segunda-feira, 9 de junho de 2008

ESTADOS UNIDOS: SEGUNDA DIVISÃO?

Seattle – Embasbacados com um cheque de US$ 1.200,00 do presidente George W. Bush para qualquer habitante que pague impostos, a fim de soerguer a economia, os americanos assistem ao jornalista Fareed Zakaria, da Newsweek, anunciar que os Estados Unidos deixarão de ser potência hegemônica mais cedo que se pensa. Em seu novo livro, The Post American World, Zakaria, indiano nascido em Mumbai e que também faz sucesso na CNN como comentarista internacional, avisa que o país não está em declínio – o problema é que pelo menos outros 25 países, entre eles o Brasil, estão crescendo absurdamente.

            Com seu PIB de US$ 14 trilhões, quase a metade de todo o mundo, os Estados Unidos reinam num mundo sem competidores há pelo menos duas décadas, desde que o Muro de Berlim caiu e não deixou saudade. Agora, “isolado por dois oceanos e dois vizinhos benignos”, como diz Zakaria, está levando um susto ao perceber que a maior empresa do mundo com ações em bolsa está na China, que o homem mais rico está no México, o maior edifício em Dubai, a maior indústria cinematográfica na Índia e o maior cassino em Macau. Sem concorrência, “ficamos gordos e preguiçosos, envolvidos por um sistema político “desfuncional”, polarizado, que não honra compromissos e que está deixando sem educação pelo menos um terço do país”, diz ele.

            Como bom imigrante (quem está aqui não quer sair), Zakaria, numa entrevista à TV pública norte-americana, a PBS, não deixa dúvidas quanto ao poderio dos Estados Unidos. “Somos o primeiro país universal da história, uma conjunção de imigrantes que faz uma economia inovadora, flexível e dinâmica, mas estamos entrando numa era em que vamos ter de aprender a cooperar com outros povos e países – aí está o nosso futuro”, diz ele. Este “crescimento do resto”, como ele se refere ao desenvolvimento de países como China, Índia, Brasil, Rússia e outros, é “a grande história do nosso tempo, é aquela que vai redefinir o Planeta”, acrescenta.

            Num artigo na Newsweek, Zakaria lembra que o pânico no sistema financeiro, a recessão econômica, a guerra sem fim no Iraque e a ameaça do terrorismo, entremeados por aumento do desemprego e a crise das hipotecas - estão levando o país do otimismo a ficar pessimista. Em Abril, diz ele, uma nova pesquisa revelou que 81 por cento dos americanos acreditam que o país está no caminho errado, a resposta mais negativa em 25 anos em que a pesquisa é feita.

“Mas isto não explica a presente atmosfera de fraqueza”, explica. Esta ansiedade tem razões mais profundas, continua. “É um sentimento de que grandes e descomunais forças estão correndo pelo mundo”. Em quase todas as indústrias, em todos os aspectos da vida, os padrões estão sendo mudados, misturados, remexidos. “E, pela primeira vez na memória recente, os Estados Unidos não estão liderando a mudança. Os americanos vêem que este novo mundo está surgindo, mas têm medo que ele seja moldado numa terra distante e por povos estrangeiros”.

COLABORAR É VIVER

Estamos fazendo um documentário para a TV Ideal sobre colaboração. A idéia inicial nasceu de um papo com meu colega Juliano Spyer, mestre na área. Lemos alguns livros, como Collaboration 2.0 e Groundsweel, entrevistamos gente, mergulhamos em websites sobre colaboraçao e... ficamos encantados com o tema. A colaboração hoje é um mercado de 40 bilhoes de dólares anuais e cresce 12% ao ano nos Estados Unidos, especialmente na Costa Oeste, berço ou altar da inovaçao norte-americana. Maiores exemplos: Wikipedia, Craiglist, Prosper.com. Mas é interessante como a colaboração está fazendo as empresas ganhar dinheiro. Procter & Gamble, Google, Dell.. tem muita gente faturando com a colaboração de clientes, funcionários, provedores... nunca o termo colaboradores foi tão bem empregado, ao invés de ser um eufemismo para esconder a velha relação entre patrão e empregado que é simplesmente ..... antiga.

SHOW DE BOLA NOS GRINGOS

Seattle – Brasileiro, aqui nas proximidades do Pólo Norte, é que nem Deus. Todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê. Semana passada, quando o escrete passou na cidade para derrotar o Canadá, deu Brasil em tudo quanto é canto. Calculava-se cerca de sete mil brazucas em Seattle, mas praticamente todo o estádio Qwest Field, que recebeu 47 mil pagantes, era de pedros e marias, josés e aparecidas, uma onda verde amarela que Seattle jamais vai esquecer.

            O domingo, como sempre, estava frio e chuvoso (aqui é a cidade que mais chove nos Estados Unidos, e talvez na Via Láctea toda), mas desde o meio-dia começou a brotar no centro da cidade gente bonita, queimada de sol e com pouca roupa. Depois de cerveja e caipirinha, temperadas com músicos brasileiros locais (sim, eles existem), a seleção entrou em campo e aí foi uma zorra total. Exaltados, brasileiros chegarem a ser presos e liberados em seguida. No aquário dos jornalistas, lúgrube e infeliz, choveram lamentos sobre o “espetáculo deplorável de futebol estilo Dunga” que estávamos vendo.

            Nas arquibancadas era só festa. É difícil presenciar aqui gente que tem controle de bola, dribla com ginga e dá espetáculo para quem pagou cerca de 100 dólares por um ingresso. No gargarejo, dava para ouvir Robinho, o maior astro, emitir grunhidos para pedir a bola e marcar gols. É o velho ditado que só quem cresceu jogando pelada conhece (e às vezes cumpre): “Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Ele enfiava as bolas na rede, mandava beijos para a torcida e assim caminhava a humanidade.

            Trocando de lugares durante o jogo, junto aos jornalistas ou no meio da galera, dava para ver porque, muitas vezes, a mídia se distancia da realidade. O Brasil teria podido entrar em campo com um bando pernas de pau, brucutus, chacretes ou coisas do tipo. Entrou com um timão milionário, unido, sincronizado, brincalhão, fazendo bicicletas, folhas-secas e outras mágicas brasilianas. Por mais que os jornalistas tenham descido o porrete, o time jogou bem, ganhou a partida e fez a alegria da “sofrida torcida brasileira nos Estados Unidos”, como lembrou Dunga (ou era o Tristonho?) na entrevista.

            Sofrida mesmo. Boa parte da população brasileira em Seattle é ilegal. A maioria veio de Goiás, um estado que liga Brasília a Minas Gerais. Reinam numa atividade que rende em média 16 mil dólares por casa para as empresas que os contratam: trocar telhados. É um emprego arriscado. Como chove muito, estão sempre despencando lá de cima. Se caírem, têm de ir para o Hospital, passar pelos canais burocráticos e cair nas garras da imigração. Se pegos, passam de um a dois meses na cadeia e depois são deportados para o Brasil. “Não dá nem para pegar a escova de dente em casa”, diz um deles.

            Brasileiros, como outros imigrantes, são a chave do sucesso norte-americano. Pagando salários mais baixos, os gringos conseguem índices de produtividade maiores, mantêm a economia funcionando. São pedreiros, carpinteiros, pintores e telhadistas que estavam na torcida. Gente humilde, que troca o almoço pela janta, dorme em barracões das empresas, trabalha sete dias por semana, sofre com a desvalorização do dólar e sonha com uma vida melhor. No domingo de chuva, nunca tivemos tanto orgulho do Brasil. Que terra, que gente boa, e que saudade.

RECEITA PARA ADVOGADOS: COMO CONVENCER OS JUÍZES

 Seattle – Acaba de sair aqui o festejado livro do Antonin Gregory Scalia, o falcão da Suprema Corte norte-americana que, escolhido por Ronald Reagan, tornou-se o pavor dos advogados americanos antes, durante e até depois dos julgamentos. Em Making Your Case, The Art of Persuading Judges, Scalia, um ítalo-americano nascido em Nova Jersey, debulha em 115 pequenas lições a arte de dobrar os juízes a favor dos clientes, de forma que eles se sintam fiéis da balança, fiéis ao chamado espírito da lei e, mais importante, fiéis de que jamais contraditados no futuro.

            Mesmo para nós, eventuais réus, o livro é uma delícia, porque força os rábulas que invadem o mundo, em torno de 950 mil só nos Estados Unidos, a fazerem o dever de casa. Antes de disparar lições com uma surpreendente capacidade de síntese, Scalia adverte que juízes só podem ser persuadidos se (1) eles têm uma idéia clara do que os advogados estão pedindo para a Corte fazer, (2) se eles têm certeza de que a Corte tem o poder de fazer o que eles estão pedindo, para, então, (3) ouvidas todas as razões (inclusive da parte contrária), concluírem que o que você está pedindo é o melhor – não só no seu caso como nos casos que virão.

            Scalia divide juízes entre textualistas, como ele, que apenas se atêm ao que está escrito nos códigos, e aqueles que querem fazer história, ou seja, aqueles que julgam prestando atenção no desdobramento de suas decisões. “Para mostrar as razões que vão persuadir os juízes a decidir ao seu favor”, no entanto, o advogado fundamentalmente “precisa saber o que motiva a Corte, e isto nem sempre é fácil de discernir”.  Quanto mais completa a pesquisa sobre os precedentes, mais chances o advogado tem de ganhar a causa. A lógica é clara: se no passado o juiz decidiu assim, é claro que agora ele vai decidir assim.

            Diz o adágio que juiz não fala, decide. Scalia, casado há 48 anos e com nove filhos, adora falar. Recentemente, ocupou metade do 60 Minutes, o Fantástico americano. Para se ter uma idéia da sua personalidade, basta dizer que ele acha tortura perfeitamente aceitável nos interrogatórios. Mesmo na extrema da extrema direita, posição política muito comum entre imigrantes ou filhos de imigrantes, o juiz surpreende ao revelar o que, na visão dele, conquista os magistrados. “Simpatia, caráter e competência são bastante admirados pelos juízes, pois a tendência humana é a de ser mais receptivo à pessoa em que se confia e se gosta”, diz Scalia. “Todos nós somos mais aptos a ser persuadidos por alguém que nós admiramos do que por alguém que detestamos”.

Diante do Juiz, conclui, o objetivo de qualquer argumento é mostrar você mesmo digno de confiança e afeição. “A confiança acaba quando o advogado dissimula ou induz falsa informação- não só intencionalmente como, o que é pior, sem cuidado”. Ou mesmo “descaracterizar o precedente para que ele se ajuste ao caso em questão, construindo argumentos que convenceriam apenas os estúpidos ou mal informados.”.

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Não deixem de assistir ao premiado documentário sobre o ex-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz, Jimmy Carter. The Man from Plains está para entrar para história como um dos  melhores documentários de todos os tempos. http://www.sonyclassics.com/jimmycartermanfromplains/main.html

*Dirige a The Information Company nos Estados Unidos (pedro@theinformationcompany.net)