sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Gordon Gekko, ou a ganância não é pecado


Seattle - Agora que já foram derretidos mais de 8 trilhões de dólares para salvar os Estados Unidos, Hollywood prepara uma nova versão de Wall Street, o filme de Oliver Stone sobre um corretor chamado Gordon Gekko, interpretado por Michael Douglas, que numa certa altura do drama diz: "Ganância, na falta de uma palavra melhor, é uma coisa boa". Ninguém jamais imaginaria que o filme, pessimamente recebido pela crítica, tornaria-se um dos mais cultuados de todos os tempos, mesmo 21 anos depois de fazer sucesso nos cinemas e arrecadar mais de US$ 45 milhões.

Michael Douglas, que ganhou um Oscar por sua atuação, nunca mais conseguiu se separar do irascível e perverso player que representou, um homem sem coração, que seria capaz de pisar no pescoço da própria mãe para fazer um bom negócio. Até hoje, quando entra num pub em Nova York, como revelou recentemente ao Los Angeles Times, vem um engravatado com gel no cabelo e um dry martini na mão que lhe diz: "Ei Gekko, você é o cara...".

Muita gente queria ser Gordon Gekko na década de 80. O princípio era simples: acorde cedo, durma tarde, trabalhe duro (e bota duro nisto), coma um sanduíche no almoço e jante no Fasano, use ternos bem cortados, de preferência com gravatas berrantes e suspensórios. Por detrás deste figurino, a máxima: jamais aja com o coração, custe o que custar. Olho nos números, nada mais que números, e trate gente como máquina. Ou melhor, como coelho. Uma cenoura na frente, e uma paulada atrás.

Pois bem. Aqui e aí, este pessoal vem brincando à vontade deste então, ganhando milhões de dólares, quando o mercado sobe ou desce -, enviando-os para paraísos fiscais, comprando Ferraris e desdenhando do que eles chama aqui de Main Street, a economia real. Desde lá, são considerados intocáveis. Se vem alguém querendo regular os mercados, ou querendo limitar seus ganhos, surge um monte de consultores e especialistas fazendo apologia da liberdade de mercado. E a imprensa vai atrás.

Estes mesmos Gordons Gekkos da vida estão os responsáveis pelo Armagedon financeiro que se abateu sobre o mundo recentemente. Infelizmente, não há nada a fazer contra eles no sistema capitalista. Do mesmo jeito que destruíram a vida de milhões de famílias ao redor do mundo, implodindo ou postergando sonhos de gerações, eles vêm criando riqueza - e empregos - ao redor do mundo desde a década de 80. "Eu não sou devastador de empresas. Sou um libertador", dizia ele.

Ou seja, qualquer regulamentação, como querem alguns, reduziria a capacidade deste pessoal de também agir para o bem - investindo em empresas, emprestando recursos para girar a economia, empregando gente. O melhor, agora, é esperar que o próprio capitalismo, o pior sistema que existe (porque não inventaram coisa melhor) se ajuste, os agentes do mercado voltem a ter confiança entre si e o mundo continue a rodar.

Quanto a Gordon Gekko, os produtores ainda não sabem como ele voltará às telas, duas décadas depois. Estará ainda na prisão? Será mais condescendente com o mundo? A arrogância vai acabar com ele novamente? Sua segunda melhor frase vai ficar na história: "trabalho duro não para viajar de primeira classe, mas sim para ter o meu próprio jatinho".