Qaeda, Bush e Cheney estão devendo explicação para a guerra, mais longa que a Segunda Guerra Mundial, e no meio de facções que duelam há séculos.

Brasil, atrção na terra de Clinton e Sam Walton

Distante, despovoado e empoeirado dos filmes de cowboy, o Estado de Arkansas, ao sul do rio Mississipi, no coração do chamado cinturão bíblico dos Estados Unidos, sempre foi conhecido como o reino dos frangos, porcos e bois por ser, há muitos anos, o maior fabricante de proteína animal no mundo.
Há um pouco mais duas décadas, no entanto, o Estado ganhou celebridade por abrigar a maior empresa mundial, o Wal Mart, criado por Sam Walton, de Bentonwille, e William Jefferson "Bill" Clinton, o 42º presidente norte-americano, da cidade de Hope. Clinton está tão onipresente no Arkansas quanto sua mulher, Hillary, está na liderança das pesquisas de opinião para a sucessão de George W. Bush.
O que pouca gente sabe é que o Brasil é a maior estrela no radar de negócios do Arkansas. Sentado em bilhões de dólares dos Rockfeller, que se mudaram para cá no século passado, ou na riqueza trazida por empresas como a Tyson Foods, processadora de carnes, ou da transportadora de caminhões J. B. Hunt, ambas gigantes globais, governo, universidade e a iniciativa privada se uniram para conquistar o Brasil.
Por quê? A primeira resposta é o etanol, mas a partir daí as possibilidades são infindáveis. “Por sermos uns dos estados mais centrais dos Estados Unidos, termos um eficiente sistema de transporte e estarmos próximos aos portos de Houston, no Texas, e Nova Orleans, na Louisiana, nos consideramos candidatos naturais para receber e distribuir o notável combustível brasileiro”, diz John Kadyszewski, da Winrock International, uma fundação mantida pelos Rockfeller e sediada no Estado.
Aqui vão algumas oportunidades para as empresas brasileiras no Arkansas (pronuncia-se arcanssá, com o “r” bem puxado, e significa na linguagem indígena “povo do rio abaixo”):
- Aeronáutica – O estado tem fábricas da francesa Dassault Falcon Jet e das americanas Lockheed Martin e Raytheon. A ênfase é na finalização da produção de aviões. Para quem produz ou transforma peças para a indústria aeroespacial, como o cluster de São José dos Campos ao redor da brasileira Embraer, é uma excelente oportunidade para diversificar o portfólio de clientes.
- Logística – Com 100 aeroportos, 26 ferrovias e recentes investimentos de US$ 1 bilhão em suas estradas, Arkansas não só tem as duas maiores empresas transportadoras do mundo, como a J. B. Hunt, mas também 2,4 mil quilômetros de rios que levam aos principais portos norte-americanos. Para o pessoal de logística no Brasil, um lugar na metade do caminho entre o México e o Canadá, ou entre as Carolinas e a Califórnia, é um paraíso ainda a ser explorado.
- Educação - Energizada como doações de bilhões de dólares dos acionistas da Wal Mart e da Tyson Foods, a Universidade do Arkansas é líder em setores tão díspares quanto realidade virtual e nanotecnologia. Com anuidades que não passam de US$ 5 mil dólares, ínfimas se comparadas a outras instituições norte-americanas, a instituição quer atrair suas congêneres brasileiras com programas de intercâmbio de estudantes e professores. Uma das grandes atrações da Universidade é o Clinton School of Public Service, que oferece MBA para líderes que queiram fazer o bem.
- Wal Mart – A maior empresa do mundo, com 1,9 de funcionários, vendas de US$ 349 bilhões e presente em 14 países, é um país em si. Tornar-se fornecedor do Wal Mart, embora tenha de se passar pelo calvário das negociações ditadas pelo mantra “economizando para os clientes, e assim melhorando suas vidas”, é um passaporte para o sucesso. Só nos arredores de Bentonville, cerca de 12.500 fornecedores disputam os espaços para ficar mais perto da maior compradora de produtos do mundo.
- Biotecnologia – Criada por incubar empresas de biotecnologia com o dinheiro das patentes científicas, a Bioventures já tem no currículo sucessos das descobertas no tratamento do mieloma (câncer no plasma sanguíneo), prolongamento da vida de pacientes com câncer, recuperação de tecidos e outras maravilhas da genética. Já criou 19 empresas e detém hoje 165 patentes.
“O Brasil é candidato natural a ser um dos nossos grandes parceiros”, diz W. Dan Hendrix, CEO do World Trade Center de Arkansas, o centro de uma máquina unida, abastada e eficiente que trabalha 24 horas por dia, sete dias por semana, para atrair investimentos e outros negócios para o Estado. Hendrix é também um fundraiser profissional. Já conseguiu um bilhão de dólares para a Universidade do Arkansas.