sexta-feira, 31 de outubro de 2014

AS MÃOS INVISÍVEIS


As mãos invisíveis

Por Pedro Augusto Leite Costa | Para o Valor, de Seattle

Incomodado com a quantidade de dinheiro despejado nas eleições brasileiras? Bem-vindo aos Estados Unidos da América. Aqui, frustrados com o blá-blá-blá inerente à democracia, bilionários estão fazendo justiça - ou o que pensam que é certo - com o próprio bolso. Desde 2010, quando a Suprema Corte liberou doações anônimas ilimitadas para candidatos ou causas, gente como os irmãos Koch, do Kansas, estão despejando bilhões de dólares para o bem ou para o mal, tentando reduzir o tamanho do governo, "de forma que ele caiba numa privada", como defende o ativista anti-impostos Grover Norquist, ou lutando pelo direito dos gays ao casamento, causa financiada pelo dono da Amazon, Jeff Bezos, ou pressionando para que o copo de Coca-Cola fique menor, como quer o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.
Os 492 bilionários americanos, com fortuna conjunta de US$ 2 trilhões, 100% mais do que há dez anos, estão ativos como nunca. Tom Steyer, um deles, garante que, do alto do sucesso, enxergam deficiências dos mercados (inclusive o político) e, por que pagam milhões de dólares em impostos, estão habilitados a ter mais representatividade na democracia. O best-seller "Billionaires - Reflections of the Upper Crust", do pesquisador Darrel M. West, da Brookings Institution, dá um mergulho no universo de quem não tem onde mais gastar dinheiro. Noventa e nove porcento deles votam, 84% fazem doações para candidatos, 68% contribuem para causas sociais e dois terços financiam causas republicanas ou pró-mercado.
E estão se multiplicando a um ritmo que parece sempre mais acelerado, tanto aqui como no mundo. Formam, atualmente, um time de quase 1,7 mil indivíduos (veja quadro na próxima página). Em 12 países, como a Ucrânia, são candidatos a presidente. Se continuar a festa, interesses bons ou ruins mudarão a vida do povo, aqui chamado de 99%.
Nem sempre os bilionários têm sucesso quando se metem em política. Demonizado por boa parte deles, Barack Obama foi reeleito em 2012. A reforma do sistema de saúde, vista como de natureza socialista pela direita americana, está caindo nas graças da população. A defesa do meio ambiente, como a barreira à construção do oleoduto do Canadá ao Golfo do México, está funcionando. Washington e Colorado liberalizaram a maconha, enquanto o casamento gay, que, segundo os radicais, pode destruir a humanidade, foi oficializado em vários Estados.
Essa desgulamentarização do processo político tem idas e vindas. Depois de Watergate, na década de 70, foram criados diversos mecanismos para conter a influência do poder econômico, mas, com o tempo, as coisas foram se afrouxando.
Com abastados democratas e republicanos batendo de frente, a radicalização do processo político foi às alturas, afastando principalmente os jovens. O Congresso só trabalhou oito dias desde julho e perde-se na discussão de infindáveis obsessões, como o terno marrom-claro que o presidente Obama usou recentemente em uma entrevista coletiva.
"Se continuarmos na trajetória de muito dinheiro e grande sigilo, as pessoas vão continuar a ser cínicas sobre política", diz West
O presidente reclama que, por causa disso, não consegue nomear ninguém para trabalhar no governo, pois depende da aprovação da Câmara dos Deputados, nas mãos do Partido Republicano. Também precisa se curvar anualmente aos congressistas para aumentar o teto da dívida de US$ 17 trilhões. Deixar o governo à míngua é a estratégia para diminuir sua influência, mas, como diz o ditado aqui, "você odeia o governo até precisar dele".
Para solucionar esse problema, West sugere limites de contribuição (que, oficialmente, pularam de US$ 5,8 milhões para US$ 310 milhões na última eleição, somente aquelas com dedução fiscal), transparência nas doações, governabilidade no processo e, mais ainda, oportunidade para todos, por meio da melhora da educação.
A seguir, os principais trechos de entrevista com West, vice-presidente e diretor do Center for Technology Innovation da Brookings Institution.
Valor: Qual é o problema com os bilionários?
Darrel M. West: O problema é a combinação de concentração de riqueza, ativismo político e sigilo. Os Estados Unidos voltaram a uma era pré-Watergate, do "big money" e sigilo excessivo, o que sempre cria problemas para as democracias.
Valor: O senhor acha que bilionários deveriam ser proibidos de participar da política e do lobby em geral, ou mesmo terem suas ações limitadas?
West: Não devemos restringir a participação de bilionários na política, mas devemos insistir em maior transparência. É importante para as pessoas comuns saber quem está financiando esforços de mudanças de políticas públicas, pois o mensageiro é tão importante quanto a mensagem no discurso político.
Valor: Qual é a diferença dos chamados bilionários maus e bons na influência do processo eleitoral?
West: Estamos vendo o ativismo político considerável de bilionários liberais, conservadores e libertários. Muitos tentam influenciar as eleições e garantir que suas questões particulares sejam resolvidas. Um lado não é pior que o outro. Há motivos de preocupação em todo o espectro político.
Valor: O financiamento de campanha é um problema em todos os lugares, mesmo com transparência, governança e educação. Se as pessoas normais sabem que os irmãos Koch estão atrás de algum candidato, eles vão necessariamente mudar sua opinião?
West: O mensageiro é de suma importância para os eleitores. Pessoas avaliam a fonte de informação, e isso afeta a forma como julgam o material que lhes é apresentado. Alguns eleitores liberais vão reagir negativamente se acharem que os irmãos Koch estão financiando determinadas causas, enquanto alguns eleitores conservadores vão se sentir da mesma forma sobre os candidatos apoiados por George Soros ou outros bilionários liberais.
Valor: Por que bilionários compram jornais tradicionais, mesmo sabendo que não têm a mesma influência política que costumavam ter e estão com problemas financeiros?
West: Bilionários estão comprando jornais porque pensam que isso os ajuda a influenciar o debate público. Rupert Murdoch tem o "The Wall Street Journal" e a Fox News. Michael Bloomberg adquiriu a "BusinessWeek". E Jeff Bezos comprou o "Washington Post".
Valor: Se o senhor tivesse apenas uma oportunidade, o que mudaria no processo político para devolver o poder às pessoas comuns?
West: A melhor mudança seria instituir maior divulgação sobre dinheiro e política. As pessoas precisam saber quem está por trás de candidatos e causas. Isso faz uma grande diferença para o eleitor médio.
Valor: Se não fizermos nada para melhorar o processo político, o que vai acontecer com a democracia?
West: Se continuarmos na trajetória de muito dinheiro e grande sigilo, que são tóxicos para os sistemas democráticos, as pessoas vão continuar a ser cínicas sobre política. Hoje em dia, acredito que a maioria dos benefícios estão indo para grandes jogadores.
“Billionaires - Reflections of the Upper Crust”
De Darrel M. West. Brookings Institution Press, 269 págs, US$ 19,93

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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

CONTEÚDO QUE TRANSFORMA

Reproduzido do Valor Econômico, 19/9/2014

Por Pedro Augusto Leite Costa, de Seattle.

Ainda não é imprensa do povo, pelo povo ou para o povo, como o presidente americano Abraham Lincoln se referiu à democracia no discurso de Gettysburg, ante um país destroçado pela Guerra Civil. Ou nem tão radical quanto o mundo idealizado por Karl Marx, para quem a primeira liberdade de imprensa consiste em não ser uma indústria. Mas o “ProPublica”, jornal eletrônico sem fins lucrativos que dá poder (e dinheiro) a duas dúzias de repórteres, não só incomoda governos, corporações e lobistas, como também revigora a própria mídia.
Desde 2008, quando começou a operar em Nova York com uma dotação inicial de US$ 10 milhões da Sandler Foundation, já ganhou dezenas de prêmios, inclusive dois Pulitzers, fez os leitores se arrepiarem com as histórias do furacão Katrina, estancou a prática de corromper médicos com presentes na indústria farmacêutica e pôs gente na cadeia com revelações sobre Wall Street. Foram os primeiros prêmios dessa importância a ser dados a um jornal que, como se diz aqui, não corta árvores para informar pessoas. Recentemente, o “ProPublica” anunciou que chegou a 90 parcerias na imprensa tradicional, a começar pelo maior de todos os jornais, o “New York Times”.
Segredo do sucesso? “Dar poder aos repórteres para decidir quanto tempo [e outros recursos] será necessário para investigar uma boa história”, diz Stephen Engelberg, o editor-chefe que fez carreira como repórter investigativo do “Times” (veja entrevista na pág. 26). “Mas o fundamental é que os nossos parâmetros de sucesso não são medidos pela audiência ou pela lucratividade e, sim, pelas transformações na sociedade que ajudamos a promover por meio da informação”, ressalta.
A onda do chamado conteúdo transformador, ou consequente, como se dizia nos anos 70, longe das celebridades e outras aberrações, já atinge pelo menos 170 jornais sem fins lucrativos nos Estados Unidos, geralmente financiados por organizações que não querem deixar o jornalismo morrer: o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, a MacArthur Foundation, o Pew Research Center, a Ford Foundation e a Carnegie Corporation of New York, entre outras. “Não somos a solução para o futuro do jornalismo tradicional, que está sobre um tremendo estresse, mas apenas uma parte do que se tornará esse setor no futuro”, afirma Engelberg.
Explosão de negócios
Organizações sem fins lucrativos na mídia americana remontam a 1846, quando foi fundada uma das maiores agências de notícias do mundo, a Associated Press, hoje com 3 mil jornalistas e 243 escritórios em 96 países. Há também outros exemplos de sucesso, como um dos melhores jornais americanos, “The Christian Science Monitor” ou a revista “Consumer Reports”, a bíblia da defesa do consumidor, o jornal de esquerda “Mother Jones” ou a PBS ou a NPR, as emissoras públicas de TV e rádio dos Estados Unidos, que funcionam basicamente com as doações da audiência. Apesar de sucesso, o jornalismo filantrópico ainda representa apenas 1% do faturamento da mídia no país.
O que se discute agora, no entanto, é se esse formato acabará se tornando majoritário no jornalismo americano, em que a publicidade caiu 49% nos últimos cinco anos, o que motivou a demissão de boa parte dos quase 100 mil jornalistas que atuavam no país, segundo a Newspaper Association of America. Um levantamento do Pew Research Center analisou as finanças, o tráfego on-line e a audiência entre 18 jornais sem fins lucrativos e descobriu que o faturamento está aumentando, os modelos de negócio estão se diversificando e a audiência está começando a crescer.
A receita com a publicidade nos jornais americanos é apenas 46% do que era há sete anos (embora o faturamento on-line esteja aumentando exponencialmente, com ênfase em mobilidade), os 150 mil jornalistas americanos foram reduzidos a 53 mil – o menor nível desde 1978 – e, segundo o Pew, os jornais estão perdendo leitores não somente por causa das redes sociais, mas pela baixa qualidade. A publicidade é ainda a grande fonte de receita (69%), enquanto crescem os meios pagos pela própria audiência (24%) e os meios filantrópicos ou investimentos de capitalistas de risco (1%).
Mais de 15% dos adultos americanos hoje consultam mídia sociais para se informar sobre praticamente tudo. E, mais ainda, segundo o American Press Institute, 69% acessam notícias em celular ou tablet. Ou seja, a solução (até agora, pois pode ainda mudar) é misturar a geração de notícias, mídias sociais e mobilidade em uma só plataforma, como tenta o jornal “The New York Times” em seu novo serviço, o NYT Now. Como compara o articulista da revista “Wired” Frank Rose, os smartphones estão trazendo uma era dourada para o jornalismo. “Se você andasse de metrô em Nova York há alguns anos, veria que os passageiros competiam na arte de dobrar os jornais várias vezes, de forma que não incomodassem outros passageiros. O jornal ficava do tamanho de um tablet – é o que estamos vendo hoje com a leitura de notícias nos celulares.”
Como indústria, a produção de notícias nos Estados Unidos gera US$ 65 bilhões por ano, segundo uma pesquisa do Pew Research Center. O mesmo instituto chama a atenção para a escala: só o Google, que afetou boa parte indústria jornalística com o Google News, gera US$ 58 bilhões ao ano. O setor tecnológico hoje tem tanto dinheiro que praticamente está transformando o meio (tablets, celulares e games, por exemplo) em mensagem. Daí a explosão de negócios, como a compra do “Washington Post” pelo bilionário Jeff Bezos, da Amazon, ou dos investimentos de outro bilionário, Pierre Omidyar, fundador da Ebay, no First Look Media, ou ainda a compra do “News Republic” por um terceiro bilionário, Chris Hughes, cofundador do Facebook.
***
Os melhores serão os escolhidos
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com Stephen Engelberg, editor-chefe do “ProPublica”, jornal eletrônico sem fins lucrativos.
Qual é o segredo para ganhar tantos prêmios em tão poucos anos de vida?
Stephen Engelberg – Dar tempo, dinheiro e poder aos repórteres para decidir sobre os assuntos que querem investigar. Sabemos que boas reportagens exigem tempo de investigação, e isso pode demorar dias, meses ou anos. Um dos nossos Pulitzers foi ganho com a reportagem de Sheri Fink, que, também sendo médica com Ph.D., utilizou seus conhecimentos e contatos durante mais de um ano para investigar a história [“Escolhas mortais no Hospital Memorial”, sobre as decisões que muitos médicos tiveram que tomar sobre quem viveria ou não durante o furacão Katrina em 2009].
Qual é o salário dos seus jornalistas?
S.E. –Temos diferentes níveis, desde US$ 40 mil, US$ 50 mil por ano, até US$ 180 mil, US$ 190 mil para os profissionais mais experientes.
Como funciona o modelo de negócio?
S.E. –Basicamente, temos cerca de três mil doadores, que pagam desde US$ 5 até milhões de dólares anualmente. No início, recebemos US$ 10 milhões anuais da Sandler Foundation, mas agora estamos diminuindo essa dependência. Arrecadar dinheiro demanda muito tempo e muito esforço, mas o nosso sucesso ajuda nessa arrecadação. Temos também de tomar cuidado com as doações, pois não aceitamos que os doadores interfiram no nosso conteúdo. O certo é que gastamos US$ 0,85 do que recebemos naquilo que interessa: jornalismo de qualidade. Empresas tradicionais de mídia gastam somente US$ 0,15 em jornalismo.
O jornalismo do futuro será uma atividade sem fins lucrativos?
S.E. –Acho que estamos caminhando para um futuro no qual haverá uma mistura de jornalismo pago pela publicidade, e nesse ponto espero que o “The New York Times” continue fazendo o sucesso que sempre fez, e modelos como o nosso e ainda muitos outros. A competição é muito maior hoje do que quando comecei no jornalismo. E isso é ótimo. Vencerá quem tiver o melhor conteúdo.
Mas as redes sociais não estão matando o jornalismo?
S.E. –Veja o exemplo do Buzz Feed, que está fazendo um tremendo sucesso com a sua audiência on-line e está utilizando este dinheiro para investir em reportagens investigativas. Veja também o exemplo da Al-Jazeera, que está investindo milhões de dólares para conquistar a audiência americana. O futuro vai ser um pouco disso tudo, e isso é ótimo para a nossa democracia.
Como o senhor mede o sucesso do “ProPublica”?
S.E. –Sem dúvida não é pelo dinheiro que ganhamos ou pelo tamanho da nossa audiência, mas sim pelas mudanças que ajudamos a promover na sociedade. É o chamado jornalismo comprometido com as mudanças. No entanto, não fazemos campanhas, apenas reportagens. Temos leitores de todos os tipos, mas principalmente gente educada que exige maior nível de aprofundamento nas questões que levantamos.
Qual é a sua reportagem favorita no “ProPublica”?
S.E. –Não tenho favoritismo entre os filhos gerados aqui, mas tenho orgulho que muitos deles ajudaram a corrigir falhas no sistema americano de saúde, como nos casos de pagamentos das empresas farmacêuticas aos médicos ou na reportagem sobre os riscos associados ao remédio Tylenol.
Parte do sucesso de vocês se deve à intensa utilização de bancos de dados.
S.E. –Sim, utilizamos parte da nossa equipe para coletar dados que hoje em dia estão disponíveis na internet, mas pouca gente tem paciência de coletá-los e ordená-los em uma forma que seja palatável para o grande público.
Vocês estariam reinventando o jornalismo?
S.E. –Não temos a pretensão de reinventar o jornalismo, mas humildemente dizemos que, sem dúvida, somos parte dessa resposta.
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Pedro Augusto Leite Costa, para Valor Econômico, em Seattle

quinta-feira, 3 de abril de 2014

COMO O SEAHAWKS GANHOU O SUPER BOWL

Por Pedro Augusto Costa, de Seattle
Seattle - Quase um milhão de fãs, a maioria com o "12" no peito, ou o décimo-segundo jogador - festejaram a vitória do Seahawks no Super Bowl numa manhã gelada da cidade onde chove ou chuvisca, em média, 184 dias por ano. Nenhuma ocorrência policial foi registrada. A vitória de 43 a 8 sobre os Broncos, de Denver, foi resultado de uma rara combinação de tecnologia, meditação, a torcida mais barulhenta da história da NFL, a liga do futebol americano e, mais ainda, um estádio futurista em forma que concha que funcionou como uma fonte energética para os jogadores durante boa parte da temporada.
A cidade que popularizou o computador pessoal, o varejo eletrônico, os cafés de 4 dólares e a filantropia bombar a performance dos jogadores - como medidores de stress nos iPads ou de batimentos cardíacos nos iPhones. Foi também a terra em que se utilizou um artifício inusitado num esporte de brutamontes, alvo de escândalos de dopping, suicídios e corrupção: a meditação zen (não obrigatória), a yoga (obrigatória) a comida natural e local (não tem outra no centro de treinamento) e, porque não, o tradicional divã.
Pete Carroll, o californiano que liderou o time de Paul Allen, o co-fundador da Microsoft, reinventou o treinamento deste esporte depois que foi demitido do Patriots, quando presenciou ex-jogadores ficarem inutilizados pelo bate-cabeça dos jogos e, gota dágua da transformação, viu um jogador do Kansas matar a esposa no gramado e em seguida dar um tiro na cabeça.
Daí para frente, reavaliou seu espírito ultra competitivo, contratou psicólogos, nutricionistas e geeks para ajudá-lo a, segundo ele, "vencer de outras maneiras". Em poucos meses, a sede dos Seahawks às margens do Lago Washington, em Renton, cidade dormitório perto de Seattle, transformou-se num mosteiro, onde se comem preferencialmente vegetais, medita-se pelo menos meia hora por dia e, acima de tudo, escuta-se o que gente como o quarterback Russell Wilson, 1,80 e 96 quilos, tem a dizer sobre o relacionamento com a mulher, a educação dos filhos e até a saúde do cachorrinho.
A conclusão é que o mundo dos esportes está mudando, e com eles também os jogadores de futebol americano. O Seahawks, que hoje vale 1,1 bilhão de dólares, bem mais dos 196 bilhões que Alen investiu em 1996, sempre foi um time de importância inversamente proporcional ao tamanho de sua torcida, algo como o América mineiro ter um legião de fãs tão grande e apaixonada quanto à do Flamengo. A única saída seria fazer algo diferente, como entender o que se passa por dentro de jogadores alçados à fama repentinamente, muitos deles expelidos de lares violentos, sem a figura paterna, em bairros de cidades americanas onde, como se diz, filho chora e a mãe não escuta.
Máquina de dinheiro - O Seahawks está liderando a mudança no futebol americano porque o esporte, um jogo de estratégia de conquista de espaços, mesmo que ínfimos, está sob intensa pressão do público, inclusive de Barack Obama ("eu não deixaria meus filhos jogarem") diante dos repetidos casos de Encefalopatia Traumática Crônica.
Russell Wilson, Quarter Back
A CET, como é conhecida, é uma doença degerativa do cérebro advinda de constantes concussões, a mesma que ocorre com os jogadores de boxe, e que gera dificuldade de fala, falhas de memória e perda do controle motor. Muhammed Ali, o genial Cassius Clay, é o maior exemplo que acontece com o ser humano depois de levar infindáveis pancadas na cabeça.
Um acordo judicial para pagar indenização a ex-jogadores vítimas da "demência pugilistica", como a doença é conhecida, chegou a mais de 700 milhões de dólares, mas ao invés de extinguir ou mesmo reduzir a violência do esporte que gera quase 70 bilhões de dólares anuais (em média 30 dólares por cada fã dos 32 times), e 12,7 bilhões de contratos com a NBC, Fox e ESPN - os dirigentes tentam medidas mais humanas em relação ao centro do espetáculo, o jogador.
O objetivo é não tratar os jogadores como objetos, ou máquinas de touch downs, o gol do futebol norte-americano, e sim entendê-los para, entendendo-os, fazê-los visualizarem vitórias, disse o terapeuta familiar Jimmy Stwart à ESPN.
"Fazemos um trabalho imaginário sobre o princípio de sermos especiais" diz Mike Gervais, o psicólogo líder, sobre seu trabalho com Wilson, que sendo o quarterback é cabeça do time, o início de todas as jogadas, o que Gerson fazia em 1970. 'Falamos sobre viver o momento e, também, aumentar o caos através da prática - assim quando ele (Russell) entra em campo ele está mais relaxado".
Todos os jogadores do time - e são 91, um plantão de mais 105 milhões de dólares anuais - ouvem diariamente mantras como "acalmem suas mentes", "foquem sua atenção para o interior", ou "visualizem o sucesso", "faça seu trabalho melhor do que você sempre fez" etc. Algo bem diferente dos tempos onde técnicos como Bear Bryant bania os intervalos para o pessoal tomar água, Mike Rice atirava bolas de basquete na cabeça dos jogadores, Vince Lombardi gritava e ameaçava seus comandados ou Nick Saban conseguia reduzir a zero a estima dos jogadores na beira do gramado.
O futebol americano, tão complexo e estratégico quanto um jogo de xadrez, só existe nos Estados Unidos. Lembra o ambiente militar, com super-homens de capacete, ombreiras e malhas que realçam os músculos dos jogadores. É uma espécie de clube do Bolinha, um jogo de machos para machos, onde mulher não entra.

Nos jogos a bandeira americana é espalhada por todo o gramado por militares. Mostra-se sempre ao vivo na TV soldados que estão em alguma guerra, como no Afeganistão, o hino nacional é cantado por celebridades, com toda a audiência com a mão no coração, tornando-se um espetáculo de patriotismo assistido no Super Bowl por 112 milhões de fãs nos Estados Unidos, quase metade da população,  e cerca de 1 bilhão em todo mundo. Daí o anúncio de 30 segundos na TV ser o mais caro de todos: US$ 3,5 milhões por 30 segundos.