segunda-feira, 2 de abril de 2007

RP, a engenharia do consenso

O fato de a senadora democrata Hillary Clinton pender para a direita, e assim agradar o eleitorado republicano, faz com que o chamado "Pai das Relações Públicas", o austríaco-americano Edward Bernays, falecido em 1995 aos 104 anos de idade, esteja se revirando no túmulo. Bernays, sobrinho do "Pai da Psicanálise", Sigmund Freud, fonte da qual sugava os fundamentos para forjar e moldar a opinião pública norte-americana no século passado, fundou aqui a chamada ciência do spin, ou a arte de encadear discursos, ações, frases e press-releases, que moldam a opinião pública em favor do dinheiro, do poder ou de qualquer outro objetivo, lícito ou ilícito. Líder nas pesquisas na corrida à presidência em 2008, Hillary parece hoje ter esquecido seu combativo passado e ser apenas um fantoche no mundo das relações públicas, um setor que vai gastar este ano cerca de US$ 4 bilhões só nos Estados Unidos, segundo o jornal Financial Times. É uma montanha de dinheiro, utilizada especialmente nos bastidores, longe dos olhos do público (de preferência), para pagar assessores de imprensa, lobistas, pesquisadores, analistas, blogueiros e tudo que possa lustrar (às vezes destruir) a imagem dos pessoas e corporações. Tudo começou no início do século passado, quando Bernays, recém-chegado da Europa, ouviu de um fabricante de toucinho que suas vendas estavam indo morro abaixo. Bernays, numa jogada de mestre, perguntou a cinco mil médicos nos Estados Unidos se o desjejum matutino deveria ser uma refeição leve (como chás e torradas), ou forte, repleto de proteínas. A resposta, óbvia, recaiu sobre a segunda opção. Bernays então divulgou esta pesquisa para propagar que bacon com ovos era a melhor opção de breakfast para as donas de casa protegerem a saúde familiar. Assim, tornou-se também o pai do bacon & eggs, um café da manhã tão arraigado na tradição norte-americana quanto o Valentine's Day, e que desde então vem entupindo de gordura as artérias dos norte-americanos todas as manhãs. Depois deste sucesso, o sobrinho de Freud também recebeu uma missão de um fabricante de tabaco. Segundo seu biógrafo Larry Tye, em The Father of Spin, as mulheres americanas tinham vergonha de fumar em público, obedecendo a um tabu machista da época. Conversando com o tio em Viena, descobriu que o cigarro representava para as mulheres "tochas da liberdade" contra a opressão masculina. Ele, então, inventou o dia da liberdade nos Estados Unidos: conclamou as mulheres a desfilarem na Park Avenue, em Nova York, fumando. E chamou a imprensa. As fotos das mulheres carregando aquelas pequenas tochas fumegantes circularam em praticamente todos os jornais dos Estados Unidos, destruindo o tabu e trazendo grandes lucros para os fabricantes de cigarros. Todos estes casos estão documentados no Museu das Relações Públicas: (http://www.prmuseum.com) repleto de saudações e datas. Ali, podem-se ver todas as artimanhas de Edward L. Bernays e outros menos famosos, como Ivy Lee, Chester Burger e Carl R. Byoir. A exemplo dos jornalistas, que separam o joio do trigo e publicam o trigo, como se diz nos cursos de comunicações, os relações públicas também fazem a mesma coisa - só que realçam o joio. Pouca gente sabe que o falecido Sadam Hussein, por exemplo, era apenas um ditadorzinho qualquer até que um arquiinimigo seu, do Kwait, contratou a empresa de relações públicas norte-america Hill & Knowlton para demonizar o homem. Deu no que deu. O mesmo com a ex-modelo da Playboy Ann Nicole Smith, morta semana passada, que aos 26 anos casou-se com o bilionário J. Howard Marshall, 90 anos, mas "a pedido dele e por amor", segundo se falou na CNN. Trata-se, obviamente, de mostrar o outro lado, de ouvir (e respeitar) a outra versão, uma prática basilar do jornalismo, destilada também pelo pessoal de relações públicas. Pelo mesmo prisma, George W. Bush tem razão em invadir o Iraque, derrubar um ditador, levar a democracia ao Oriente Médio, estabilizar o preço do petróleo e gastar US$ 2 bilhões por semana, tanto lá quanto no Afeganistão, jogando nas guerras quase a metade do orçamento anual dos EUA. Revoltante? Nada disso. É apenas o outro lado. Enxergá-lo não é apenas um desafiante exercício mental. É um expediente que o pai das Relações Públicas chamava de "a engenharia do consenso".

No lado escuro da Lua

Aterrissar a bordo do Air Force One no Aeroporto Internacional de Pequim, num nebuloso dia de fevereiro de 1972, era o mesmo que descer no lado escuro da Lua, recorda o lendário repórter Ted Koppel, hoje na NPR, a rádio pública norte-americana. Ted, que acompanhou a dupla Richard Nixon-Henry Kissinger na primeira viagem à China depois de um quarto de século de guerra fria - os dois países nem se reconheciam politicamente - encontrou uma "nação cinza, suja e ainda horrorizada com os expurgos da Revolução Cultural" iniciada em 1966. "Nada que se equipare à potência econômica e militar de hoje", adiciona ele, 35 anos depois. Nixon, republicano e direitista, que elegeu-se mandando o porrete nos comunistas e seus "carrascos", estava sitiado por uma presidência medíocre, uma mistura de derrota diária no Vietnã e o temor do crescente poder militar soviético. Único presidente norte-americano a renunciar (depois do escândalo de Watergate), Nixon era um político arguto, vidrado em política internacional, especialmente com o secreto modo de vida que se desenrolava atrás da "Cortina de Ferro", a União Soviética, ou a "Cortina de Bambu", a China. Três anos antes de pisar em solo chinês, ainda comemorando a chegada do astronauta Neil Armstrong à Lua, ele confidenciou ao seu assessor de segurança nacional, o judeu-alemão Kissinger, que os Estados Unidos precisavam, já naquela época, de uma outra potência econômica na Ásia, que concorresse com o American way of life. Parte da estratégia para derrotar o desejo expansionista de Moscou. Deu no que deu. No livro Nixon and Mao - A semana que mudou o mundo, a historiadora Margaret Macmillan, da Universidade de Toronto (Randon House) considera a estratégia de Nixon, que resultou no encontro dos dois líderes por não mais que 50 minutos, num dos gestos políticos mais grandiosos da história moderna. A partir dali, com o apoio americano, em detrimento do antigo aliado Chiang Kai-shek, de Formosa (hoje Taiwan), a China começou a se reerguer da histórica improdutividade comunista (planos qüinqüenais, expurgos para o campo, milhões de chineses presos e torturados etc) até se tornar a terceira potência mundial de hoje e - é sempre bom lembrar - o maior credor dos Estados Unidos, com mais de meio bilhão de dólares em bonds. Até sair da base aérea de Andrews, Nixon, contudo, não tinha a menor idéia se encontraria Mao Tsé Tung. O lendário (e promíscuo) dirigente, que durante toda a vida se recusou a tomar antibióticos e aos 80 anos ainda era chegado na medicina chinesa, estava mal das pernas, literalmente. Além das eventuais falhas nos batimentos cardíacos, alta pressão arterial e uma torturante tosse por conta da água no pulmão, Mao não conseguia andar com o inchaço das pernas. Mas, devido à excitação do velho dirigente em conhecer um cowboy norte-americano, seus médicos e concubinas cortaram seus cabelos e unhas e, em seguida, o ajudaram a se levantar (pelo menos para cumprimentar Nixon), colocando respiradores artificiais e balões de oxigênio escondidos atrás de uns vasos (chineses) - um pequeno hospital ambulante doado pelos próprios americanos com medo que Nixon, e não ele, passasse mal durante a estada na China. Nixon, ao contrário da musa carioca Danusa Leão - que segundo a lenda voltou de Pequim (sem o marido Samuel Wainer) 48 horas depois que chegou por não ter encontrado seu xampu favorito - adorou a viagem. O livro de Macmillan, um delicioso relato de 404 páginas cheias de detalhes, biografias e fotos sobre a histórica missão, escancara as contradições entre as duas civilizações. Durante todo o tempo que Nixon conversou com Mao, acompanhado por Kissinger, Chou En-Lai (o então premier) e apenas um guarda-costas (uma exigência dos chineses), tentou bater de frente falando de problemas como a guerra na Indochina, as relações com Formosa (hoje Taiwan), mísseis balísticos e outros temas ainda mais bélicos. Mao, falando pousadamente, recusou-se a discuti-los, argumentando que, como chairman do Partido Comunista, só falaria sobre temas filosóficos. Após o encontro, já à noite e depois de alguns drinques, Nixon reuniu seus assessores para decifrar o que ouviu do velho dirigente. Descobriram que, por aquelas tortuosas linhas, existia uma profusão de detalhes fundamentais que iriam nortear as relações entre os dois países por décadas. A não ser Kissinger, todos os participantes daquele histórico encontro já estão mortos. Morreram sem saber que, dali a alguns anos, ambos os países fariam uma dobradinha política e econômica que dominaria, talvez por mais de cem anos, os destinos do mundo.

Deus é bom para os negócios?

A demissão de Thomas Mapother IV, mais conhecido como Tom Cruise, um ator bonitinho mas ordinário (como diria o insubstituível Nelson Rodriges) que rendeu mais de US$ 3 bilhões à Paramount desde 1992 é prova de que misturar religião e negócios dá confusão – e muitas vezes prejuízo.
Uma ajuda divina é sempre bem-vinda na hora de fechar um contrato, escolher um parceiro certo, voltar a ter lucro ou, como acreditam alguns, espantar o mau olhado.
A religião torna-se um dínamo dos negócios quando você é evangélico, mórmon, judeu ou pertence a cultos que, inteligentemente, funcionam também como irmandades de auto-ajuda empresarial, referendando serviços ou produtos entre irmãos e irmãs.
Mas no caso do controverso Tom Cruise, 44 anos, é diferente. Sua fé cega na tal da Igreja da Cientologia o fez brigar em público com Matt Lauer, o Renato Machado das manhãs da rede NBC (“psicoterapia”, disse Cruise, “é negócio do diabo”) ou com a ainda estonteante Brokie Shields, que teve depressão pós parto (“depressão na existe”), iniciando uma guerra de palavras entre celebridades que foi parar na capa do The New York Times.
Não deu outra. Calcula-se que seu comportamento esquisito (chegou a pular como macaco no sofá da apresentador Ophra Witney , a Hebe Camargo daqui, gritando que estava apaixonado pela que seria quarta mulher, Katie Holmes) deu um prejuízo de US$ 100 a US$ 150 milhões a Sumner Redstone, o lendário (83 anos) chefão da Paramount, um dos maiores – e o mais antigo – estúdios de cinema do mundo.
Para quem, como Redstone, está acostumado a faturar cerca de meio bilhão de dólares por cada Missão Impossível, o comportamento de Cruise está realmente impossível. Está se tornando inconveniente.
A “máquina Cruise” de fazer dinheiro (na história do cinema não existe ator que mais trouxe ou traz gente ao cinema) recebe cerca de 20% da venda dos ingressos e de DVDs – o que para Hollywood incomoda mais ainda, pois está totalmente fora dos padrões, digamos, hollywoodianos.
Esta máquina, segundo quem acompanha o caso de perto, não deve ser utilizada para arrebanhar ovelhas perdidas, infiéis de outras religiões ou, simplesmente, descarregar preceitos religiosos em milhões (no caso de Cruise, bilhões) de fãs.
Tem gente, por exemplo - aliás, a maioria - , que não pertence à Igreja da Cientologia, religião criada pelo autor de mais de 5 mil livros de ficção científica L. Ron Hubbard. Acha-a, simplesmente, ridícula.
Religião é negócio de foro íntimo. É uma conversa particular com Deus, como diria Gilberto Gil. É tema a ser evitado em reuniões (principalmente de negócios), em conversas com motoristas de táxi ou até em discursos de candidados à presidência.
Na escala global, não pode servir para dizimar infiéis, como o radical islamismo de Bin Laden, ou proibir as mulheres de abortarem ou não, de estancar as pesquisas com célula tronco ou negar a pílula do dia seguinte sem receita médica, como reza o evangélico George Bush.
Enfim, como dizem os críticos de Bush, não se pode confundir o Estado com a religião, preceitos próprios com verdades imutáveis, o Deus de cada um com os Deuses dos outros.
Os pais fundadores, como é chamado o grupo de ilustres que escreveu a Constituição Americana, deixaram claro na Primeira Emenda (que muita gente pensa que só se refere à liberdade de expressão) a clara separação em Estado e a Igreja.
Querendo evitar tudo que sofreram durante a brutal colocanização inglesa, imaginaram uma pátria em que todas as religões teriam lugar, seriam respeitadas e viveriam em harmonia. Sabiam que, em nome de Deus, e mesmo a contragosto, os homens (e mulheres) fazem, infelizmente, muito mais o mal do que o bem.
Das 27 guerras em andamento em todo o mundo atualmente, por exemplo, 90% têm fundo religioso – embora, como se sabe, todas as guerras são batalhas entre interesses econômicos.
Tom Cruise deveria guardar sua batalha espiritual para si mesmo. Caso contrário, Deus vai atrapalhar ainda mais seus negócios. Ganhar dinheiro – para si ou para as milhares de pessoas que dependem dele – vai se tornar cada vez mais uma missão impossível.

Solidariedade e US$ 206 bilhões do governo

"Você tem câncer", as três palavras mais temidas aqui nos Estados Unidos, voltaram a assombrar o país na semana passada, quando Elizabeth, esposa do candidato democrata John Edwards, anunciou não só o retorno da doença, como também metástases em diferentes partes do corpo. Um dia depois de solidarizar-se com Beth durante a conversa matinal com jornalistas na Casa Branca, o porta-voz da Presidência, Tony Snow, também revelou que seu câncer de cólon, combatido há dois anos com uma cirurgia, havia voltado com carga total, desta vez também com metástase no fígado. Ambos os casos detonaram uma enxurrada de reportagens na mídia, em "efeito manada" poucas vezes visto na imprensa do país. As notícias foram misturadas a dezenas de manifestações de solidariedade que fazem lembrar o escritor mineiro Otto Lara Resende, dono da famosa frase "o mineiro só é solidário no câncer". A doença, que atinge um entre cada três americanos, principalmente após os 70 anos, provocou o aumento da popularidade (e de doações) do candidato democrata John Edwards, como também fez do porta-voz Snow, criticado por ser o maior defensor da direita americana, uma figura simpática, legal, além de uma "peça-chave" no desgastado governo Bush. Ou seja, quem era opaco ganhou brilho. Quem era detestado ficou bonzinho. Tanto Tony quanto Elizabeth deram um show de relações públicas, convocando a imprensa antes que as más notícias fossem vazadas pelos médicos. Elizabeth, no entanto, que já escreveu um livro sobre a sua luta contra a doença, postou-se ao lado do marido, apoiou-o na decisão de manter sua candidatura ("não posso desviar este bom homem do seu destino de servir à pátria"). E, melhor ainda, deu o recado final: sou como todos vocês, também vou morrer um dia, apenas sei de quê provavelmente eu vou morrer. O câncer, como se sabe, domina o imaginário coletivo porque é a negação da vida. É o próprio corpo produzindo células que levam à destruição dos órgãos afetados, na maioria das vezes pulmão, cólon, mamas e próstata - e conseqüentemente à morte. Este ano, cerca de 1,4 milhão de norte-americanos ouvirão as palavras "você tem câncer" de seus médicos. Boa parte destas pessoas vai morrer antes da hora. Para o campeão de corridas de bicicleta Lance Armstrong, também um sobrevivente de câncer nos testículos, é como se a cada 48 horas houvesse um novo 11 de Setembro com superior número de vítimas. Por ser uma doença apavorante, boa parte da pesquisas na medicina (mais de 600 hoje em dia) estão direta ou indiretamente relacionadas ao tema. Seja através de sofisticadas cirurgias, radiações e quimioterapias que atingem apenas os órgãos afetados, ou mesmo modificações genéticas que aumentam exponencialmente o sistema imunológico das pessoas, médicos e pesquisadores estão derrotando a doença, ou pelo menos tornando-a menos agressiva. A idéia, segundo Katie Couric revelou no CBS News não é só fazer com que diversos tipos de câncer sejam curados - se não o forem, que fiquem como parte do dia-a-dia das pessoas, como, por exemplo, diabetes e outras doenças consideradas "mansinhas", tratáveis ao logo da vida até o dia final. A maior amiga do câncer, como sempre, é a falta de informação. As pessoas, em geral, morrem de medo de serem diagnosticadas, e por isto dão uma de avestruz fugindo do câncer simplesmente ignorando-o. Por outro lado, ter uma postura ativa, enfrentar (e cumprir) os tratamentos e querer viver é o que o câncer menos gosta. Em geral, pessoas otimistas têm 90% da guerra ganha. Mas o maior problema, como foi revelado no programa, é que uma vez diagnosticada custa muito dinheiro manter-se vivo. Segundo o National Institute of Health, cerca de US$ 50 mil apenas em remédios. Os pacientes gastaram em 2006 cerca de US$ 78 bilhões em tratamentos (cerca de 22% só em remédios), ao passo que todo o sistema de saúde norte-americano desembolsou US$ 206 bilhões no ano passado entre diversos procedimentos. Como reduzir as chances de ser atingido pelo câncer? É a mesma ladainha de sempre: vida saudável, exercícios físicos, parar de fumar, queimar as gordurinhas a mais e.... comer brócolis. Segundo os pesquisadores, está se comprovando que este insosso vegetal é uma espécie de bom-bril quando se trata de evitar a doença. Tem mil e uma utilidades.