Aterrissar a bordo do Air Force One no Aeroporto Internacional de Pequim, num nebuloso dia de fevereiro de 1972, era o mesmo que descer no lado escuro da Lua, recorda o lendário repórter Ted Koppel, hoje na NPR, a rádio pública norte-americana. Ted, que acompanhou a dupla Richard Nixon-Henry Kissinger na primeira viagem à China depois de um quarto de século de guerra fria - os dois países nem se reconheciam politicamente - encontrou uma "nação cinza, suja e ainda horrorizada com os expurgos da Revolução Cultural" iniciada em 1966. "Nada que se equipare à potência econômica e militar de hoje", adiciona ele, 35 anos depois. Nixon, republicano e direitista, que elegeu-se mandando o porrete nos comunistas e seus "carrascos", estava sitiado por uma presidência medíocre, uma mistura de derrota diária no Vietnã e o temor do crescente poder militar soviético. Único presidente norte-americano a renunciar (depois do escândalo de Watergate), Nixon era um político arguto, vidrado em política internacional, especialmente com o secreto modo de vida que se desenrolava atrás da "Cortina de Ferro", a União Soviética, ou a "Cortina de Bambu", a China. Três anos antes de pisar em solo chinês, ainda comemorando a chegada do astronauta Neil Armstrong à Lua, ele confidenciou ao seu assessor de segurança nacional, o judeu-alemão Kissinger, que os Estados Unidos precisavam, já naquela época, de uma outra potência econômica na Ásia, que concorresse com o American way of life. Parte da estratégia para derrotar o desejo expansionista de Moscou. Deu no que deu. No livro Nixon and Mao - A semana que mudou o mundo, a historiadora Margaret Macmillan, da Universidade de Toronto (Randon House) considera a estratégia de Nixon, que resultou no encontro dos dois líderes por não mais que 50 minutos, num dos gestos políticos mais grandiosos da história moderna. A partir dali, com o apoio americano, em detrimento do antigo aliado Chiang Kai-shek, de Formosa (hoje Taiwan), a China começou a se reerguer da histórica improdutividade comunista (planos qüinqüenais, expurgos para o campo, milhões de chineses presos e torturados etc) até se tornar a terceira potência mundial de hoje e - é sempre bom lembrar - o maior credor dos Estados Unidos, com mais de meio bilhão de dólares em bonds. Até sair da base aérea de Andrews, Nixon, contudo, não tinha a menor idéia se encontraria Mao Tsé Tung. O lendário (e promíscuo) dirigente, que durante toda a vida se recusou a tomar antibióticos e aos 80 anos ainda era chegado na medicina chinesa, estava mal das pernas, literalmente. Além das eventuais falhas nos batimentos cardíacos, alta pressão arterial e uma torturante tosse por conta da água no pulmão, Mao não conseguia andar com o inchaço das pernas. Mas, devido à excitação do velho dirigente em conhecer um cowboy norte-americano, seus médicos e concubinas cortaram seus cabelos e unhas e, em seguida, o ajudaram a se levantar (pelo menos para cumprimentar Nixon), colocando respiradores artificiais e balões de oxigênio escondidos atrás de uns vasos (chineses) - um pequeno hospital ambulante doado pelos próprios americanos com medo que Nixon, e não ele, passasse mal durante a estada na China. Nixon, ao contrário da musa carioca Danusa Leão - que segundo a lenda voltou de Pequim (sem o marido Samuel Wainer) 48 horas depois que chegou por não ter encontrado seu xampu favorito - adorou a viagem. O livro de Macmillan, um delicioso relato de 404 páginas cheias de detalhes, biografias e fotos sobre a histórica missão, escancara as contradições entre as duas civilizações. Durante todo o tempo que Nixon conversou com Mao, acompanhado por Kissinger, Chou En-Lai (o então premier) e apenas um guarda-costas (uma exigência dos chineses), tentou bater de frente falando de problemas como a guerra na Indochina, as relações com Formosa (hoje Taiwan), mísseis balísticos e outros temas ainda mais bélicos. Mao, falando pousadamente, recusou-se a discuti-los, argumentando que, como chairman do Partido Comunista, só falaria sobre temas filosóficos. Após o encontro, já à noite e depois de alguns drinques, Nixon reuniu seus assessores para decifrar o que ouviu do velho dirigente. Descobriram que, por aquelas tortuosas linhas, existia uma profusão de detalhes fundamentais que iriam nortear as relações entre os dois países por décadas. A não ser Kissinger, todos os participantes daquele histórico encontro já estão mortos. Morreram sem saber que, dali a alguns anos, ambos os países fariam uma dobradinha política e econômica que dominaria, talvez por mais de cem anos, os destinos do mundo.
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