segunda-feira, 23 de abril de 2007

O perdão que entrou para a história

Leslie Lynch King Jr, ou Gerald Rudolf Ford, o 38º presidente norte-americano morto semana passada aos 93 anos, não entrou para a história por ser um homem incapaz de “mascar chicletes e andar ao mesmo tempo”, como se dizia à época.
Ford, o único residente não eleito até hoje na história americana, surpreendeu o mundo ao perdoar, contra tudo e contra todos, o antecessor Richard Nixon (que renunciou após ser pego no escândalo Watergate) por todos os crimes que cometeu – “e eventualmente possa ter cometido” – contra os EUA. Por este perdão, anunciado em cadeia nacional um mês após a renúncia de Nixon, em 9 de agosto de 1974, Ford foi bombardeado pela esquerda e pela direita, dentro e fora do país. Pior ainda, foi fragorosamente derrotado na eleição de 1977 pelo democrata Jimmy Carter, um produtor de amendoins da Geórgia que só provou seu valor após deixar a presidência e ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
“É uma tragédia americana”, defendeu-se ele na ocasião, “na qual todos nós tivemos a nossa parte”. “Eu poderia ir à frente, mas sou o único que pode dar um basta nesta história toda – e se eu posso, eu devo”, disse.
Ford, um advogado de Michigan e ex-campeão de futebol americano, que se vangloriava de ser escoteiro e cujo papo dava sono nos interlocutores, se refugiou numa bucólica região do Califórnia e passou o resto da vida jogando golfe. “Ele assumiu (a Presidência) em um período de grande divisão e turbulência” disse o atual presidente do EUA, George W. Bush, “mas para uma nação que precisava de cura e de um cargo que necessitava de calma e determinação, Ford apareceu quando mais precisávamos dele”, resumiu.
Foi um período em que os EUA, ao mesmo tempo, perderam a Guerra do Vietnã e assistiram, boquiabertos, à renúncia do presidente Nixon, embora ele tenha feito coisas notáveis, como a aproximação com a China.
Timoneiro de uma presidência tranqüila, quase apática, embora tenha sido vítima de duas tentativas de assassinato, Ford perdoou os americanos que se recusaram a ir à Guerra do Vietnã, e ainda referendou o Tratado de Helsinque, criticado à época, mas reconhecido depois como o início do fim da Guerra Fria e, em seguida, da União Soviética. Numa época de declínio econômico, inflação alta e descrédito no país – e fora dele – Ford também tentou de toda sas formas cortar o dispêndio público – vetou diversos projetos de aumento dos gastos até não resistir à maioria democrata no Congresso, que sucessivamente derrubou os vetos presidenciais.
Veterano da Marinha da Segunda Grande Guerra, Ford enfrentou uma de suas mais duras batalhas na fronte interna. A dependência de drogas e depois o alcoolismo da ex-primeira dama, Betty Ford, que apareceu na TV trôpega, mas altiva, durante o funeral do marido no Congresso americano. Confrontada pela família, Betty não só reconheceu a dependência como também criou, no início da década de 80, o Betty Ford Center for Drug and Alcohol Rehabilitation em Rancho Mirage, na Califórnia. Ford foi um homem simples, probo e correto, uma espécie de interventor que o destino escolheu para acalmar os ânimos e colocar o país nos trilhos. Depois dele, apesar de ter sido sucedido por um presidente claudicante como Jimmy Carter, os EUA redescobriram-se, derrotaram a União Soviética e promoveram décadas de exuberante crescimento econômico, jamais visto na história da humanidade.
Tão americana feito a calça jeans e os óculos ray-ban, a Coca-Cola, este líquido insípido e inodoro que até hoje ninguém descobriu porque faz tanto sucesso entre mais de 200 países e bilhões de consumidores, voltou nesta semana a fazer a alegria dos acionistas, depois de quase uma década de letargia. Para desespero de seus adoradores, a empresa chegou até a valer menos que a arqui-rival Pepsi. Suas ações, reconhecidas pelas letras KO, foram negociadas na Bolsa de Nova York a US$ 51 cada, elevando o valor da empresa para US$ 119 bilhões, ainda longe (mas um pouco mais perto) do pique daquele 1998, quando chegou a US$ 88. Esta reviravolta, capa da seção de investimentos do The Wall Street Journal, está fazendo revolver o túmulo do cubano- americano Roberto Goizueta, o lendário ex-CEO responsável pelo que a Coca é hoje. O motivo não é a diversificação de bebidas que a Coca mergulhou-se nos últimos anos, com águas engarrafadas, sucos e energizantes, mas sim a velha e querida bebida cinza-preta, embora sem qualquer adição de açúcar (ou nenhuma caloria), a Coke Zero. Introduzida há dois anos, ela é resultado de uma fórmula secreta (também guardada no SunTrust Bank, em Atlanta, Georgia, sede da empresa) que combina vários adoçantes, mas sem aquele gosto que fica grudado na boca. A Coke Zero é a alegria dos diabéticos, dos gordinhos e das beldades que não querem ter os desconfortáveis quilinhos a mais e são fiéis ao sabor original da Coca, inventada em 1885 por John S. Pemberton para curar uma miríade de problemas de saúde, como indigestão, "fraqueza nervosa", dores-de-cabeça e até impotência, embora muita gente também use para desentupir pias ou abrilhantar espetáculos pirotécnicos, como o show de fontes luminosas visto no programa de David Letterman, o Jô Soares magro daqui. Desde que foi lançada a nova bebida já vendeu mais de 100 milhões de caixas (caixa de 24 garrafas é a referência deste setor). Embora a Zero tenha conquistado apenas uma fração do mercado da velha Coca, está sendo considerada pela empresa como "o lançamento de maior sucesso de qualquer marca nos últimos 20 anos". Até para os brasileiros que querem investir em ações nos Estados Unidos (sites como o www.etrade.com estão aceitando investimentos de estrangeiros), a ação da Coca tem futuro. Analistas da Reuters, Standard & Poor's, Rochdale e Sabriet não só recomendam segurá-las agora, mas consideram que seu preço ainda está abaixo do que ela virá a valer. A Coca, que tem US$ 2,3 bilhões em ações nas mãos dos investidores, ressurgiu das cinzas esta semana quando E. Neville Isdell, atual chairman e CEO, revelou os números do primeiro trimestre do ano: um aumento de 14% no rendimento líquido, superando as expectativas de Wall Street pelo décimo-sexto período consecutivo. A exemplo de outras empresas norte-americanas, a estratégia vencedora de Neville tem endereço certo: o mercado externo. Países como China, Rússia, África do Sul, Nigéria e Europa Oriental estão bebendo mais Coca-Coca, enquanto as vendas da Coke Zero estão estourando na França, Holanda, Argentina, Irlanda e, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos. Aqui, segundo quem acompanha de perto a indústria, as vendas não estão lá estas coisas porque os baby boomers, gente que nasceu depois da Segunda Grande Guerra, estão ficando velhos e optando, ou precisando mesmo, de bebidas mais saudáveis, que não desçam pelo esôfago e caiam como uma bomba no estômago. Em uma conferência on-line para investidores, a gigante de Atlanta, que detém marcas como Sprite, Minute Maid e Dasani, reportou lucros de US$ 1,26 bilhão, ou 54 centavos de dólar por ação. A reação da Coca passa também pelo aumento de sua participação no mercado com o lançamento da Diet Coke Plus, com vitaminas e minerais. Segundo chefe de Operações, Muhtar Kent, a empresa também espera aumentar as vendas de bebidas com base em frutas, chás e cafés depois de ter comprado a Fuze Beverage. A Coca equipara-se à bandeira americana porque é o símbolo da influência dos Estados Unidos nos rincões mais distantes do universo. Pode ser bebida no Himalaia ou na Sibéria, na Terra do Fogo ou nas Ilhas Fiji - invariavelmente com o mesmo e desbotado sabor. É também a melhor representação da capacidade do país de se reinventar e manter a hegemonia de seus produtos em todo o mundo.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Tanto céu para quê?

Sentado na praia de Copacabana, diante de um mar azul e cristalino, sob um sol de 40 graus, rodeado por muita gente bonita e feliz, numa democracia racial e econômica sem paralelo em qualquer lugar do mundo, fica fácil entender porque o Brasil se fechou em copas e, como um Gulag às avessas, fica neste vai-não-vai na hora de participar do mundo globalizado.
Depois de um longo e tenebroso inverno no Hemisfério Norte, esbarra-se em notícias de balas perdidas, assaltos e seqüestros, adicionada a um governo inepto que incita ao ócio milhões de brasileiros através do Bolsa Família. Mesmo assim, para quem conta hoje com um olhar distante, continuamos deitados em berço esplêndido. E com uma certa razão.
Não precisamos ir à luta – temos etanol à vontade, o oxigênio da Amazônia, 40% do território de terras férteis e virgens, frutas e verduras em profusão, empresários ecléticos (graças aos anos de inflação e instabilidade), as mulheres mais lindas do universo e uma música que nos orgulha em qualquer esquina do mundo.
Arroubos de integração mundial, especialmente com o “Império do mal”, chamado de Estados Unidos, são tidos com desconfiança, menosprezo, não-me-toques, passeatas e cassetetes. O diálogo Sul-Sul, ao contrário do que dizem os impolutos integrantes do Itamaraty, é algo semelhante a trabalhar para pobre (e haja país pobre neste mundo), uma opção que como reza o ditado significa pedir esmola para dois.
O carioca, um povo prosaico, feliz e virador que a exemplo dos portugueses tem saudade de coisas que não aconteceram, argumenta que a violência no Rio é fabricada pela Rede Globo, cujo sargento Jornal Nacional dá Ibope glorificando a bandidagem. Que, diga-se de passagem, “é bem menor que a de São Paulo”.
Tirando boa parte dos empresários e centenas de suados brasileiros que inundam as filas do consulado americano em busca dos vistos, falar mal dos Estados Unidos é quase uma unanimidade, palavra que o inesquecível Nelson Rodrigues comparava à burrice. “Não sei como você agüenta”, “que povo arrogante...” são comentários recorrentes.
É o mesmo que mineiro falando de paulista, de são-paulinos insultando corintianos, de cliente falando mal de banco porque estourou o cheque especial. Na nossa terra, enaltecer os defeitos e encobrir as qualidades é sinal de sapiência, de tomada de posição, de cabeça pensante, algo que deve ter começado coma resistência aos portugueses que vinham até aqui surrupiar nossas riquezas.
Tome-se o caso do etanol. O presidente Bush toma a iniciativa de deixar a Casa Branca, pegar o Air Force One, e viajar nove horas até São Paulo só para falar com Lula que deseja comprar o álcool brasileiro. Como lembrou o leitor Mauro V. de Chermont, num indignado email, trata-se da mais importante visita de um presidente norte-americano nos últimos 40 anos.
“Se não metermos os pés pelas mãos e perdermos o bonde da história, com fizemos tantas vezes”, diz ele, “tenho certeza de que o Brasil assumirá um importante papel no cenário global, deixando para trás nossa imagem, os famosos cinco ‘S’: Sun, Sea, Sex, Samba and Soccer (hoje seriam seis, acrescentando-se Scandals).
Pois bem, senhor Chermont, o Brasil corre o risco de meter os pés pelas mãos e perder este chamado norte-americano, um povo tão viciado em combustíveis quanto o Brasil em profusão.
O governo Lula pode chegar à conclusão, depois de meses e meses examinando o convite de Bush, de que as extensas plantações de cana-de-açúcar, hoje mecanizadas, não trazem benefícios sociais pois não empregam trabalhadores e, assim, não ajudam a pagar a “tremenda dívida social deste país”.
Dívida social, como qualquer dívida, se paga ganhando mais, e não dividindo o que não se tem. É fazer com que os empresários possam trabalhar (e criar empregos), que os portos se abram ao comércio exterior, que o ambiente seja favorável aos negócios, e que o governo não seja o terceiro (e invisível) sócio das empresas através da escorchante (e nunca satisfeita) sanha tributária.
A saída para este recorrente dia-a-dia, onde se vende o almoço para comprar o jantar, é o comércio internacional, a troca de mercadorias e serviços entre as nações, algo que o comilão e preguiçoso D. João de Orléans e Bragança faz há centenas de anos neste mesmo Rio, algo que os países asiáticos fazem com maestria desde o século passado e que o Brasil, por ter nascido em berço esplêndido, fica em dúvida se precisa fazer.
Afinal, com tudo que temos em casa, para quê céu?

terça-feira, 17 de abril de 2007

Em busca da terra prometida

A exemplo de todos nós, não se sabe quando o comandante Fidel Alejandro Castro Ruz partirá desta para melhor, mas se um dia ele vier a faltar, como gostava de ameaçar o saudoso Roberto Marinho à equipe, prevê-se tragédia de proporções maremóticas nas 90 milhas infestadas de tubarões que separam a ilha comunista de Cuba e as reacionárias praias de Miami.
Fidel está negociando com a morte e está se saindo bem. Mesmo assim, a guarda costeira dos Estados Unidos voltou a promover na semana passada a operação coordenada pelo Homeland Security Department, com 325 agentes em treinamento para eventual fuga em massa da ilha. Algo em torno de meio milhão de cubanos, estimam.
Pouca gente se dá conta de que, com a regularidade das ondas, ainda aportam nas praias de Miami homens, mulheres, crianças cubanas, os balseros, tema do documentário homônimo que faz sucesso nos EUA sobre a fuga de mais de 50 mil cubanos em meados da década passada, o que obrigou o então presidente Clinton a devolvê-los à terra natal pela Base de Guantánamo, território norte-americano no outro extremo da ilha.
Nada que se equipare à diáspora de quase 124 mil hermanos que fugiram em 1980 pelo Porto de Mariel (homenagem à neta do escritor Ernest Hemingway, ex-morador) em improvisadas barcaças feitas de restos de madeira, painéis de zinco, câmaras pneumáticas e lençóis no papel de velas, muitos deles devorados por tubarões.
Tudo isso não aconteceria caso o governo americano, rendido pelos votos da comunidade cubana da Flórida, suspendesse o embargo econômico e financeiro imposto à ilha desde 1962 para forçar a volta da democracia a um país com um PIB de US$ 40 bilhões, tão vital para o comércio internacional como o Largo da Batata em São Paulo o é para o Cone Sul.
Bastasse que os empresários norte-americanos fossem liberados para instalar milhares de McDonald’s, Starbucks e Citibanks em Cuba, irrigando as veias da economia, que a modorrenta ditadura castrista iria para os ares transformando a ilha em um dos principais destinos de turismo do mundo, em especial o crescente turismo de negócios.
No entanto, como se a paciência dos cubanos fosse infinita, com suas filhas PHD mergulhando na prostituição e os filhos dourando-se em Engenharia Naval num país com muito mar mas sem navios, ficam Fidel Castro, de um lado, e sucessivos americanos, de outro, esquentando o que sobrou da Guerra Fria.
Castro, figura de museu que já passou por dez presidentes norte-americanos e que nos seus melhores anos tentou mudar o dia do Natal para não atrapalhar a safra de cana, viveu até agora levantando seu povo contra uma ameaça que não existe mais – o imperialismo norte-americano, figura de linguagem que esconde o senso comum: lutar por uma vida melhor que inclua, como dizem os balseros no documentário, um carro, uma casa e uma boa mulher.
Outros ditadores, como o filhinho-de-papai Kim Jong-il da Coréia do Norte, ou o sóbrio persa Ahmadinejad, do Irã, ou este inexplicável e fora de moda furacão venezuelano Hugo Chaves escolhem o imperialismo americano como inimigo público número um, e unem seu povo e se perpetuam no poder contra uma pretensa ameaça externa.
É por isto que Estados Unidos e Cuba, como irmãos que brigam há mais de 40 anos e jamais voltaram a se falar, vivem inalterados em suas posições, pois assim Fidel (ou seu irmão Raúl) se inoculam no poder e a comunidade da Flórida tem alguém com quem brigar. Afinal, a pior coisa que pode acontecer com os cubanos-americanos é terem de abandonar os EUA e voltar a uma ilha destruída por quase meio século de comunismo.
Assistindo ao documentário Balseros, vêm à tona milhares de histórias de famílias partidas, amores desfeitos, bens desapropriados, um turbilhão de desagregação social com pitadas de salsa, rumba, e muito charuto. Imagens da opulência norte-americana, país “demasiado perfeito” para os latinos, entremeadas com as favelas de Cuba, carros caindo aos pedaços, gente descalça morena, quase sem roupa, mas, como no Brasil, sorridente e feliz.

Você quer dinheiro?

Na onda de matança serial dos intermediários, sejam eles corretores, varejistas, publicitários (e até nós, jornalistas), internet e seus 1,1 bilhão de usuários preparam-se agora para atacar o sistema bancário, começando pelos Estados Unidos.
Como se sabe, banco é um negócio simples, inventado no século 18 a.C. na antiga Babilônia, para unir quem empresta dinheiro e quem quer dinheiro, pagando-se por isto uns tostões a mais a título de juros. O sistema foi aprimorado, milênios depois, pelos brasileiros, que inventaram os juros compostos, ou juro sobre juro, capazes, realmente, de levar para o espaço qualquer conta do cheque especial.
Vejam o exemplo do
www.prosper.com, um site norte-americano que, ao invés de namorados, tribos ou torcidas, une aplicadores e tomadores, como nos tempos babilônicos. A exemplo do www.zopa.com (este de origem britânica), o Prosper faz sucesso pela simplicidade: exige apenas a carteira de motorista, o número de seu seguro social e o endereço residencial para que você empreste ou tome emprestado.
Os juros são exorbitantes para os países civilizados (em média 7% ao ano – isto mesmo, ao ano), mas na selvageria monetária brasileira soam como aqueles empréstimos de pai para filho.
Os banqueiros já estão de cabelo em pé com estes sites, já que eles revolucionam um antigo (e ultrapassado) modelo de negócio que, só nos Estados Unidos, movimenta mais de US$ 60,5 trilhões em ativos, financiando principalmente a gastança dos governadores – sejam eles republicanos ou democratas. Bem parecido com o Brasil.
Quando falam sobre estes sites, banqueiros e bancários soltam impropérios sobre (1) a falta de segurança nas transações, (2) risco de crédito nas operações e (3) “nada melhor do que o olho-no-olho na hora de emprestar dinheiro”. Mas como quem xinga ou grita na verdade está com medo, deduz-se que estes sites tendem não a dominar, mas incomodar muito este sistema. E em curtíssimo prazo.
O pulo do gato está naquilo que os banqueiros acham que são melhores que o restante da humanidade: a arte de concessão de crédito. Tanto a Prosper quanto o Zopa baseiam-se no fantástico Grameen, o banco dos pobres inventado pelo bangladeshiano Muhammad Yunus em1972 em sua terra natal (depois de formar-se nos Estados Unidos).
O Grameen só empresta pequenas quantias para mulheres, e principalmente mulheres em associações ou grupos. Por que? Porque mulher não gasta dinheiro no boteco na volta de casa e, unidas, cobram (ou ajudam) umas às outras o pagamento destes empréstimos. Os sites também partem do mesmo princípio, só que homem lá também tem vez.
Em poucos minutos, você consegue até US$ 5 mil, desde que preencha os requisitos básicos. Um deles é ter um bom nível de crédito, o chamado credit score, um índice que, aqui, separa os norte-americanos entre bons e maus pagadores. Pode tornar sua vida um céu ou um inferno em plena Terra.
O outro – e talvez o mais importante de tudo – é que você tem de inventar um grupo, uma banda, uma associação, uma trupe para obter o rico dinheirinho, e ainda se responsabilizar pelo pagamento. Aproveita-se, aí, do chamado “fator vergonha”. Se um brother (ou na maioria das vezes, uma sister) não paga a conta, fica malvisto na parada.
Enfim, estamos falando de um mundo novo, sem gerentes, agências suntuosas, taxas bancárias, estouros do cheque especial e toda esta relação (muitas vezes conflituosa) que temos com o dinheiro ou com quem o guarda ou empresta – os bancos.
Durante milênios, eles fizeram um papel fundamental para a sociedade, especialmente quando eram apenas indutores do desenvolvimento financiando os empreendedores, este sim o coração e a alma do capitalismo.
Hoje, porém, informação virou commodity. Qualquer pessoa pode fazer um raio-X econômico, financeiro e moral no próximo (vejam o site privateye.com) antes mesmo que qualquer departamento de crédito o faça. Pode saber se a pessoa (ou empresa) paga suas contas em dia, tem passado na polícia ou na Justiça, se tem currículo vitae ou folha corrida.
Ou seja, se é um bom cliente. Simples, não é?

Não é Deus, mas está quase lá

Não existe marca mais poderosa no mundo do que a presidência dos Estados Unidos. Embora o ex-presidente Bill Clinton comparasse o cargo a um cemitério (“você dá ordens e ninguém ouve”), comandar o país mais poderoso do mundo significa ter influência sobre o destino de bilhões de pessoas, o meio ambiente, a economia global e o futuro do mundo. O presidente não é um Deus, como Antônio Carlos Magalhães na Bahia, mas está quase lá.
Esta marca é tratada com imenso carinho e referência pelos americanos, não importa quem esteja no cargo. O que pouca gente leva em conta é que, por trás deste culto à Presidência, existe um fantástico sistema de marketing que só o dinheiro e o poder podem comprar, uma verdadeira máquina de propaganda descrita no livro “All The President’s Spin”, recém-lançado nos Estados Unidos.
O presidente não dá um passo, não aparece em público ou fala uma frase sequer sem o apoio de um exército de assessores de imprensa, pesquisadores de opinião, assessores políticos, gente de cerimonial e seguranças, o chamado Serviço Secreto.
Mas a história parece ser ingrata. Por mais que tentem mudar o mundo quando estão no poder, quando deixam o cargo são lembrados apenas por frases que disseram, sejam boas ou más. Como Kennedy, (“não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”), Nixon (“eu não sou um escroque”), Reagan (“derrubem o Muro de Berlim”) ou Clinton (“nunca tive relações sexuais com esta senhora”) referindo-se à estagiária Monica Lewinsky.
O presidente ganha US$ 400 mil por ano, com todas as despesas pagas. É o salário mais alto de um funcionário público nos Estados Unidos. É um trabalho difícil, arriscado (até hoje quatro presidentes já foram assassinados, quatro morreram durante o mandato de causas naturais, um renunciou e dois sofreram processos de impeachment) e estressante. O nível de pressão a que é submetido um presidente pode ser visualizado ano a ano pelos fotos publicadas nos jornais.
Para ser eleito, o candidato precisa ter nascido nos Estados Unidos (o que impediria uma eventual eleição de Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia) e ter mais de 35 anos. As mordomias incluem morar num endereço exclusivo de Washington e glamurosos deslocamentos. Não há nada que signifique mais poder do que voar no Air Force One (um Jumbo 747 de onde pode exerce a Presidência de qualquer ponto da Terra) ou no Marine One (um super-helicóptero).
Mas como o ex-presidente Fernando Henrique gosta de lembrar, bom mesmo é ser ex-presidente. Jimmy Carter (81 anos) já ganhou o Prêmio Nobel da Paz, escreveu 12 livros e dirige uma bem-sucedida fundação de direitos humanos. Gerald Ford (92), um antigo jogador de futebol americano e único presidente até hoje não eleito (foi indicado pelo Congresso com a renúncia do vice-presidente de Nixon), joga golfe diariamente. George Bush, o pai, é o que mais viaja. Gastou US$ 54 mil em passagens de primeira classe no ano passado – todo ex-presidente tem direito, também, a US$ 96 mil por ano para pagar assessores.
Bill Clinton é o que mais gasta. O Governo paga US$ 460 mil de aluguel da sua mansão perto de Nova York, US$ 54 mil de contas telefônicas e US$ 146 mil na rubrica e “outras despesas”. O que ele ganha com conferências dá inveja em Fernando Henrique (ambos têm os mesmos agentes): US$ 850 mil por ano, fora o adiantamento de US$ 10 milhões para escrever sua biografia publicada no ano passado, talvez o livro mais chato que já existiu sobre a face da Terra.
Mas uma das histórias mais fantásticas da vida pós-presidência é de Theodore Roosevelt, que construiu o Canal do Panamá. Depois de deixar a Casa Branca, fez sucesso escrevendo livros e aventurou-se numa expedição à Amazônia onde descobriu um rio chamado de, coincidentemente, Roosevelt. Tentou eleger-se novamente, era o candidato favorito, mas morreu pouco antes da eleição. Uma história parecida comum caso de um recente presidente brasileiro que iria inaugurar um novo período democrático no País.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

O americano que batia um bolão

Em uma jogada de mestre, em plena Copa do Mundo, a Miramax lança na próxima Sexta-feira, em Nova York, o documentário Uma vez na vida: a extraordinária história do New York Cosmos, o time norte-americano de estrelas estrangeiras que, embalado por muito sexo e rock and roll, mudaria em 1977 o negócio do futebol em todo o mundo a partir – quem diria – dos Estados Unidos.
Antes da contratação do já aposentado Pelé por R$ 4,5 milhões, que naquele tempo era um dinheirão, o futebol mundial não conhecia salários astronômicos, cheerleaders fazendo gracinhas no gramado, cobertura maciça da imprensa e, principalmente, o envolvimento da TV como gigantesca ferramenta de marketing.
Até então, o futebol era uma mistura de inocência, representada por Garrincha, cartolagem explícita (a lembrança maior é o treinador Vicente Feola domindo enquanto o Brasil ganhava a Copa de 58) e de muita pelada, num total desprezo pelas regras do show business.
O time dos sonhos, como era chamado na época, entrou com tudo em campo: todo o planejamento de marketing foi feito a partir da TV, os jogadores começaram a ser tratado como estrelas hollywoodianas e os patrocinadores, principalmente empresas de bebidas e artigos esportivos, pularam de cabeça no negócio. Um ensaio do que aconteceria décadas depois. “Trabalhar com o time do Cosmos”, resume um antigo colaborador no documentário, “era como acompanhar uma turnê mundial dos Rolling Stones”.
Os sonhos, no entanto, viraram pesadelos. Por erros da cartolagem (vocês já viram este filme antes...), o time acabou falindo e o negócio quase terminou em pancadaria. O pior de tudo é que o maior objetivo – fazer nascer o futebol nos Estados Unidos – não foi obtido.
Futebol aqui não pega, não dá liga, faz a bola parecer quadrada e os jogadores, pernas-de-pau. O esporte, digamos, está para os americanos assim como o beisebol está para os brasileiros. Os gringos acham o jogo chato, maçante e demorado, e como se não bastasse, pode resultar em 0 a 0. Ninguém se importa, pára de trabalhar ou vai para o boteco comemorar.
Extremamente competitivos, os americanos não entendem com a potência econômica tem de se curvar a um país miserável como, por exemplo, Gana. Quando em todas as Olimpíadas reinaram sem opositores de peso. Mas, como a Copa rende bilhões de telespectadores (e dólares), sempre ficam com a pulga atrás da orelha, como se o Tio Sam tivesse de mandar neste assunto também.
Tudo começou em 1950, quando nossos vizinhos do Norte bateram a armada inglesa em pleno Estádio Independência, em Belo Horizonte, durante aquela trágica Copa do Mundo, um fato tão inusitado que até hoje ninguém entendeu direito.
Desde lá, criou-se uma história recorrente de que os Estados Unidos entendem de futebol – ou soccer, como eles dizem. A partir daí, de décadas em décadas, aparece um aventureiro no ramo. O desbravador foi Steve Ross, da Warner Communications, com o próprio Cosmos. O primeiro jogo, em 1971, contou com apenas 3.746 fãs na torcida. Em 1972, o escrete já ganharia o primeiro campeonato americano.
O mundo ficou embasbacado quando se anunciou que o Cosmos contrataria Pelé, “o mais amado jogador de futebol de todos os tempos” para jogar durante três anos por uma fortuna. Depois de uma noite de farra no Club 21, Pelé foi apresentado a 22.500 fãs que foram ver o Cosmos bater o Toronto por 2 x 0.
No ano de 1977, não se falava em outra coisa a não ser no Cosmos de Nova York ou o “milagre” do futebol nos Estados Unidos. Pelé, que se recusou a ser entrevistado para este documentário, disse recentemente que sua ida para este time fez com que ele ficasse mais de 20 anos por aqui, tornando o futebol “uma realidade no país”.
Pelé pode ser mesmo bom de previsões, como a de que o Brasil não ganharia esta Copa – fato que ficará para a história, assim como aquela frase de que “o brasileiro não sabe votar”. No entanto, no caso do futebol nos Estados Unidos, infelizmente, ele errou feio.
Futebol é uma atividade marginal nos Estados Unidos, nas mãos da criançada e de alguns inocentes fãs que fazem do soccer uma confraria do outro mundo. Não daqui.

Guerra ao racismo

Diz-se que o homem, como o peixe, morre pela boca. É o que está acontecendo com o locutor Don Imus, da CBS, demitido na semana passada depois que chamou as jogadoras de basquete do Rutgers, uma universidade pública de New Jersey, na Costa Leste, de prostitutas de cabelo encarapinhado (Nappy-headed ho's).Imus, que assim encerrauma carreira de mais de 41 anos no rádio (seu programa também era transmitido ao vivo de madrugada pelo canal a cabo MSNBC) foi asfixiado não só pela reação em cadeia de candidatos presidenciais, jogadoras, bloguistas e pelos revanchistas de plantão, gente que pega este ato isolado e quer lixar a raça branca por séculos de opressão contra negros. O que pesou mesmo foram os principais patrocinadores, gente como Procter & Gamble, General Motors, Staples e Sprint, cancelarem o patrocínio de US$ 25 milhões para o programa distribuído em mais de 70 rádios norte-americanas. Como o dinheiro fala mais alto, a reação inicial do pessoal de TV e rádio foi suspender Imus, um caubói californiano e branquelo com sotaque sulista, por duas semanas. Mas depois, com a repercussão aumentando como uma bola de neve, a CBS decidiu simplesmente demiti-lo. Imus é reincidente em tratar negros, latinos, índios e outras minorias nos Estados Unidos com palavras de baixo calão, ou no mínimo discriminatórias. Ex-alcóolatra e dadivoso filantropista, já foi acusado(e processado) de racismo, misogenia e homofobia, não só por celebridades, mas até por colegas de trabalho. Seu principal alvo, no entanto, são as mulheres negras, embora já tenha chamado o ex-secretário de Estado americano Colin Powell de "doninha ressonante" e o governador do Novo México de "bicha gorda". Mas agora a paciência estourou. A gota d'água foi o discurso da técnica do Rutgers, C. Vivian Stringer, durante entrevista coletiva do time após o incidente. Ela chamou a atenção para o efeito perverso que as palavras de Imus provocaram nas meninas do basquete, a maior parte delas pós-adolescente. O time - composto de oito negras e duas brancas -, disse que voltou para suas casas no feriado de Páscoa e, ao invés de celebrar o reencontro com a família, só ouviram lamentações e rancores dos pais e amigos contra Imus. O radialista, um mestre na arte da fala, bateu de frente com todo o mundo, pediu desculpas diversas vezes ("sou um homem bom que fez uma coisa ruim"), propôs um pedido de desculpas frente a frente e convidou representantes da raça negra para debaterem a questão no seu programa. Só piorou a situação. Embora seja o maior caldeirão de raças que até hoje se encontraram num só espaço geográfico, os Estados Unidos está pronto para explodir a qualquer momento. O racismo é aberto, declarado, cheio de não-me-toques e do não-se-meta-comigo. Daí o imperdoável perdão judicial ao jogador de futebol americano O. J. Simpson, depois dele ter matado a esposa Nicole e seu namorado Ronald Goldman em 1994. Ou da imediata punição aos agentes que bateram no motorista de táxi Rodney Glen King em 1991, que provocou uma nunca vista guerra racial na parte mais pobre de Los Angeles, como diversos motoristas brancos sendo filmados pelas câmeras em cenas grotescas - arrancados dos carros e apanhando no meio da rua. Mas agora, passado os horrores do racismo - desde a escravatura, a Ku Klux Klan, e o assassinato do pastor Martin Luther King, Jr. em Memphis, Tennessee, em 1968, a discussão entre brancos e negros se dá, principalmente, pela mídia, que arregimenta as melhores cabeças pensantes para debater durante horas as injustiças da sociedade. O fantástico de toda esta história é o fato de os Estados Unidos terem a capacidade de errar, de aprender com os erros e de, como sempre, tirar lições deles. Ninguém fica parado na história regurgitando erros comezinhos e as armadilhas do destino. Errar é humano, como se sabe, mas a capacidade de reconhecer o erro rapidamente e corrigi-lo é que faz a diferença. Como disse Chidimma Acholonu, presidente da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, "esta não é uma batalha contra um homem. É uma batalha contra uma forma de pensamento". Sexta-feira, em entrevista à rede NBC, a técnica C. Vivian Stringer completou: "Se este episódio contribuir para que isto jamais aconteça de novo, eu trocaria tudo isto por todo o campeonato nacional. Estas meninas, como todos nós, são representantes de Deus".

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Cabeça, vazia, oficina do diabo

Aposentado não é vagabundo, ao contrário do que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo um aposentado que junta seu polpudo salário com palestras de mais de 50 mil dólares. Mas o exemplo do maior repórter norte-americano, Mike Wallace, do 60 Minutes, 88 anos dia nove de maio último, é surpreendente ? e exemplar. Ele, literalmente, não se aposentou do programa de maior audiência nos Estados Unidos, uma espécie de Fantástico da Rede Globo, mas sem sexo, violência e banalidades que costumam deprimir os brasileiros nas noites de domingo. Às vésperas de entrar na décima década da sua vida e usufruir de seus milhões de dólares numa praia deserta, apenas anunciou que vai reduzir sua carga de trabalho. Por quê? Para ele, cabeça vazia é a oficina do diabo. Ou melhor, seu nome é trabalho, seu sobrenome é muito.Para compensar esta perda parcial, que poderia fazer estrago na audiência depois de 37 anos, a CBS anunciou que vai juntar ao time do 60 Minutes nada menos que Anderson Cooper, da CNN, o repórter mais famoso dos Estados Unidos hoje (graças do furacão Katrina) e a simpática Katie Couric, que junto a Matt Lauer apresentou o Today (nosso Bom Dia, também da Globo) durante décadas.Mesmo nesta idade provecta, Mike Wallace não perde o vigor e a simpatia. Casou-se inúmeras vezes, perdeu um filho (Peter) num acidente nas montanhas, foi acusado de montar armadilhas, ou pegadinhas, para os entrevistados e ? o mais grave - sofreu durante muito tempo de depressão, causada, entre outros motivos, pelos inúmeros processos judiciais que enfrentou durante a vida. ?Primeiro eu não conseguia dormir, depois eu não conseguia comer. Sentia-me sem esperança ou com a mínima vontade de lutar?, diz Mike, um judeu filho de imigrantes russos. ?Foi aí que eu perdi toda a perspectiva das coisas. Você fica louco. Eu tinha feito uma história para os 60 Minutes sobre depressão, mas eu não tinha idéia de eu experimentaria esta doença. Finalmente, tive um colapso e fiquei de cama?. Mais tarde Mike confessou que tentou se suicidar.Tamanhos altos e baixos confirmam o dito mineiro ?você vê as pingas que eu tomo mas não vê os tombos que eu levo?. Nenhum repórter em todo o mundo entrevistou (e irritou) tanta gente importante, entre ditadores, atletas, artistas, reis e rainhas. Mike esteve com Deng Xiaoping, Ayatollah Khomeini, Yasser Arafat, Martin Luther King, Anwar Sadat, boa parte da família real americana (os Kennedy) e Manuel Noriega, o ex-ditador panamenho que o considerou um ícone do jornalismo de sabotagem.Wallace teve dois momentos decisivos na sua carreira. Teve de se retratar quando o general William Westmoreland, comandante das tropas americanas no Vietnã, acusou e processou-o e seus produtores de não usar ?próprios padrões de imparcialidade?, durante um documentário em 1985.Depois, no rumoroso caso que envolveu uma ação judicial de US$ 246 bilhões movida por 50 estados americanos contra a indústria do tabaco. Para quem se lembra, Mike foi representando pelo ator Christopher Plummer no filme O Informante. A CBS grava uma entrevista de Jeffrey Wigand (Russell Crowe), cientista e principal testemunha contra a indústria, com conteúdo devastador. A CBS teve de voltar atrás na apresentação da entrevista. O filme é baseado no artigo da revista ?Vanity Fair? intitulado ?O Homem Que Sabia Demais?. Considerado um ícone do jornalismo norte-americano, ao lado de Edward R. Murrow (Boa Noite, Boa Sorte) e Walter Cronkite (?O presidente John Kennedy acaba de ser assassinado em Dallas, Texas?), o? ?correspondente emérito? Wallace fez mais de 20 reportagens na última série do 60 Minutes, e ainda mais seis na atual série, incluindo uma entrevista com o ator Morgan Freeman e uma reportagem sobre veteranos do Iraque que perderam membros do corpo. Quando perguntado sobre seu amor ao jornalismo, ele responde. ?Eu não saberia fazer outra coisa?. E sobre seu merecido descanso, ele alfineta; ?Só vou me aposentar quando bater as botas?. Longa vida, Mike Wallace.

Um cafezinho de R$ 10,86

Você pagaria R$ 10,86 pelo cafezinho? Claro que não. É um absurdo. Mas na maior e mais famosa rede de cafeterias do mundo, a Starbucks, que tem o nome baseado naquele personagem do livro de Moby Dick que bebe café sem parar, isto é possível. É um preço justo, que ninguém reclama. Pelo contrário, aplaude.A Starbucks é obra de um homem chamado Howard Schultz, que em 1982 tomou um delicioso, cremoso e encorpado café na Starbucks do Pike Place Market, em Seattle, Noroeste dos Estados Unidos, uma cidade-antena que detecta tendências de consumo para todo o mundo. Ficou impressionado com a atração que aquela loja pioneira despertava em clientes fiéis, com um fervor quase religioso, sensação semelhante ao que sanduíches do trailer dos irmãos McDonalds provocaram no empreendedor Ray Kroc. Schultz, nascido pobre em Nova York, viu o que pouca gente via naqueles saudosos anos 80: os americanos não fugiam mais do café como o Diabo da cruz, como também começavam a amar aquela bebida nascida na Etiópia, descoberta graças a um pastor que notou a mudança no comportamento de suas cabras após comerem as frutinhas vermelhas.Boa parte dos 290 milhões de americanos estavam cheios de tomar bebidas sem gosto, sem autenticidade e, pior, de pouca qualidade. Exatamente como o site iconoculture.com, a bíblia dos marqueteiros da atualidade, detectou não só em relação ao café, mas a todas as bebidas: o mundo quer sabor, autenticidade e, se possível, produção artesanal, sem processos industriais.Schultz, como descreve em sua biografia Pour Your Heart into It: How Starbucks Built a Company One Cup at a Time, criou um modelo que juntava a experiência do Starbucks aos antigos bares italianos que vendem Expresso. Em pouquíssimo tempo, transformou aquela pequena cafeteria em um negócio de US$ 5 bilhões, com mais de 10 mil pontos em todo o mundo. O homem vende café do mundo inteiro, embalados em saquinhos desenhados rusticamente, com uma infinidade de nomes e sabores, geralmente exóticos, como americano gosta. Menos café do Brasil, porque aqui, acredita ele, não se faz uma bebida de qualidade. Se você nunca entrou numa loja Starbucks, ainda não sentiu o que entrar na porta do Céu. Trata-se de um refúgio seguro e silencioso da violência (e do tempo ruim) das grandes cidades americanas (ou nos 34 países onde já está). O ambiente não só cheira a café (como não poderia deixar de ser) mas exala calma, tranqüilidade, introspecção e felicidade. O Starbucks um dos melhores lugares do mundo para se trabalhar, segundo a Revista Fortune. Dá seguro saúde para todos os funcionários, que parecem se divertir o tempo todo. E é também uma das companhias multinacionais que mais trabalha a responsabilidade social e a sustentabilidade, especialmente na proteção de quem trabalha na roça de café.Lá dentro, parece que todo mundo está em transe, na chamada "experiência" de tomar café. Há conexões wi-fi de internet para todos, o jornal The New York Times à disposição, guloseimas, chocolates, acessórios (xícaras estilizadas, moedores, torradores etc.) e mais de 30 tipos de bebidas que usam como matéria prima o café.Mas se nós brasileiros produzimos quase metade da produção mundial do café, se tomamos café há 500 anos, se vendemos café até na Rússia desde a década de 70, o que fizemos de errado para cobrarmos um cafezinho a R$ 1 na padaria da esquina?Howard Schultz nasceu nos Estados Unidos, um país onde o sucesso é reverenciado, como todos sabem. Levantou capital, criou padrões, derrubou barreiras, transformou paradigmas e, sem publicidade, apenas no boca-a-boca e em relações públicas, criou um gigante que provê uma experiência única a quem o toca. Enquanto isto, nós brasileiros não investíamos na qualidade do nosso café, acabávamos com o Instituto Brasileiro do Café, nossos cafezais eram dizimados pelas cigarras (e pelas geadas), o governo não se entendia sobre os apoios aos produtores e, pior ainda, ninguém fazia, por exemplo, o que a Colômbia faz há décadas: investe religiosos US$ 50 milhões anuais em marketing. Como a velha do futebol, "quem não faz gol leva", a Starbucks ocupou espaços e fez sucesso. Investiu pesado em relações públicas, brochuras, sites na Internet etc. para ensinar a população a tomar café, ou melhor, "a viver a experiência única de tomar café".Assim, um norte-americano paga R$ 10,86 por um cafezinho de 50 mililitros cada, ou exatos R$156,3 mil (isto mesmo, centro e cinqüenta e seis mil reais e trinta centavos) pela saca que o cafeicultor brasileiro heroicamente produz (uma saca dá para fazer 14 mil e 400 cafezinhos) .A Starbucks fez do ato de tomar café nos Estados Unidos uma celebração espiritual. Em muitas casas, presencia-se cada vez mais um ritual demorado, que deixaria raivoso um monge zen-budista. Algo semelhante a estes vinhochatos que antes de beber falam horas sobre cor, aroma, robustez etc. Você, produtor, quer ganhar R$ 156,3 mil por saca? Claro que não. Mas antes que a Starbucks chegue, o que vai balançar os mercados dos Franz Cafés, Suplicys e Cafeeiras, é bom pensarmos no que estamos fazendo com o nosso café, hoje a commodity mais comercializada no mundo depois da água.

50 anos: e uma pergunta no ar

Larry King, nascido Lawrance Harvey Zeiger, o entrevistador-mor dos Estados Unidos, líder de audiência da CNN, com milhões de espectadores diários em todo o mundo, vai fazer 50 anos de entrevistas (cerca de 40 mil, segundo suas estimativas) em abril.
Nesta semana, em sua mansão em Pasadena, na Califórnia, ele disse que celebrará este meio século de perguntas com uma “big” programação na emissora, fundada pelo lendário Ted Turner: uma semana de entrevistas com Bill Clinton, Ophra Winfrey, Angelina Jolie e, como atração principal, ele mesmo. Será colocado na parede por Katie Couric, a âncora do CBS, a maior estrela da TV americana.
King, um homem que fumava três maços de cigarro por dia, teve um ataque cardíaco e hoje dirige uma fundação que socorre gente com problemas no coração, comanda o mais antigo programa de entrevistas que se tem notícia. Começou na CNN em 1987, mas vive de perguntas desde maio de 1957, quando largou a vassoura de uma rádio de Miami (ele era uma mistura de faxineiro e auxiliar de serviços gerais) e foi colocado no ar.
Pouco atraente, voz estridente e costumeiros deslizes gramaticais, o ex-entregador da UPS faz sucesso há cinco décadas fazendo perguntas. Só isso. Com óculos de fundo de garrafa, cotovelos na mesa e suspensórios vermelhos, ele não opina, não conversa ficado, não bate-boca e, o que deveria ser óbvio para todos os jornalistas, deixa o entrevistado falar. Faz perguntas instantâneas, à queima roupa, que apenas funcionam como fio condutor da conversa.
“O segredo de minha longevidade no ar é guardar para mim minhas opiniões e meu temperamento”, diz King, que vai fazer 74 anos. Ele já pensa antecipadamente em renovar o contrato com a CNN, que vence em 2009. Raramente vê TV, não usa internet e, todos os dias, leva seus filhos à escola (King foi casado oito vezes e tem seis filhos), na Califórnia, para onde se mudou para ficar mais perto das celebridades, que inundam seu programa.
Outro segredo de Larry é mais óbvio ainda: colocar o telespectador no centro do espetáculo. Todas as noites (o programa é transmitido às 9 horas na Costa Leste) dá espaço para perguntas via telefone ou email. Em seu website, Larry já deixa preparado um lugar para que a audiência lhe envie perguntas, nem sempre agradáveis aos entrevistados. No site também pode-se obter as transcrições de todas as entrevistas feitas.
Uma das atrações do programa é o trailler antes e depois de cada intervalo comercial. Pode ser o trecho de um filme, cenas de um show ou um discurso. Este expediente faz com que o telespectador se insira no contexto da conversa e se familiarize com o entrevistado. O nome do entrevistado e suas declarações mais polêmicas aparecem no letreiro durante todo o programa.
Foi por estes letreiros que King foi processado diversas vezes, pois muitos deles trazem pontos de vista ou opiniões preconceituosas a respeito do convidado ou da convidada.
Larry sempre foi absolvido com base na Primeira Emenda da Constituição norte-americana (Liberdade de Expressão), o que lhe dá o privilégio de editar as entrevistas como bem quiser.
Durante estes 50 anos, King teve a oportunidade de conviver, mesmo que por rápidos momentos, com celebridades de dois séculos, desde Eleonor Roosevelt e John Kennedy, até Tony Blair, Jerry Steinfield ou Monica Lewinsky. Já emprestou sua voz (e às vezes sua imagem) a mais de 20 filmes e desenho animados. Recentemente, gravou sua participação em Sherek 3.
Filho de judeus que emigraram do leste europeu, ele é, de tempos em tempos, ridicularizado pelos concorrentes ou pelos humorísticos por sua avançada idade à frente do programa. Um de seus maiores concorrentes, David Letterman, já colocou vídeos no ar mostrando King se transformar numa múmia, ou às vezes no esqueleto.
Na entrevista que deu a um jornal canadense, o Toronto Sun, King revelou quais celebridades ainda quer entrevistar. O Papa Bento XVI e Fidel Castro (antes que ele saia desta para uma melhor, segundo ele). O que você perguntaria a Fidel, indagou o repórter: “o que falhou, o que deu errado, por que o comunismo acabou”, sugeriu. King não perde uma chance. Há sempre uma pergunta no ar.

terça-feira, 10 de abril de 2007

De assustar a concorrência

Em uma bela tarde de sol de 1996, o analista de softwares Reed Hastings, que já tinha ficado rico com a bolha da internet, entrou numa loja da Blockbuster, em San Jose, Califórnia, para devolver o vídeo Apolo 13, com Tom Hanks. Ficou uma fera quando lhe entregaram uma conta de US$ 40 pelo atraso na devolução.
Foi aí que nasceu a Netflix (
www.netflix.com), o maior serviço de aluguel de filmes de todo o mundo, já chamada de “a Starbucks da indústria cinematográfica”, que tem 6,3 milhões de usuários, 1,7 mil funcionários, 41 centros de distribuição, 70 mil títulos, e vale hoje, segundo o site da Nasdaq, mais de US$ 1,6 bilhão. A Netflix sozinha é responsável por 12% do mercado de aluguel de DVD nos Estados Unidos, o que significa cerca de US$ 8,4 bilhões.
O problema é que a empresa, desafiando todas as previsões do mercado, se recusa a morrer. É uma espécie de fantasma que, volta e meia, aterroriza a concorrência. A idéia - pague uma mensalidade e assista a quantos filmes quiser – é tão simples que desafiam todos os manuais de negócios e as complicadas teorias vigentes no capitalismo americano.
Primeiro, bate de cara com gigantes já estabelecidos e recheados de dinheiro, como a Blockbuster. Segundo, é uma empresa de tijolos, quando tudo que se vê hoje em dia é o advento dos downloads de filmes via internet. Enfim, a Nestflix nunca correu o perigo de dar certo, mas deu. E muito.
O cliente opta pelo plano de US$ 5,99 até US$ 47,99 mensais; escolhe o filme (há disponíveis 42 milhões de cópias) pelo website; e recebem via correio (em não mais de 24 horas) um envelope com o DVD, que ele devolve pelo correio mesmo (aqui eles recolhem correspondências nas casas gratuitamente) sem pagar a postagem. Quanto mais ele devolve, mais recebe filmes. Multas de atraso, desnecessário dizer, não existem. E nem existirão.
Com um alto índice de satisfação dos usuários – ganhou três prêmios nos últimos anos – o site da Nestflix despacha 1,4 milhão de DVDs todos os dias. Junto com a Ebay, é um dos maiores clientes do correio americano (e sua salvação, depois do advento do e-mail), desembolsando mais de US$ 300 milhões de selos anualmente.
Caso não existisse e os clientes tivessem que ir de carro a Blockbuster, consumiriam mais de 800 mil galões de gasolina e despejariam na atmosfera cerca de 8,8 toneladas de dióxido de carbono diariamente. É um serviço de aluguéis de filmes que se orgulha de ser amigo do Planeta Terra.
Desde 1997, quando foi criado, o site só deu prejuízo. O dinheiro só começou a sorrir para Reed Hastings em 2003, quando teve o primeiro lucro, US$ 6,5 milhões, sobre um faturamento de US$ 272 milhões. Por isso mesmo o Nestflix é considerado hoje um dos raros casos de sucesso que substituíram à bolha da internet, inspirando companhias tradicionais, com a Wal-Mart, e empresas on-line, como Amazon, Apple, Movelink, CinemaNow e outras a investirem no setor.
A Nestflix faz a festa dos investidores. Em seis anos de operações, seu faturamento cresceu de US$ 5 milhões para US$ 682 milhões (dezembro de 2005). “Experiência e escala estão resultando no aumento da retenção de clientes e em maiores margens brutas do que as apresentadas pelos competidores”, frisa seu relatório financeiro. Nesse período, saiu do zero para quase 7 milhões de assinantes. O potencial do mercado, no entanto, pode chegar a 20 milhões de assinantes nos próximos cinco ou sete anos, segundo prevê o Adams Media Research. E olhe que os clientes da Nestflix estão crescendo a uma média anual de 84%, e o faturamento 127%. Em 2006, prevê-se um lucro de mais de US$ 44 milhões. Na semana passada, como no filme A noite dos mortos-vivos, um ícone do cinema trash de terror da década de 80, a Nestflix voltou a assustar a concorrência. Hastings reuniu a imprensa em Los Gatos para anunciar que vai oferecer downloads de filmes a partir de meados deste ano. Baseado num sistema Microsoft, o cliente escolhe o título, dá um enter e tem a satisfação imediata de ver o filme que deseja.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Falem mal ou bem, mas falem de mim

José Aparecido, o lendário político mineiro, às vezes encontra um amigo na rua e diz: “Que coincidência, acabei de conversar sobre você com fulano há poucos minutos ali atrás”. Para depois, sorrateiramente, disparar: “Eu te defendi”. Mineirices à parte, a irrefreável arte de falar mal (ou bem) dos outros – compreende-se aí produtos, serviços, e, principalmente, marcas – está dominando a vida dos marqueteiros americanos. Depois de torrarem até US$ 2 milhões em apenas 30 segundos no SuperBowl, a grande final do futebol americano (o comercial mais caro do mundo), os gurus renderam-se o poder do boca-a-boca por um simples fator. Descobriram, conforme atesta um estudo da Universidade de NorthEastern, que uma pessoa interage com outras, em média, 14 vezes por semana, e que em 25% destas vezes fala sobre produtos, serviços e marcas. Na maioria das vezes (86%), on-line.
É aquilo que você já conhece desde que nasceu, ou que a gente jura que não faz, mas que todo mundo faz: diz-que-me-diz-que, fofoca, fuxico, mexerico, rádio-peão etc. É o esporte favorito da humanidade desde que Adão conheceu Eva no paraíso.
Um menino prodígio de Boston, Dave Balter, descobriu esta obviedade quando viu pela TV a apresentadora Ophra Winfrey, a Hebe Camargo dos Estados Unidos, presentear 276 Pontiac G6 a cada uma de suas colegas de trabalho em 2004. Isso mesmo: exatos 276 carros de luxo.
Foi uma comoção nacional. Tudo pago, obviamente, pela General Motors, ao custo de R$ 8 milhões. Depois de alguns dias de bafafá, as vendas do Pontiac despencaram. Por quê? Porque a GM, apesar da brilhante idéia, tratou os consumidores como alvo, e não com colegas de trabalho, segundo o guru da fofoca.
Mas o que mudou mesmo a percepção de Balter foi a leitura do best-seller “Ponto de Desequilíbrio” (The Tipping Point), em que o jornalista canadense Malcolm Gladwell descreve o poder da mudança que um simples comentário provoca no mundo. Uma fofoca bem feita aqui pode singrar os mares e chegar a lugares nunca dantes navegados. A palavra de ordem é interatividade, convidar o consumidor para fazer parte da festa.
Lembram-se, por exemplo, daquele Rolls Royce que quebrou no meio da estrada, foi socorrido por um reluzente helicóptero da própria Rolls Royce em segundos e tudo saiu de graça pois, como todo mundo sabe, um Rolls Royce nunca quebra? Histórias como essa enriquecem o mundo do boca-a-boca.
Num rompante de independência, Dave largou um confortável emprego numa agência de promoções e, com apenas R$ 30 mil, criou a BzzAgent (www.bzzagent.com) uma agência de word-of-mouth, como se diz por aqui, fez um enorme sucesso para seus clientes e, como não poderia deixar de ser, escreveu o livro “Grapevine” (videira, para os enólogos, e o boato, para os marqueteiros).
Mas como difundir um boato (de preferência positivo) sobre uma marca, um produto ou um serviço? Balter, obviamente, escolheu a Internet. A pessoa vai no site, registra-se como um buzzaggent e, em troca de espalhar comentários para o seu círculo de relacionamentos (sem forçar a barra, por favor), participa de um programa de recompensas parecido com as milhagens de cartões de crédito: ganha os próprios produtos ou outros prêmios. Às vezes, nem isso. “Elas gostam mesmo é de falar sobre os produtos e serviços para o seu círculo de conexões, seja on-line ou off-line”, diz ele.
Por quê? As pessoas ficam orgulhosas ao demonstrar conhecimento e ajudar o próximo (na maioria das vezes). Falar de produtos, marcas e serviços é uma boa forma de puxar uma conversa, de validar o seu próprio conceito, ou simplesmente dividir uma opinião com alguém.
Um exemplo fantástico: quem não se lembra do documentário “A Bruxa de Blair”? Três estudantes gastaram US$ 30 mil para fazer um documentário sobre rapto de crianças numa floresta de Maryland e nunca voltaram. Verdade, mentira? Caso real ou embuste? Uma onda de suposições, críticas, comentários etc. foi criada on-line. Resultado: o filme faturou mais de R$ 250 milhões e tornou-se cult do cinema moderno.
Segundo a consultoria Mckinsey, dois terços das atividades econômicas em todo o mundo são influenciadas pela indústria do boca-a-boca. Mas atenção: não se trata de marketing viral ou epidêmico (vá até o site
www.boreme.com) ou de shill marketing, pessoas pagas para falar bem dos produtos em locais públicos. O marketing boca-a-boca está tão forte que até já foi criada uma entidade, a World of Mouth Marketing Association, que tem mais de 11 membros, entre eles pesos-pesados como a Kraft Foods, Dell e Motorola. Este grupo, segundo a revista Business 2.0, está firmemente envolvido em fazer desta indústria parte integral dos planejamentos estratégicos de marketing do mundo corporativo.
Os clientes da BzzAgent são cobrados pelo número de agentes envolvidos e pela longevidade da campanha. Em média, US$ 100 mil por projeto, incluindo aí a concepção e a operação. Há também empresas com a Intelliseek, de Cincinatti, especializada em mensurar os resultados dessas campanhas.

Quando o auge chega aos 50

Para a geração baby-boomer – aquela que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, viu o homem chegar à Lua e cresceu ao som de Bob Dylan na vitrola – Steven Paul Jobs foi o melhor espécime que a raça humana já criou no mundo empresarial. O cinqüentão Jobs, que faz aniversário agora em fevereiro, mudou os rumos da humanidade pelo menos em cindo ocasiões: inventou o computador pessoal na garagem de sua casa em 1976, lançou as bases da Internet com uma empresa chamada Next há quase 30 anos, comprou a Pixar (Toy Story, Procurando Nemo) em 1986, lançou o iPod em 2002 e, na semana passada, passou a ser o maior acionista individual da Walt Disney Company, com US$ 7,4 bilhões em ações.
Como num conto de fadas, Jobs, filho adotivo, pai de quatro crianças e sobrevivente de um câncer de pâncreas, é um exemplo de como a vida dá voltas e não exige juventude para fazer sucesso. O homem nunca usou terno e gravata. Invariavelmente, surge de tênis new balance surrados, calça jeans, camisa preta de gola rolê e barba por fazer quando apresenta novos produtos da Apple, a empresa que criou, foi expulso pelo próprio board e voltou de forma triunfal na década de 1990. Quando sai das capas de revistas, é chamado de Mr. Future. Nos anúncios em outdoors, conclama o mundo a pensar de maneira diferente (think diferent). Para toda a indústria de tecnologia, é o enfant terrible que lança as flechas para o futuro.
A partir de agora, como sucessor de Walt Disney na maior fornecedora de entretenimento de computadores do mundo (a Apple superou a Dell em valor de mercado), Jobs tem o poder de controlar o conteúdo (filmes, músicas, parques temáticos, marcas, etc.) e a forma de distribuição que vai dominar o mercado, através do Ipods ou de computadores de mão, os chamados handhelds. Daqui a alguns anos os historiadores citarão Jobs como um homem que reuniu, a um só tempo, o poder de controlar o conteúdo que você vai assistir e, mais ainda, de que forma fazê-lo.
Como todo ser humano, no entanto, Jobs tem o seu lado, diríamos, excêntrico. Adepto de um estilo gerencial antigo (manda que pode, obedece quem tem juízo), trabalhar ao seu lado, segundo dizem, é a sensação mais próxima de viver o inferno na Terra. Mandão, arrogante, superdotado, Jobs dá de dez a zero em Bill Gates no papel mola propulsora dos negócios. Só que, ao invés do estilo nerd de Gates, Jobs faz o estilo criativo, estiloso, uma espécie de músico de Bremen que atrai fãs (e consumidores) dos quatros cantos do mundo. Não come nenhuma carne de mamíferos, só se alimenta de peixes de vegetais e é tido como um pai presente e atuante.
Sua vida particular é um mistério. Fala com a mídia apenas raramente, sobre o pressuposto de que seus produtos falam por si mesmo. Discreto, é rodeado por um time pensante 24 horas por dia. Descendente de sírios, namorou Joan Baez pelo simples fato de que Baez foi namorada de Bob Dylan. Comprou um apartamento no edifício San Remo, em Nova York, um dos endereços mais caros do mundo, redecorou-o por quase 10 anos e depois o vendeu para o superstar Bono. Mas nada que se equipare à mansão colonial em estilo espanhol de 14 quartos que comprou em Woodside, aqui na Costa Oeste. Deixou que a filha de Bill Clinton, Chelsea, ficasse lá até encontrar um lugar melhor perto de Stanford, onde estudou.
Seu maior triunfo é criar o tipo de produto que o consumidor ama, uma mistura irretocável de design e tecnologia. Foi assim com o Apple II, o Macintosh, o Ipod e, agora, com o Mickey Mouse e Pato Donald, como colaboradores. Salário? Esqueça. Ganhando US$ 1 anualmente na Apple, Steven Jobs é conhecido, segundo o Guiness Book, como o CEO mais mal pago em todo o mundo. Mas, de vez em quando, ganha presentes do board da Apple, como um jato GulfStream e milhões de dólares em opções de ações.
Obviamente Jobs não se tornou rico, famoso, criativo e legal do dia para noite. Segundo se atesta em boa parte de pelo menos seis biografias escritas, o homem deve grande parte de seu sucesso a um public relations, ou assessor de imprensa nos Estados Unidos, chamado Regis Mckenna. Ao ser contratado ainda em 1976 para ser o PR da Apple, Mckenna criou um ícone que iria tornar-se uma referência para todas as gerações de baby-boomers.

Pensar para sobreviver

A necessidade é mãe da invenção. O velho (e atual) ditado americano explica porque a revolução no mundo empresarial pressupõe o fim do mundo empresarial justamente tal como o conhecemos.
Em lugar de patrões, times trabalhando por conta própria. Em vez de chefes, pessoas que coordenam o conhecimento e o distribuem entre grupos. No lugar de punições, recompensas. Saem locais e horários fixos de trabalho, longas horas de trânsito e o cheque no final do mês. Entram o trabalho em casa, informações 24 horas por dia, sete dias por semana, a interação entre trabalhadores em diversas partes do mundo e em diversos fusos horários e, principalmente, o uso de uma faculdade que todo mundo tem, mas que exercita pouco: a criatividade.
Aí está o pulo do gato. Sobreviverá no mercado quem estiver plugado na rede e oferecendo produtos e serviços extremamente diferenciados. Exemplo: acabou de ser lançado aqui um serviço em que você fotografa com seu celular um prato de comida e, em segundos, recebe o número de calorias que vai ingerir. US$ 99/mês.
Gente que observa o mundo empresarial (aqueles que pagam seu salário, mas depois de contratar consultores não hesitam em substitui-lo por uma máquina ou mão-de-obra mais barata) está descobrindo, sem pudor, que pode fazer mais, por menos e melhor – só que sem você. Não porque queiram. É que todo mundo está fazendo o mesmo.
Foi o que disse Thomas Friedman, autor do livro “O mundo é plano”, em entrevista à Amazon.com: “Estava na Índia quando descobri gente escrevendo meu software, fazendo minha contabilidade, lendo meus raios-X e querendo desenhar meus desenhos da Disney e vi que alguma coisa grave estava acontecendo – o mundo tinha ficado plano”.
Friedman vai mais longe no que está sendo chamado de o planeta dos free lancers: “Quando era pequeno meus pais diziam: Tom, acabe seu jantar, pois pessoas da China e da Índia estão famintas”. Hoje, digo a minhas filhas: garotas, acabem o dever de casa, pessoas da China e da Índia estão famintas por trabalho”.
O que mudou foi que China e Índia não só roubam empregos do setor produtivo e de todo o mundo. Absorvem agora trabalhos que exigem o “pensar criativo”, pois eles podem ser acessados instantaneamente, a qualquer hora, por preço infinitamente menor. São países que investiram pesado em educação, tornaram-se inteligentes (e espertos) e estão prontos para dominar o mundo, como diz o estudo publicado na “Newsweek” sobre a revolução do conhecimento.
A queda do muro de Berlim, o sucesso da Internet, a difusão do Windows, a criação de uma rede global de fibra óptica e softwares que permitem o trabalho conjunto mudaram os paradigmas. Hoje há uma plataforma global onde gente pode colaborar e competir, dividir conhecimento e trabalho, coisa nunca vista na face da história, o que afeta países, empresas e pessoas.
É aterrorizante ou oportunidade única? Saiu da moda Ter emprego fixo, plano de carreira? Sim. Será que a dupla de criação da McCann Erikson precisava estar numa grande empresa e enfrentar o dia-a-dia com colegas para inventar a campanha “Não tem preço” da Mastercard, e arrancar da Visa a posição de líder mundial de cartões de crédito?
Boas idéias não têm preço. Mas agora elas estão no centro desta revolução nos negócios. Terão de ser medidas, estimuladas, planejadas de forma consistente e, principalmente, recompensadas. Nascem no cinema, na festa de aniversário do filho, na cama quando você acorda à noite. Pouquíssimo no local de trabalho. Aproveite e coloque um preço nelas. É o seu futuro.

Negócios de outro mundo

Atenção, empresários brasileiros! Os Estados Unidos pretendem gastar US$ 1,3 trilhão (valor superior ao PIB brasileiro) nos próximos 20 anos para que a iniciativa privada da Terra construa hotéis espaciais, laboratórios orbitais e participe de projetos para exploração mineral de asteróides e da anunciada viagem a Marte (e além de Marte, se for possível). A maior potência do mundo quer também construir um elevador espacial terrestre de 62 milhas para baratear o trânsito de cargas e passageiros daqui para o espaço.
Os interessados devem procurar a Nasa, dar uma olhada em contratos de pesquisa e desenvolvimento (mínimo de US$ 600 mil cada), participar de competições para a descoberta de novas tecnologia (prêmios de até US$ 250 mil) ou tornarem-se parceiros de empresas que formam o Vale do Silício da corrida espacial, em Rocketville, incrustado no deserto de Mojave, na Califórnia.
Conversa de lunático? Pode ser. Mas desde que uns espertinhos começaram a vender terrenos na Lua na Praça da Sé, quando o astronauta Neil Armstrong pisou lá pela primeira vez em meados de 1969, não se via tamanho frisson pelas riquezas de espaço. Calcula-se que o empresário que chegar primeiro em 3554 Amnum, asteróide que passa pela órbita terrestre, colocará a mão numa reserva de US$ 8 trilhões de ferro e níquel, US$ 6 trilhões de cobalto e o mesmo valor em platina, Ou seja, ficará 450 vezes mais rico que Bill Gates, dono da Microsoft, já em 2020, para quando se espera este feito.
Gates ainda não entrou nesta, mas muitos bilionários, especialmente aqui em Seattle, já abriu a carteira. Paul Allen, seu sócio, tido como o sétimo homem mais rico da Terra, iniciou a moda investindo na Scaled Composites (“empreendimento que está para a Boeing como a Apple está para a IBM”), empresa que já fez um vôo orbital com a SpaceShip One ao custo de US$ 25 milhões, bem menos do que a Boeing ou a Lockheed cobram (US$ 120 milhões por um simples foguete).
Em seu encalço, Elon Musk (Paypal), Jeff Bezos (Amazon) e John Carmack (Id Software), de olho em lucros potenciais de US$ 115 bilhões. Todos nerds confessos que, pequenos, sonhavam em ser um Super-Homem voltando para Kripton, planeta de Clark Kent, com a secretária Louis Lane. Hoje, com dinheiro sobrando, podem realizar este sonho. E podem mesmo.
Segundo a última edição da revista “Business 2.0”, o que mudou após o Projeto Apolo (“o legal era chegar à União Soviética”) é que empreendedores espaciais estão tomando o lugar do paquidérmico Estado (leia-se Nasa), com o estímulo do próprio Estado. “A grande barreira para a abertura de mercados fora da Terra não é física ou tecnológica – é psicológica”, diz o editorial. “O automóvel, a aviação comercial, o PC, a Internet e o celular demoraram décadas para atingir potencial. Não existiriam não fosse um bando de empreendedores lunáticos que se recusaram a seguir a sabedoria convencional”.
Agora que o major Marcos César Pontes vai se tornar o primeiro brasileiro a ir para o espaço (ele vai embarcar no dia 30 numa espaçonave russa), o volume de recursos envolvidos nesta nova corrida não deixa de ser boa notícia para os brasileiros, já envolvidos com as oportunidades que caem do céu. “Quando as viagens espaciais se tornarem lucrativas”, disse Burt Rutan, criador do SpaceShipOne, ao programa de TV “60 Minutes”, “geração de energia, mineração e pesquisa médica vão florescer”. Segundo ele, em 300 anos, muita gente que for para outros planetas jamais vai retornar. “Ficarão lá, criarão suas famílias e vão assegurar a sobrevivência da nossa espécie”. Boa sorte!

Tudo que é bom custa caro?

Lipitor, o remédio mais vendido em todo o mundo, com vendas de US$ 12,9 bilhões somente nos Estados Unidos em 2006, está sob o fogo cerrado das empresas de seguro saúde, como também de quem precisa abrir o bolso na hora de combater o colesterol alto. A estatina, um dos maiores sucessos da farmacologia desde Hipócrates na antiga Grécia, já salvou milhões de seres humanos de ataques cardíacos e de outros males decorrentes do entupimento das veias, embora a um preço pouco acessível à maioria dos consumidores. Lipitor está sendo vendido nas farmácias americanas, sempre sob estrito controle e com prescrição médica, o que no Brasil equivaleria à tarja preta, de US$ 109 a US$ 645, a caixa com 180 comprimidos. É muito dinheiro para quem precisa do Lipitor como do oxigênio para respirar: na maioria dos casos, pacientes com histórico familiar de alto colesterol, pessoas sedentárias que não fazem ginástica ou quem desconhece a diferença entre comer um toucinho e uma folha de alface. Essa turma começou a receber este ano cartas das empresas de seguro saúde dizendo que o campeão de vendas Lipitor não está mais na lista dos remédios preferenciais, o que significa dizer que os pacientes terão de pagar integralmente o valor da droga. Trata-se de uma reação mercadológica à gigante Pfizer, a maior farmacêutica do mundo, dona da patente do Lipitor até março de 2010. Do alto de sua majestade, e sempre alegando milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento que investiu até hoje, a empresa está fazendo justamente o contrário do que rezam os manuais das melhores práticas negociais. Ao invés de baixar o preço do produto para manter ou aumentar as vendas e enfrentar a concorrência, está gastando boa parte do seu orçamento de marketing, que vale US$ 3 bilhões, para comprar espaço publicitário nas grandes redes de TV e nos principais jornais americanos enaltecendo os milagres do Lipitor, que segundo ela reduz o colesterol em até 50%. Ao mesmo tempo, deslanchou esta semana uma campanha entre os médicos e farmacêuticos norte-americanos para demovê-los da idéia de receitar estatinas mais baratas (as chamadas genéricas), embora o Lipitor ainda responda por 43% das receitas médicas de estatinas, segundo o Public Citizen Health Research Group. Em outras palavras, a Pfizer receia perder dinheiro com este campeão de popularidade que empanturra o caixa da empresa desde a década de 80, quando o químico Bruce Roth sintetizou a estatina já tomada, hoje em dia, por mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas como não existe felicidade para sempre, em junho do ano passado um dos maiores concorrentes da Pfizer, a Merck, perdeu a patente de outra estatina, o Zocor, detonando uma reação em cadeia que iria deslanchar o sucesso dos chamados genéricos, que não têm a atratividade da marca, mas que, no fundo, fazem o mesmo efeito dos tradicionais. Não deu outra. A ação da Pfizer, geralmente um refúgio tranqüilo para investidores conservadores, caiu para US$ 22,41, para uma ação que já valeu quase US$ 50,00 no início desta década. Até hoje não se recuperou. Em janeiro deste ano, ferida também pela perda das patentes de outros remédios e por alguns revezes na descoberta de novos medicamentos, a empresa resolveu cortar mais de 7,8 mil empregados (10% da folha) fechando várias fábricas e centros de pesquisa, sob as ordens do novo executivo chefe, Jeffrey B. Kindler. A estratégia de Kindler de manter o preço do Lipitor se baseia na potência do medicamento - segundo pesquisas, nenhum outro é tão eficaz para determinados casos - como também no fato de que a Food and Drug Administration, o órgão do governo que está para a medicina assim como o Papa para os católicos, ter aprovado o medicamento para a redução de diversos problemas em pacientes com doenças do coração, incluindo hospitalizações por ataques cardíacos - o que vem sendo usado como um diferencial para combater a concorrência. A briga em torno do Lipitor está no meio de um intenso debate ético e mercadológico. Quem deve pagar pelos altos custos do desenvolvimento de drogas que salvam vidas em qualquer setor da medicina hoje em dia? Existem limites para empresa como a Pfizer ganhar bilhões de dólares em lucros durante sucessivos anos à custa dos doentes? As patentes devem ser respeitadas, mesmo que isto custe a morte de muita gente que não tem dinheiro para tomar esses remédios?

quinta-feira, 5 de abril de 2007

A lógica da moderna filantropia

A escola das minhas filhas convida o 9º Leilão Anual, agora em benefício da reforma do playground, um dos mais bem equipados que já vi na minha vida. Os pais estão sendo solicitados a doar milhas aéreas, time-share dos hotéis, um fim de semana na cabana nas montanhas, ou emprestar o barco (mais as varas e minhocas) para pescar.
Podem também doar parte do seu tempo para dividir seu talento (consertar um computador, cozinhar um prato especial, desentupir uma pia, etc.). Mas o importante mesmo é que visitem restaurantes, lojas e supermercados pedindo dinheiro, cartões de presente ou outros serviços para apoiar o leilão. Objetivo: arrecadar mais de US$ 100 mil para a reforma.
Da mesma forma que os Estados Unidos são viciados em petróleo, como disse George Bush, no trabalho barato de imigrantes (como lembrou o editorial do The New York Times), ou em guerras (há forma mais rápida de estimular a economia?), o país possui uma equiparável determinação para resolver os problemas. Sejam quais forem. Pode ser o novo playground, estancar milhões de mortes por malária na África, perseguir (e prender) pedófilos ou diminuir a exclusão digital na Polinésia.
Ninguém espera um santo salvador ou mesmo um novo presidente. Junto a essa determinação, doutrinada implacavelmente desde que a pessoa nasce em solo americano, soma-se dinheiro. Muito dinheiro. Com quase 60% dos bilionários da Terra, muitos dos quais entre 30 e 40 anos, os EUA doaram em 2005 quase 2% de seu PIB, que é de US$ 13,7 trilhões.
Primeiro da lista? Errou. Não é o casal Bill e Melinda Gates, da Microsoft, e sim Gordon e Betty Moore, da Intel. Doaram US$ 7 bilhões no ano passado, seguidos pelo casal Gates (US$ 5,4 bilhões), o bilionário Waren Buffet (US$ 2,6 bilhões) e o polêmico George Soros (US$ 2,3 bilhões). Em termos institucionais, Bill e Melinda Gates Foundation estão em primeiríssimo lugar, com US$ 28,8 bilhões, seguidos pelo Wellcome Trust, da Grã-Bretanha, com US$ 18,8 bilhões e pela Ford Foundation (US$ 10,6 bilhões).
Quer se candidatar a pegar uma lasquinha desse dinheiro para sua instituição filantrópica? Difícil. A não ser quer você procure, antes, uma entidade americana que sirva de guarda-chuva para que a doação seja deduzida do imposto de renda deles, como a Brasil Foundation, da nossa Leona Forman, ou a Awish (aqui perto de Seattle), do formidável Michael Karp.
Mas essas doações bilionárias são apenas reflexo do grande negócio das doações, uma onda que, sob as boas graças do fisco, se espalhou não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Descobriu-se, de repente, que o mundo estava ficando inviável. E que os governos, incluindo a ONU e milhares dos órgãos públicos, jamais resolveriam essas questões simplesmente porque são, por definição, governos. Ou seja, sem iniciativa, lerdos, perdulários, reclamões e cobradores de impostos.
Caridade (dar o peixe a quem tem fome) e filantropia (doar a vara, o anzol e ensinar a pescar) existem aqui desde que foi construída a Casa Branca, mas pode-se dizer que a era do “doar com eficiência” foi inaugurada em 1980, por iniciativa de Bill Drayton, antigo consultor da Mckinsey, que resolveu levar os padrões de efetividade da iniciativa privada ao Terceiro Setor, fundando a Ashoka.
Drayton descobriu que o Brasil já era um líder em responsabilidade social, seja por meio de trabalhos como o de Vera Cordeiro à frente da Associação Saúde Criança Renascer, ou mesmo de atividades pioneiras, já que na década de 1970, como a Fundamar, do advogado Túlio Vieira da Costa, em Minas Gerais. Muitas dessas iniciativas estão descritas no livro “Como Mudar o Mundo”, do jornalista David Bornstein, recém-lançado nos Estados Unidos e no Brasil.
O problema aqui , tal como aí, é que muitos bilhões de dólares em filantropia (ou em caridade) estão sendo jogados fora por má administração. Por isso é que está surgindo a onda de novos filantropistas, que não apenas doam dólares, mas também mobilizam recurso privados, tempo, capital social e expertise para mudar o planeta. No fundo, no fundo, todos seguem a regra franciscana: é dando que se recebe.

Além da morte e dos impostos

Além da morte e dos impostos, outra certeza que os americanos têm é a importância do respeito pela vida em sociedade, cujo palco cotidiano é o trânsito. Aqui, como atestam alguns manuais, o motorista nada mais é do que um ser humano vestido, temporariamente, de algumas latas que andam sobre rodas.
A placa de “pare” por exemplo, existe para o carro parar, e não para diminuir a marcha e olhar para o lado à procura de um carro inimigo que vai nos obrigar a, realmente, parar. Outro polêmico sinal, o amarelo, inventado em 1912 pelos próprios americanos e que até hoje não entendemos direito no Brasil, foi instituído para o condutor diminuir a velocidade e... parar. Não é para dar uma buzinadinha e acelerar, rezando para ninguém (incluindo o guarda) te ver.
Mas o território mais civilizado que existe é a faixa de pedestres, aquelas grossas linhas brancas feitas para quem deseja atravessar as ruas. Nos Estados Unidos, nós, bípedes, ali reinamos, como se tivéssemos um escudo invisível a nos proteger de outros bípedes vestido de imensas armaduras. Se você a atravessa, o carro espera. Você tem o direito de passagem, como se diz por aqui.
Foi por não me lembrar de que pedestre é ser humano, com mais direitos do que deveres, é que tomei bomba no exame de motorista logo que cheguei aos Estados Unidos. Nervoso, apreensivo, aflito, embora dirigisse desde que comecei a andar, fui derrotado fatalmente por uma pergunta boba, fundamental, mas rasteira e fulminante:
• Questão 9 – Se você está dirigindo, o sinal está aberto para você e um pedestre inicia a travessia pela faixa de pedestres, de quem é a preferência? Teclei a resposta no computador: EU. Afinal, o sinal abriu para mim e o pedestre tem de esperar pacientemente pela sua vez, certo? Errado.
O computador começou a apitar, ao mesmo tempo em que uma modorrenta instrutora se virou para mim com olhar de decepção, talvez me perdoando pelo fato de ser brasileiro, morar numa árvore no meio da floresta amazônica, comer com as mãos, “como é injusto esse mundo”, ainda desconhecer os princípios básicos de civilidade.
Fiquei duas semanas me lamentando, precisei pagar mais de US$20,00 e, por insistência da família, voltei de cabeça erguida para fazer o exame. Desta vez, embora tenha errado umas cinco questões e não ter conseguido fazer a baliza corretamente, saí vitorioso com a minha driver’s license – uma carteirinha branca, com foto, tipo sangüíneo e declaração de doação de órgãos, o que está para os americanos como, na biologia, o gene está para o DNA.
Quando os fatos mudam, dizia John Maynard Keynes, sua cabeça também precisa mudar. Nos Estados Unidos, considero-me o último bastião do respeito às leis de trânsito. Ser parado numa rodovia e abordado por um guarda, como se vê nos filmes, seria a suprema humilhação. Ser multado, então, e por qualquer razão, seria o fim.
Paro no sinal vermelho, espero pacientemente pelos pedestres atravessarem a rua (em qualquer situação), não saio cantando pneus ou tento dividir os espaços que não existem com outros carros.
Incrível, todo mundo aqui é assim. As pessoas não saem de casa para travar guerras no trânsito, descontar desejos reprimidos da infância nos outros motoristas, assustar com buzinas quem não reparou que você é uma pessoa ocupada, cheia de preocupações, repleta de tarefas, que não tem mesmo tempo a perder. Como naquele filme “Um dia de fúria”, com o excelente Michael Douglas.
Ainda não cheguei ao ponto de criar um ONG na área de trânsito, ou de ser um voluntário do Detran aqui. No entanto, hoje entendo que defender os pedestres é defender a si mesmo. Pode parecer uma preocupação exagerada de quem ainda tem tantos sinais verdes e vermelhos pela vida, mas o trânsito das cidades é a representação da nossa esquecida civilidade.
Dar passagem, seja a um pedestre ou a um outro carro apressadinho, faz bem. E é coisa que não custa nada. Contribui para a felicidade do mundo. Melhora o clima da sociedade. Deixa a gente mais feliz.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

RP, a engenharia do consenso

O fato de a senadora democrata Hillary Clinton pender para a direita, e assim agradar o eleitorado republicano, faz com que o chamado "Pai das Relações Públicas", o austríaco-americano Edward Bernays, falecido em 1995 aos 104 anos de idade, esteja se revirando no túmulo. Bernays, sobrinho do "Pai da Psicanálise", Sigmund Freud, fonte da qual sugava os fundamentos para forjar e moldar a opinião pública norte-americana no século passado, fundou aqui a chamada ciência do spin, ou a arte de encadear discursos, ações, frases e press-releases, que moldam a opinião pública em favor do dinheiro, do poder ou de qualquer outro objetivo, lícito ou ilícito. Líder nas pesquisas na corrida à presidência em 2008, Hillary parece hoje ter esquecido seu combativo passado e ser apenas um fantoche no mundo das relações públicas, um setor que vai gastar este ano cerca de US$ 4 bilhões só nos Estados Unidos, segundo o jornal Financial Times. É uma montanha de dinheiro, utilizada especialmente nos bastidores, longe dos olhos do público (de preferência), para pagar assessores de imprensa, lobistas, pesquisadores, analistas, blogueiros e tudo que possa lustrar (às vezes destruir) a imagem dos pessoas e corporações. Tudo começou no início do século passado, quando Bernays, recém-chegado da Europa, ouviu de um fabricante de toucinho que suas vendas estavam indo morro abaixo. Bernays, numa jogada de mestre, perguntou a cinco mil médicos nos Estados Unidos se o desjejum matutino deveria ser uma refeição leve (como chás e torradas), ou forte, repleto de proteínas. A resposta, óbvia, recaiu sobre a segunda opção. Bernays então divulgou esta pesquisa para propagar que bacon com ovos era a melhor opção de breakfast para as donas de casa protegerem a saúde familiar. Assim, tornou-se também o pai do bacon & eggs, um café da manhã tão arraigado na tradição norte-americana quanto o Valentine's Day, e que desde então vem entupindo de gordura as artérias dos norte-americanos todas as manhãs. Depois deste sucesso, o sobrinho de Freud também recebeu uma missão de um fabricante de tabaco. Segundo seu biógrafo Larry Tye, em The Father of Spin, as mulheres americanas tinham vergonha de fumar em público, obedecendo a um tabu machista da época. Conversando com o tio em Viena, descobriu que o cigarro representava para as mulheres "tochas da liberdade" contra a opressão masculina. Ele, então, inventou o dia da liberdade nos Estados Unidos: conclamou as mulheres a desfilarem na Park Avenue, em Nova York, fumando. E chamou a imprensa. As fotos das mulheres carregando aquelas pequenas tochas fumegantes circularam em praticamente todos os jornais dos Estados Unidos, destruindo o tabu e trazendo grandes lucros para os fabricantes de cigarros. Todos estes casos estão documentados no Museu das Relações Públicas: (http://www.prmuseum.com) repleto de saudações e datas. Ali, podem-se ver todas as artimanhas de Edward L. Bernays e outros menos famosos, como Ivy Lee, Chester Burger e Carl R. Byoir. A exemplo dos jornalistas, que separam o joio do trigo e publicam o trigo, como se diz nos cursos de comunicações, os relações públicas também fazem a mesma coisa - só que realçam o joio. Pouca gente sabe que o falecido Sadam Hussein, por exemplo, era apenas um ditadorzinho qualquer até que um arquiinimigo seu, do Kwait, contratou a empresa de relações públicas norte-america Hill & Knowlton para demonizar o homem. Deu no que deu. O mesmo com a ex-modelo da Playboy Ann Nicole Smith, morta semana passada, que aos 26 anos casou-se com o bilionário J. Howard Marshall, 90 anos, mas "a pedido dele e por amor", segundo se falou na CNN. Trata-se, obviamente, de mostrar o outro lado, de ouvir (e respeitar) a outra versão, uma prática basilar do jornalismo, destilada também pelo pessoal de relações públicas. Pelo mesmo prisma, George W. Bush tem razão em invadir o Iraque, derrubar um ditador, levar a democracia ao Oriente Médio, estabilizar o preço do petróleo e gastar US$ 2 bilhões por semana, tanto lá quanto no Afeganistão, jogando nas guerras quase a metade do orçamento anual dos EUA. Revoltante? Nada disso. É apenas o outro lado. Enxergá-lo não é apenas um desafiante exercício mental. É um expediente que o pai das Relações Públicas chamava de "a engenharia do consenso".

No lado escuro da Lua

Aterrissar a bordo do Air Force One no Aeroporto Internacional de Pequim, num nebuloso dia de fevereiro de 1972, era o mesmo que descer no lado escuro da Lua, recorda o lendário repórter Ted Koppel, hoje na NPR, a rádio pública norte-americana. Ted, que acompanhou a dupla Richard Nixon-Henry Kissinger na primeira viagem à China depois de um quarto de século de guerra fria - os dois países nem se reconheciam politicamente - encontrou uma "nação cinza, suja e ainda horrorizada com os expurgos da Revolução Cultural" iniciada em 1966. "Nada que se equipare à potência econômica e militar de hoje", adiciona ele, 35 anos depois. Nixon, republicano e direitista, que elegeu-se mandando o porrete nos comunistas e seus "carrascos", estava sitiado por uma presidência medíocre, uma mistura de derrota diária no Vietnã e o temor do crescente poder militar soviético. Único presidente norte-americano a renunciar (depois do escândalo de Watergate), Nixon era um político arguto, vidrado em política internacional, especialmente com o secreto modo de vida que se desenrolava atrás da "Cortina de Ferro", a União Soviética, ou a "Cortina de Bambu", a China. Três anos antes de pisar em solo chinês, ainda comemorando a chegada do astronauta Neil Armstrong à Lua, ele confidenciou ao seu assessor de segurança nacional, o judeu-alemão Kissinger, que os Estados Unidos precisavam, já naquela época, de uma outra potência econômica na Ásia, que concorresse com o American way of life. Parte da estratégia para derrotar o desejo expansionista de Moscou. Deu no que deu. No livro Nixon and Mao - A semana que mudou o mundo, a historiadora Margaret Macmillan, da Universidade de Toronto (Randon House) considera a estratégia de Nixon, que resultou no encontro dos dois líderes por não mais que 50 minutos, num dos gestos políticos mais grandiosos da história moderna. A partir dali, com o apoio americano, em detrimento do antigo aliado Chiang Kai-shek, de Formosa (hoje Taiwan), a China começou a se reerguer da histórica improdutividade comunista (planos qüinqüenais, expurgos para o campo, milhões de chineses presos e torturados etc) até se tornar a terceira potência mundial de hoje e - é sempre bom lembrar - o maior credor dos Estados Unidos, com mais de meio bilhão de dólares em bonds. Até sair da base aérea de Andrews, Nixon, contudo, não tinha a menor idéia se encontraria Mao Tsé Tung. O lendário (e promíscuo) dirigente, que durante toda a vida se recusou a tomar antibióticos e aos 80 anos ainda era chegado na medicina chinesa, estava mal das pernas, literalmente. Além das eventuais falhas nos batimentos cardíacos, alta pressão arterial e uma torturante tosse por conta da água no pulmão, Mao não conseguia andar com o inchaço das pernas. Mas, devido à excitação do velho dirigente em conhecer um cowboy norte-americano, seus médicos e concubinas cortaram seus cabelos e unhas e, em seguida, o ajudaram a se levantar (pelo menos para cumprimentar Nixon), colocando respiradores artificiais e balões de oxigênio escondidos atrás de uns vasos (chineses) - um pequeno hospital ambulante doado pelos próprios americanos com medo que Nixon, e não ele, passasse mal durante a estada na China. Nixon, ao contrário da musa carioca Danusa Leão - que segundo a lenda voltou de Pequim (sem o marido Samuel Wainer) 48 horas depois que chegou por não ter encontrado seu xampu favorito - adorou a viagem. O livro de Macmillan, um delicioso relato de 404 páginas cheias de detalhes, biografias e fotos sobre a histórica missão, escancara as contradições entre as duas civilizações. Durante todo o tempo que Nixon conversou com Mao, acompanhado por Kissinger, Chou En-Lai (o então premier) e apenas um guarda-costas (uma exigência dos chineses), tentou bater de frente falando de problemas como a guerra na Indochina, as relações com Formosa (hoje Taiwan), mísseis balísticos e outros temas ainda mais bélicos. Mao, falando pousadamente, recusou-se a discuti-los, argumentando que, como chairman do Partido Comunista, só falaria sobre temas filosóficos. Após o encontro, já à noite e depois de alguns drinques, Nixon reuniu seus assessores para decifrar o que ouviu do velho dirigente. Descobriram que, por aquelas tortuosas linhas, existia uma profusão de detalhes fundamentais que iriam nortear as relações entre os dois países por décadas. A não ser Kissinger, todos os participantes daquele histórico encontro já estão mortos. Morreram sem saber que, dali a alguns anos, ambos os países fariam uma dobradinha política e econômica que dominaria, talvez por mais de cem anos, os destinos do mundo.

Deus é bom para os negócios?

A demissão de Thomas Mapother IV, mais conhecido como Tom Cruise, um ator bonitinho mas ordinário (como diria o insubstituível Nelson Rodriges) que rendeu mais de US$ 3 bilhões à Paramount desde 1992 é prova de que misturar religião e negócios dá confusão – e muitas vezes prejuízo.
Uma ajuda divina é sempre bem-vinda na hora de fechar um contrato, escolher um parceiro certo, voltar a ter lucro ou, como acreditam alguns, espantar o mau olhado.
A religião torna-se um dínamo dos negócios quando você é evangélico, mórmon, judeu ou pertence a cultos que, inteligentemente, funcionam também como irmandades de auto-ajuda empresarial, referendando serviços ou produtos entre irmãos e irmãs.
Mas no caso do controverso Tom Cruise, 44 anos, é diferente. Sua fé cega na tal da Igreja da Cientologia o fez brigar em público com Matt Lauer, o Renato Machado das manhãs da rede NBC (“psicoterapia”, disse Cruise, “é negócio do diabo”) ou com a ainda estonteante Brokie Shields, que teve depressão pós parto (“depressão na existe”), iniciando uma guerra de palavras entre celebridades que foi parar na capa do The New York Times.
Não deu outra. Calcula-se que seu comportamento esquisito (chegou a pular como macaco no sofá da apresentador Ophra Witney , a Hebe Camargo daqui, gritando que estava apaixonado pela que seria quarta mulher, Katie Holmes) deu um prejuízo de US$ 100 a US$ 150 milhões a Sumner Redstone, o lendário (83 anos) chefão da Paramount, um dos maiores – e o mais antigo – estúdios de cinema do mundo.
Para quem, como Redstone, está acostumado a faturar cerca de meio bilhão de dólares por cada Missão Impossível, o comportamento de Cruise está realmente impossível. Está se tornando inconveniente.
A “máquina Cruise” de fazer dinheiro (na história do cinema não existe ator que mais trouxe ou traz gente ao cinema) recebe cerca de 20% da venda dos ingressos e de DVDs – o que para Hollywood incomoda mais ainda, pois está totalmente fora dos padrões, digamos, hollywoodianos.
Esta máquina, segundo quem acompanha o caso de perto, não deve ser utilizada para arrebanhar ovelhas perdidas, infiéis de outras religiões ou, simplesmente, descarregar preceitos religiosos em milhões (no caso de Cruise, bilhões) de fãs.
Tem gente, por exemplo - aliás, a maioria - , que não pertence à Igreja da Cientologia, religião criada pelo autor de mais de 5 mil livros de ficção científica L. Ron Hubbard. Acha-a, simplesmente, ridícula.
Religião é negócio de foro íntimo. É uma conversa particular com Deus, como diria Gilberto Gil. É tema a ser evitado em reuniões (principalmente de negócios), em conversas com motoristas de táxi ou até em discursos de candidados à presidência.
Na escala global, não pode servir para dizimar infiéis, como o radical islamismo de Bin Laden, ou proibir as mulheres de abortarem ou não, de estancar as pesquisas com célula tronco ou negar a pílula do dia seguinte sem receita médica, como reza o evangélico George Bush.
Enfim, como dizem os críticos de Bush, não se pode confundir o Estado com a religião, preceitos próprios com verdades imutáveis, o Deus de cada um com os Deuses dos outros.
Os pais fundadores, como é chamado o grupo de ilustres que escreveu a Constituição Americana, deixaram claro na Primeira Emenda (que muita gente pensa que só se refere à liberdade de expressão) a clara separação em Estado e a Igreja.
Querendo evitar tudo que sofreram durante a brutal colocanização inglesa, imaginaram uma pátria em que todas as religões teriam lugar, seriam respeitadas e viveriam em harmonia. Sabiam que, em nome de Deus, e mesmo a contragosto, os homens (e mulheres) fazem, infelizmente, muito mais o mal do que o bem.
Das 27 guerras em andamento em todo o mundo atualmente, por exemplo, 90% têm fundo religioso – embora, como se sabe, todas as guerras são batalhas entre interesses econômicos.
Tom Cruise deveria guardar sua batalha espiritual para si mesmo. Caso contrário, Deus vai atrapalhar ainda mais seus negócios. Ganhar dinheiro – para si ou para as milhares de pessoas que dependem dele – vai se tornar cada vez mais uma missão impossível.

Solidariedade e US$ 206 bilhões do governo

"Você tem câncer", as três palavras mais temidas aqui nos Estados Unidos, voltaram a assombrar o país na semana passada, quando Elizabeth, esposa do candidato democrata John Edwards, anunciou não só o retorno da doença, como também metástases em diferentes partes do corpo. Um dia depois de solidarizar-se com Beth durante a conversa matinal com jornalistas na Casa Branca, o porta-voz da Presidência, Tony Snow, também revelou que seu câncer de cólon, combatido há dois anos com uma cirurgia, havia voltado com carga total, desta vez também com metástase no fígado. Ambos os casos detonaram uma enxurrada de reportagens na mídia, em "efeito manada" poucas vezes visto na imprensa do país. As notícias foram misturadas a dezenas de manifestações de solidariedade que fazem lembrar o escritor mineiro Otto Lara Resende, dono da famosa frase "o mineiro só é solidário no câncer". A doença, que atinge um entre cada três americanos, principalmente após os 70 anos, provocou o aumento da popularidade (e de doações) do candidato democrata John Edwards, como também fez do porta-voz Snow, criticado por ser o maior defensor da direita americana, uma figura simpática, legal, além de uma "peça-chave" no desgastado governo Bush. Ou seja, quem era opaco ganhou brilho. Quem era detestado ficou bonzinho. Tanto Tony quanto Elizabeth deram um show de relações públicas, convocando a imprensa antes que as más notícias fossem vazadas pelos médicos. Elizabeth, no entanto, que já escreveu um livro sobre a sua luta contra a doença, postou-se ao lado do marido, apoiou-o na decisão de manter sua candidatura ("não posso desviar este bom homem do seu destino de servir à pátria"). E, melhor ainda, deu o recado final: sou como todos vocês, também vou morrer um dia, apenas sei de quê provavelmente eu vou morrer. O câncer, como se sabe, domina o imaginário coletivo porque é a negação da vida. É o próprio corpo produzindo células que levam à destruição dos órgãos afetados, na maioria das vezes pulmão, cólon, mamas e próstata - e conseqüentemente à morte. Este ano, cerca de 1,4 milhão de norte-americanos ouvirão as palavras "você tem câncer" de seus médicos. Boa parte destas pessoas vai morrer antes da hora. Para o campeão de corridas de bicicleta Lance Armstrong, também um sobrevivente de câncer nos testículos, é como se a cada 48 horas houvesse um novo 11 de Setembro com superior número de vítimas. Por ser uma doença apavorante, boa parte da pesquisas na medicina (mais de 600 hoje em dia) estão direta ou indiretamente relacionadas ao tema. Seja através de sofisticadas cirurgias, radiações e quimioterapias que atingem apenas os órgãos afetados, ou mesmo modificações genéticas que aumentam exponencialmente o sistema imunológico das pessoas, médicos e pesquisadores estão derrotando a doença, ou pelo menos tornando-a menos agressiva. A idéia, segundo Katie Couric revelou no CBS News não é só fazer com que diversos tipos de câncer sejam curados - se não o forem, que fiquem como parte do dia-a-dia das pessoas, como, por exemplo, diabetes e outras doenças consideradas "mansinhas", tratáveis ao logo da vida até o dia final. A maior amiga do câncer, como sempre, é a falta de informação. As pessoas, em geral, morrem de medo de serem diagnosticadas, e por isto dão uma de avestruz fugindo do câncer simplesmente ignorando-o. Por outro lado, ter uma postura ativa, enfrentar (e cumprir) os tratamentos e querer viver é o que o câncer menos gosta. Em geral, pessoas otimistas têm 90% da guerra ganha. Mas o maior problema, como foi revelado no programa, é que uma vez diagnosticada custa muito dinheiro manter-se vivo. Segundo o National Institute of Health, cerca de US$ 50 mil apenas em remédios. Os pacientes gastaram em 2006 cerca de US$ 78 bilhões em tratamentos (cerca de 22% só em remédios), ao passo que todo o sistema de saúde norte-americano desembolsou US$ 206 bilhões no ano passado entre diversos procedimentos. Como reduzir as chances de ser atingido pelo câncer? É a mesma ladainha de sempre: vida saudável, exercícios físicos, parar de fumar, queimar as gordurinhas a mais e.... comer brócolis. Segundo os pesquisadores, está se comprovando que este insosso vegetal é uma espécie de bom-bril quando se trata de evitar a doença. Tem mil e uma utilidades.