quinta-feira, 19 de março de 2009

A classe média chega ao paraíso

Além da Casa Branca, da Disneyworld e de Estátua da Liberdade, outro ponto que deve ser conhecido nos Estados Unidos é a rede de supermercados Costco, uma idéia inovadora que, aqui, está sendo chamada de porta do paraíso da classe média. Embora tenha sido também afetada pela crise, com "apenas" US$ 5 bilhões a menos em faturamento, a rede que tem sede em Seattle e se espalha por todo o país parece ter sido criada na medida certa para a dona de casa e, melhor ainda, é um modelo de sucesso para o empreendedor (ou para a empreendedora).
A primeira vista, o Costco é apenas um imenso barracão com produtos amontoados no chão, televisores de plasma de 200 dólares, roupas chinesas a preço de banana e banana a preço de chicletes. Depois da segunda ou terceira visita, você começa a tomar gosto pelo lugar - e descobre que ali é existe uma laboratório para paladares requintados e curiosos a procura de novidades. Com a crise, é um bom lugar para comer e beber de graça. Em cada esquina, por exemplo, há aposentados (de preferência imigrantes) oferecendo pedacinhos de tortelone feitos na hora, ou uma tostada francesa com queijo de cabra. Para a criançada, oferece-se pizza a US$ 1,50 e Coca Cola com direito a refil gratuito.
Com o tempo, descobre-se outra razão do sucesso: o fator surpresa. Embora jogados em prateleiras que lembram o Makro, no Brasil, os produtos são de excelente qualidade e sempre vêem em doses generosas com preços ainda mais generosos. E, o melhor, coisas que você jamais viu. Dez pedaços de frango em um só pacote por US$ 5, espinafre orgânico para abastecer uma casa por dois meses, caixas de vinho argentino a US$ 6 a garrafa, etc. Não é loja de pobre, mas de uma classe média americana cada vez mais esprimida pela não só pela crise, mas pelo fato de que a classe média vem sendo espremida em qualquer lugar.
Perguntei ao diretor comercial Jim Donald, numa visita a Issaquah, na região de Seattle, onde está a sede da empresa, porque o Costco não vai para o Brasil. "Temos que responder positivamente a 25 questões antes de chegar a qualquer país, mas não vamos para o Brasil simplesmente porque lá (aí) não existe uma classe média ligeiramente alta (não sabia que existia isto) que compra os nossos produtos", disse ele.
Fundado em 1983, o Costco conta hoje com 123 mil empregados e é a maior rede de atacado do mundo em volume de vendas. É o quarta maior varejista do país, e a única empresa do mundo que subiu de zero a US$ 3 bilhões de faturamento em apenas seis anos. Tem em sua carteira mais de 51 milhões de membros, representando 28,3 milhões de lares norte-americanos. Em 2007, faturou US$ 64,4 bilhões, com mais de US$ 1 bilhão em lucros. É a 29a maior empresa dos Estados Unidos, e também uma das mais adoradas.
O foco do Costco é vender produtos a preço baixo e em grande volume. Até aí nada demais. O supermercado, entretanto, não oferece centenas de marcas, e prefere vender a maioria dos produtos debaixo da sua marca própria, a Kirkland. O resultado, segundo os especialistas, é que o Costco economiza para o consumidor trabalhando com poucos fornecedores e investindo muito pouco no marketing. Aliás, como se diz aqui, o supermercado é o rei do chamado marketing de experiência. O Costco sabe que, se você for lá, vai voltar sempre.

O jeito é perguntar ao Google

Se o Google fosse uma fábrica de automóveis, não fabricaria carros. Deixaria que um bando de chineses fabricasse veículos simples, elétricos, eficientes, fáceis de dirigir, disponíveis em qualquer lugar e.... de graça. O GoogleMobile seria o resultado da colaboração de milhões de internautas, que poderiam sugerir qualquer acessório, como um plug para Ipod ou Blackberry, e rodariam sob o patrocínio de um anunciante qualquer. Melhor ainda, sairiam sempre numa versão beta, de forma que possam ser melhorados infinitamente - e a qualquer momento.

No livro "What Would Google Do", o jornalista Jeff Jarvis, também professor da City University of New York Graduate School of Journalism, faz esta e outras incômodas perguntas cujas respostas sugerem um mapa para atravessarmos a pior crise desde 1929, o grande desastre econômico de todos os tempos, a implosão da economia mundial tal qual a conhecemos ou, simplesmente, o início de uma nova era para a humanidade.

Jarvis chegou até a sentar-se com o pessoal de Detroit (Ford, GM, Chrysler) para dizer que os fabricantes de automóveis, hoje falidos, são mais desconectados dos seus consumidores do que funcionário público exigindo reconhecimento de firma. Quase apanhou. No mundo de hoje, diz, deixe o consumidor trabalhar. Ele quer influir, colaborar, conversar, participar, inovar, enfim (já repararam como todo mundo hoje está dizendo "enfim"?) - ser parte integrante do produto ou serviço.

Jorra dinheiro no Vale do Silício

O mundo, se você não reparou, está acabando, mas o Vale do Silício, uma área erguida no deserto californiano ao redor da Universidade de Stanford, está mais do que nunca open for business. Só no ano passado, segundo uma das mais conceituadas consultoras da região, a holandesa Anne Donker, foram investidos US$ 28,3 bilhões, perfazendo quase quatro mil negócios. Em qualquer momento, segundo ela, pelo menos 20 mil empreendedores estão pensando em abrir alguma empresa aqui, sendo que quase metade deles está precisando de dinheiro para tocar o negócio (embora calcula-se que só 1% deles o consiga).

Aqui está pelo menos metade de todas as firmas de investimento em novas empresas (venture capitalists, ou VCs) dos Estados Unidos, administrando cerca de US$ 257 bilhões. E, nesta crise, os VCs estão mais afoitos que nunca para financiar ideias que justamente tirem o mundo da crise, a maioria delas relacionada com a tecnologia da informação, biotecnologia e energias limpas, como baterias de alta durabilidade e paineis solares que tenham preços acessíveis à maioria das pessoas.

O bom é que para 2009 a coisa piora, mas só um pouquinho. O Vale não está se desgrenhando, como a indústria automobilística ou a mídia tradicional, por exemplo. A maioria dos VCs diz que este é um excelente momento para investir em novas empresas, já que estes ativos estão bastante depreciados de uma forma geral devido à crise mundial. "Jamais haverá recessão quando se tratar de inovação", diz Anne.

Nas pesquisas que promove no setor, ela descobriu que 48% dos investidores estão prevendo aumento de investimentos em 2009. Para onde o dinheiro está indo? Se forem seguidos os padrões do ano passado, estes bilhões de dólares irão para software, que no ano passado foi o centro de 881 negócios, energia limpa (277) e ciências da vida - biotecnologia, medicina e instrumentação (853). Na parte de específica de tecnologia da informação, os favoritos são e-commerce, componentes e subsistemas, segurança, entretenimento e redes sociais, nesta ordem.

Como se sabe, o que mais o investidor quer é ajudar a montar a empresa, criar valor e, no menor tempo possível, cair fora do negócio vendendo-o por um preço exorbitante, várias vezes o preço que pagou para entrar. É a chamada estratégia de saída. Com a crise, sair bem está ficando mais difícil, daí o VC pensar duas vezes antes de entrar financiando qualquer oferta, diz Anne. "Só falta uma lupa para que eles esquadrinhem cada pedaço do negócio, a fim de examinar detidamente se vale a pena ou não investir", diz ela.

Para chegar até estes investidores, o empreendedor tem de passar pela via crucis de uma fantástica indústria que se criou para apoiá-los antes que eles apresentem seus negócios aos VCs. No Vale, há associações de apoio a empreendedores em cada esquina, consultores caros e baratos em outras, empresas de recursos humanos que acham toda a equipe que você precisa e ainda a convence a trabalhar de graça por 90 dias em troca de uma possível futura participação, e até bancos que emprestam dinheiro em troca de um business plan que faça sentido, e a juros de 4% ao ano.

O americano comum, ao contrário do que está fazendo o presidente Barack Obama, sabe que a solução tem de vir do mercado, e não do governo. Daí surgirem ilhas de prosperidade como o Vale do Silício num mundo que, a cada dia, se desmorona.

kicker: Firmas de investimento querem financiar ideias que tirem o mundo da crise, a maioria delas relacionada com TI

O capitalismo morreu. Viva o capitalismo!

Eu já tinha ouvido falar de Chris Anderson, por intermédio do Juliano Spyer , o maior especialista brasileiro em colaboração. Sabia que o editor chefe da Wired - a bíblia dos novos tempos da internet -, o homem que tão bem identificou a nova era que estamos vivendo com o livro "The Long Tail", tinha lá suas impenetrabilidades, vivendo na reclusão de quem é submergido por pedidos de palestras, viagens ou autógrafos.

Bastou entrarmos na redação da revista em San Francisco, acompanhando um grupo de brasileiros do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) que queria conhecer as empresas do Vale do Silício, para ele aparecer todo sorridente e, melhor ainda, interessado no Brasil, onde seu novo livro, "Free", será lançado em breve. Não deu outra: autógrafos, fotos e, melhor ainda, promessas de fazer palestras no Brasil.

Como a maioria das pessoas, gosto de conhecer celebridades (qualquer uma) só pelo fato de serem celebridades. No mínimo, vira assunto de mesa de bar. Mas com Anderson é diferente. "The Long Tail" foi publicado em 2004 em forma de artigo, e até hoje é o assunto mais reverenciado numa das mais reverenciadas revistas do mundo.

Nascido em 1961, Anderson cresceu vendo Batman, lendo o The New York Times e ouvindo a NPR, a rádio pública norte-americana. Como editor da revista, e mergulhado nos meios digitais, começou a comparar a sua adolescência com o dia-a-dia dos garotos (ou garotas) que hoje têm, por exemplo, 16 anos.

Nesta imersão, descobriu um mundo totalmente novo, construído sobre a internet. O fenômeno do Long Tail, que já era estudado entre os demógrafos, baseia-se no fato de que a rede de computadores reduziu o custo de distribuição a quase zero, fazendo com que empresas como a Amazon e Netflix vendam um grande número de itens em pequenas quantidades. Outro excelente exemplo é o iTunes da Apple, que não tem nenhuma - isto mesmo, nenhuma - das bilhões de músicas no seu catálogo que não tenha sido vendida, fazendo o sucesso não só se celebridades, mas também de ilustres desconhecidos.

Na conversa, perguntamos o que vai nascer depois do que está sendo chamado de o fim do capitalismo. Para ele, emergirão empresas horizontalizadas, sem chefes, transparentes, éticas, sustentáveis e ecológicas. Um exemplo é o que está acontecendo na mídia. Com o fim dos jornais impressos, da TV ou do rádio, nascem milhões de mídias, como blogs, twiters, ou sites de notícias para hackers, adoradores do diabo ou esportes radicais. Ao invés de TV, surgem o Youtube ou o Hulu, sem comerciais e com conteúdos exclusivos ou copiados da TV. Ao invés de rádio, o Itunes - músicas on-line, a US$ 0,99 cada.

Pelo menos nos Estados Unidos, uma espécie de avant première do que vai acontecer no mundo, a tendência é o que ele chama de "marketing massivo de nichos". Uma mídia para cada gosto. Este é um intrincado labirinto de tribos, gangs, gostos, seja lá o que for, uma parafernália de conteúdos totalmente diferente do que estamos acostumados, dirigida para cada ser humano, em uma onda gigantesca, indetectável e incompreensível.

O interessante disto tudo é que a conta não fecha. Excetuando o Google, que vive de pequenos anúncios na Internet e distribui gratuitamente softwares para as massas, e outras poucas empresas, não foi descoberto ainda um modelo de negócios rentável que possa abarcar as iniciativas dos empreendedores do mundo inteiro.

Chris Anderson, no entanto, faz muito dinheiro com esta nova era. Já ganhou milhões na Wired, nos livros que escreve e nas palestras que dá. Coube a ele identificar e descrever pela primeira vez a nova era. Agora, já prenuncia outra era (vai ser tudo free, como dizia Raul Seixas) de conteúdo, produtos, serviços - o que for - para todo mundo. Quem vai pagar a conta?