segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Rei do xadrez quer ser presidente

Os Estados Unidos assistiram na semana passada à genialidade de Garry Kasparov, 44 anos, o maior enxadrista de todos os tempos, o russo-armênio-judeu nascido no Azerbaijão que derrotou com mão de ferro seus adversários e que agora encabeça a oposição ao presidente Vladimir Putin para a eleição de 2008.
Kasparov, que chegou a vencer por duas vezes o Deep Blue, o computador da IBM construído para derrotá-lo, encantou a platéia americana em programas de TV como o 60 Minutes (CBS), Bill Maher (HBO) e Stephen Colbert (Comedy Central) com sua inteligência, perspicácia e inglês shakespeariano. Saiu aplaudido em todas as ocasiões. Pena que o eleitorado esteja a mais de 7 mil quilômetros de distância e não entenda inglês.
Até Kasparov aparecer nos Estados Unidos a pretexto de lançar seu 22º livro, Como a vida imita o xadrez, acreditava-se que os gênios do jogo inventando pelos persas no século 12 fossem geniais apenas para jogar xadrez. Mas ele, que lidera a coalizão "A Outra Rússia", onde coabitam diversas correntes políticas, inclusive a extrema direta, está mostrando o contrário. Sobressai-se com respostas que deixam os jornalistas desarmados. Exemplo:
- Como o senhor quer ganhar a eleição contra um presidente (Vladimir Putin) que tem 80% da preferência da opinião pública? - indagou Maher.
- Se George Bush controlasse a imprensa e os institutos de pesquisa ele teria um índice de aprovação de 90% - respondeu o enxadrista.
Kasparov foi preso, multado e investigado pela polícia russa. Milionário e famoso - é um herói nacional - anda com guarda-costas, varia seus trajetos diariamente e manda a família com freqüência ao exterior. Sua luta é para trazer de volta a democracia à Rússia, que desde o advento de Putin, há sete anos, "estabeleceu censura à imprensa, cancelou eleições, entregou as empresas e recursos naturais aos seus aliados e parece não ter muita vontade de entregar o cargo", diz.
- É uma ameaça não só ao futuro do meu país, como à estabilidade de todo o mundo - completa.
Kasparov reconhece que está diante da maior jogada da sua vida. Pelo menos três opositores de Putin já se deram mal. A repórter investigativa Anna Politkovskaya foi morta em seu prédio, em Moscou. O ex-agente da KGB Alexander Litvinenko foi envenenado em Londres com polônio. E Mikhail Khodorkovsky, um dos bilionários russos depois do fim da União Soviética, está preso na Sibéria. Não há evidência de que Putin esteja por trás destes atos, mas há consenso de que coisas ruins acontecem a pessoas que desafiam sua autoridade. Kasparov sabe que poderá figurar nesta lista:
- Faço uma política de redução de riscos, embora ninguém esteja seguro na Rússia de Putin - afirma.
Vladimir Posner, apresentador de um programa de entrevistas, diz que Kasparov é um brilhante jogador de xadrez, mas hoje, em termos políticos, uma figura decorativa.
- Ele não seria eleito nem para ser o dono da carrocinha de cachorros da cidade - brinca.
Para Vyacheslav Nikonov, assessor do Kremlin, Kasparov representa "apenas 3% ou 4% do eleitorado liberal que não está satisfeito com Putin".
- Nas pesquisas de opinião, você não vê a democracia entre os 30 principais itens que preocupam os russos. À frente, queremos empregos, o fim da corrupção, do crime e a volta da assistência governamental - sustenta o especialista.
É o que Putin está fazendo.

Macaco, Tião, Cacareco e Cia

Aos ilustres nomes do título acima adiciona-se, agora, o de Stephen Colbert, o maior humorista americano da atualidade, que semana passada anunciou ser candidato à Presidência dos Estados Unidos por ambos os maiores partidos, Republicano e Democrata. Colbert registrou-se quarta-feira pela Carolina do Norte, o Estado onde foi criado, e com sua força – seu programa The Colbert Report é um dos mais vistos na TV americana – é capaz de atrapalhar o caminho de muita gente, da mesma forma que advogado dos consumidores Ralph Nader roubou votos do democrata Al Gore e deu a presidência americana ao republicano George W. Bush em 2000.
Tião era um macaco, Cacareco um rinoceronte, mas Colbert é diferente. Ao lado de Jon Stuart, do The Daily Show, representa uma incrível tendência na política americana: os eleitores preferem se informar sobre política em programas que ridicularizam os políticos. A política tradicional, aquela que os gregos elegeram como a atividade mais importante do ser humano, ficou restrita aos sonolentos debates da TV e nas mãos de poucos eleitores (30% da população) que ainda se dispõem a sair de casa e votar.
Em seu programa de meia hora no final da noite no Comedy Central, Colbert desdenha de todo mundo, especialmente dele mesmo. Ele era um obscuro ator quando começou a trabalhar para o The Daily Show, onde fez sucesso como correspondente sênior na Casa Branca entre 1997 a 2005. A receptividade foi tão grande que o próprio Jon Stuart convidou (e produziu) um programa para ele, o The Colbert Report, uma paródia ao programa do porta-voz da direita, Bill O’Reilly, do The O’Reilly Factor, na Fox News.
` Colbert começou a chamar atenção dos políticos quando iniciou uma série de entrevistas com boa parte dos congressistas americanos no Capitólio, e freqüentemente parecia dormir à frente dos deputados ou fazer perguntas sem nexo que deixavam os parlamentares perplexos. Os próprios deputados e senadores se ofereciam para aparecer no programa, confiando na alta audiência. Mas a coisa ficou tão ridícula que a liderança do Partido Democrata recomendou que os deputados evitassem o programa para não ridicularizar o Parlamento.
O sucesso do comediante só aconteceu entre o grande publico quando, no tradicional jantar da Associação dos Correspondentes da Casa Branca, chocou o presidente Bush com piadas desrespeitosas para um chefe de Estado, seja ele qualquer. De repente, sua audiência subiu cerca de 30% no Comedy Central. Afinal, Colbert não tem compromisso com ninguém, nem com ele mesmo. Se autodescreve como “bem intencionado, pouco informado...um idiota de alto nível”, ao mesmo tempo “egomaníaco, xenófobo e anti intelectual”.
Uma pesquisa da Public Opinion Strategies mês passou descobriu que Colbert receberia 2.3% dos votos democratas, mais do que Bill Richardson, Christopher Dodd, Dennis Kucinich e Mike Gravel, que disputam com Hillary Clinton e Barack Obama a indicação do partido para a presidência dos Estados Unidos. Ele receberia 13% se sua candidatura fosse independente contra Rudy Giuliani, o favorito dos Republicanos, ou mesmo contra Hillary Clinton.
Os resultados são especialmente contundentes entre jovens de 18 a 29 anos, onde Colbert tem 28% da preferência do eleitorado. Um comentarista de TV chegou a dizer que ele estaria à frente dos todos os demais candidatos agora em meados de novembro. No Facebook, o site de relacionamento mais famoso do mundo, ele tem um fã clube de mais um milhão de jovens, e é considerado o grupo que mais cresce em toda a história do site – 83 pessoas por minuto.
Colbert diz já ter 15 milhões de dólares no caixa de campanha, através de doações do Doritos, a fritura vendida pela Pepsi. Já disse que, se eleito, “será tão bom para o país quando Doritos é para o seu corpo”. Os aspectos legais da campanha – se ele pode ou não ser candidato, principalmente- já dividem democratas e republicanos. Muitos blogueiros o chamam de “O Retrocesso Colbert”, por invadir o território político cruzando a linha da sátira e, assim, bagunçando todo o processo.
Colbert presidente pode ser uma sátira exagerada, como no filme “O Homem do Ano”, com Rob Willians. Mas ele já foi eleito pela revista Time uma das celebridades mais influentes de 2006, enquanto o New York Magazine o escolheu como uma das mais influentes personalidades da mídia. Em 2007, foi eleito pelo U.S. Comedy Arts Festival como A Personalidade do Ano e Um dos mais sexy homens vivos, entre outros prêmios. A coisa ainda está na brincadeira, mas como na história do bode na sala, está começando a incomodar. Seriamente.