Muitos políticos roubam, deixam roubar ou fazem as duas coisas juntas porque, além da cara-de-pau, fazem parte de um jogo inventado na antiga Grécia, a democracia, no qual eram eleitos pelas idéias, não pelo dinheiro. Ainda não tinham nascido os outdoors, os santinhos ou a televisão. Exigir bons modos desta raça é hipocrisia. É como pedir à raposa comedimento no trato com as colegas do galinheiro. Como neste caso a raposa é quem faz a lei no galinheiro, é difícil que as regras sejam mudadas. Mas como ainda não descobriram um sistema melhor do que a democracia, como dizia Winston Churchill, aqui vai o exemplo do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. O empresário, que ficou rico com um sistema de informações com o seu sobrenome que hoje vale mais de US$ 20 bilhões, não precisa roubar, nem para si nem para seus asseclas — que também são bilionários. Não tem cabo eleitoral, empreiteira pagando contas, lobistas batendo a sua porta, agência de publicidade para lavar dinheiro ou dívidas de campanha. Pagou do próprio bolso ambas as campanhas, em 2001 e 2005. E, na semana passada, ao anunciar que vai deixar o Partido Republicano e se tornar independente, com vistas à sucessão presidencial ano que vem, aventou a possibilidade de abrir o bolso novamente: meio bilhão de dólares para chegar à Casa Branca. Fosse pobre ou classe média, Bloomberg teria que angariar correligionários, criar comitês, passar a mão na cabeça de gente importante e ficar à mercê de interesses muitas vezes não tão republicanos, como a direita religiosa, os banqueiros de Wall Street, o completo industrial-militar ou as celebridades de Hollywood. Ele não é bonito, não faz discursos eloqüentes e ninguém sabe o que se passa na sua cabeça. O empresário de 65 anos faz o que bem quer, mas, astuto, trata Nova York como uma empresa de 18,9 milhões de acionistas. Quem vota é sempre um cliente. Seu primeiro ato frente à Prefeitura foi criar um imenso mesão de corretora onde todos trabalham juntos - e rápido. Se você, por exemplo, viu um muro pichado na Quinta Avenida, ligue 311 e dentro de poucas horas o muro voltará a ficar branco. Depois de cinco anos e meio como prefeito, tem a aprovação de 70% dos habitantes. Nascido democrata, tornado republicado e agora independente, Bloomberg é o oposto da turma que está em Washington. É a favor do casamento gay, do direito ao aborto, do controle de armas e das pesquisas de célula-tronco, bandeiras de uma cidade que lança as tendências de todo o mundo. Também proibiu o fumo e gordura trans em todos os restaurantes. Herdou uma metrópole traumatizada — e com um rombo de US$ 6 bilhões — pelos ataques de 11 de setembro de 2001. Mesmo assim, fez o contrário do que todo mundo aconselha: aumentou os impostos, o que gerou mais US$ 3 bilhões anuais no caixa. Conseguiu dinheiro para seguir sua idéia fixa de tratar a cidade com uma marca e fixar, como meta, 50 milhões de visitantes/ano. Para tanto, julgou ser indispensável diminuir o crime, oferecer bom transporte público (ele vai de metrô trabalhar todos os dias) e manter a cidade limpa. E, também, contratar um diretor de Marketing com um orçamento de US$ 22 milhões anuais. O resultado está aí: a cidade recebeu 40 milhões de visitantes já no ano passado. Trabalhar com Bloomberg, que é fixado em metas (e cobranças diárias), mais se parece com o inferno em plena Terra, a exemplo de certas empresas da iniciativa privada. Como não tem rabo preso com ninguém, não precisou, nem precisa, contratar cabos eleitorais ou seus indicados. Só gente boa, selecionada a dedo e, de preferência, com MBA nas costas. O prefeito, que também tem um MBA por Haward, será lembrado, no entanto, pela mudança radical que operou no sistema de ensino da cidade. Combateu os sindicatos, proibiu celulares em sala de aula, pagou decentemente os professores e, em maio deste ano, anunciou que a taxa de graduação do nível médio chegou a 60%, a maior marca desde 1986. Bloomberg, que vem se tornando capa das revistas de negócios dos Estados Unidos por aplicar a Bíblia empresarial à prefeitura de Nova York, parece ser, como disse a Business Week, a mistura certa de gerenciamento, risco e habilidade política que pode definir um novo modelo de serviço público, inclusive em nível nacional - objetivo que o prefeito não assume em público. Mas que está bem perto da Casa Branca, isto está.