quinta-feira, 3 de abril de 2014

COMO O SEAHAWKS GANHOU O SUPER BOWL

Por Pedro Augusto Costa, de Seattle
Seattle - Quase um milhão de fãs, a maioria com o "12" no peito, ou o décimo-segundo jogador - festejaram a vitória do Seahawks no Super Bowl numa manhã gelada da cidade onde chove ou chuvisca, em média, 184 dias por ano. Nenhuma ocorrência policial foi registrada. A vitória de 43 a 8 sobre os Broncos, de Denver, foi resultado de uma rara combinação de tecnologia, meditação, a torcida mais barulhenta da história da NFL, a liga do futebol americano e, mais ainda, um estádio futurista em forma que concha que funcionou como uma fonte energética para os jogadores durante boa parte da temporada.
A cidade que popularizou o computador pessoal, o varejo eletrônico, os cafés de 4 dólares e a filantropia bombar a performance dos jogadores - como medidores de stress nos iPads ou de batimentos cardíacos nos iPhones. Foi também a terra em que se utilizou um artifício inusitado num esporte de brutamontes, alvo de escândalos de dopping, suicídios e corrupção: a meditação zen (não obrigatória), a yoga (obrigatória) a comida natural e local (não tem outra no centro de treinamento) e, porque não, o tradicional divã.
Pete Carroll, o californiano que liderou o time de Paul Allen, o co-fundador da Microsoft, reinventou o treinamento deste esporte depois que foi demitido do Patriots, quando presenciou ex-jogadores ficarem inutilizados pelo bate-cabeça dos jogos e, gota dágua da transformação, viu um jogador do Kansas matar a esposa no gramado e em seguida dar um tiro na cabeça.
Daí para frente, reavaliou seu espírito ultra competitivo, contratou psicólogos, nutricionistas e geeks para ajudá-lo a, segundo ele, "vencer de outras maneiras". Em poucos meses, a sede dos Seahawks às margens do Lago Washington, em Renton, cidade dormitório perto de Seattle, transformou-se num mosteiro, onde se comem preferencialmente vegetais, medita-se pelo menos meia hora por dia e, acima de tudo, escuta-se o que gente como o quarterback Russell Wilson, 1,80 e 96 quilos, tem a dizer sobre o relacionamento com a mulher, a educação dos filhos e até a saúde do cachorrinho.
A conclusão é que o mundo dos esportes está mudando, e com eles também os jogadores de futebol americano. O Seahawks, que hoje vale 1,1 bilhão de dólares, bem mais dos 196 bilhões que Alen investiu em 1996, sempre foi um time de importância inversamente proporcional ao tamanho de sua torcida, algo como o América mineiro ter um legião de fãs tão grande e apaixonada quanto à do Flamengo. A única saída seria fazer algo diferente, como entender o que se passa por dentro de jogadores alçados à fama repentinamente, muitos deles expelidos de lares violentos, sem a figura paterna, em bairros de cidades americanas onde, como se diz, filho chora e a mãe não escuta.
Máquina de dinheiro - O Seahawks está liderando a mudança no futebol americano porque o esporte, um jogo de estratégia de conquista de espaços, mesmo que ínfimos, está sob intensa pressão do público, inclusive de Barack Obama ("eu não deixaria meus filhos jogarem") diante dos repetidos casos de Encefalopatia Traumática Crônica.
Russell Wilson, Quarter Back
A CET, como é conhecida, é uma doença degerativa do cérebro advinda de constantes concussões, a mesma que ocorre com os jogadores de boxe, e que gera dificuldade de fala, falhas de memória e perda do controle motor. Muhammed Ali, o genial Cassius Clay, é o maior exemplo que acontece com o ser humano depois de levar infindáveis pancadas na cabeça.
Um acordo judicial para pagar indenização a ex-jogadores vítimas da "demência pugilistica", como a doença é conhecida, chegou a mais de 700 milhões de dólares, mas ao invés de extinguir ou mesmo reduzir a violência do esporte que gera quase 70 bilhões de dólares anuais (em média 30 dólares por cada fã dos 32 times), e 12,7 bilhões de contratos com a NBC, Fox e ESPN - os dirigentes tentam medidas mais humanas em relação ao centro do espetáculo, o jogador.
O objetivo é não tratar os jogadores como objetos, ou máquinas de touch downs, o gol do futebol norte-americano, e sim entendê-los para, entendendo-os, fazê-los visualizarem vitórias, disse o terapeuta familiar Jimmy Stwart à ESPN.
"Fazemos um trabalho imaginário sobre o princípio de sermos especiais" diz Mike Gervais, o psicólogo líder, sobre seu trabalho com Wilson, que sendo o quarterback é cabeça do time, o início de todas as jogadas, o que Gerson fazia em 1970. 'Falamos sobre viver o momento e, também, aumentar o caos através da prática - assim quando ele (Russell) entra em campo ele está mais relaxado".
Todos os jogadores do time - e são 91, um plantão de mais 105 milhões de dólares anuais - ouvem diariamente mantras como "acalmem suas mentes", "foquem sua atenção para o interior", ou "visualizem o sucesso", "faça seu trabalho melhor do que você sempre fez" etc. Algo bem diferente dos tempos onde técnicos como Bear Bryant bania os intervalos para o pessoal tomar água, Mike Rice atirava bolas de basquete na cabeça dos jogadores, Vince Lombardi gritava e ameaçava seus comandados ou Nick Saban conseguia reduzir a zero a estima dos jogadores na beira do gramado.
O futebol americano, tão complexo e estratégico quanto um jogo de xadrez, só existe nos Estados Unidos. Lembra o ambiente militar, com super-homens de capacete, ombreiras e malhas que realçam os músculos dos jogadores. É uma espécie de clube do Bolinha, um jogo de machos para machos, onde mulher não entra.

Nos jogos a bandeira americana é espalhada por todo o gramado por militares. Mostra-se sempre ao vivo na TV soldados que estão em alguma guerra, como no Afeganistão, o hino nacional é cantado por celebridades, com toda a audiência com a mão no coração, tornando-se um espetáculo de patriotismo assistido no Super Bowl por 112 milhões de fãs nos Estados Unidos, quase metade da população,  e cerca de 1 bilhão em todo mundo. Daí o anúncio de 30 segundos na TV ser o mais caro de todos: US$ 3,5 milhões por 30 segundos.