sexta-feira, 13 de abril de 2007

Cabeça, vazia, oficina do diabo

Aposentado não é vagabundo, ao contrário do que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo um aposentado que junta seu polpudo salário com palestras de mais de 50 mil dólares. Mas o exemplo do maior repórter norte-americano, Mike Wallace, do 60 Minutes, 88 anos dia nove de maio último, é surpreendente ? e exemplar. Ele, literalmente, não se aposentou do programa de maior audiência nos Estados Unidos, uma espécie de Fantástico da Rede Globo, mas sem sexo, violência e banalidades que costumam deprimir os brasileiros nas noites de domingo. Às vésperas de entrar na décima década da sua vida e usufruir de seus milhões de dólares numa praia deserta, apenas anunciou que vai reduzir sua carga de trabalho. Por quê? Para ele, cabeça vazia é a oficina do diabo. Ou melhor, seu nome é trabalho, seu sobrenome é muito.Para compensar esta perda parcial, que poderia fazer estrago na audiência depois de 37 anos, a CBS anunciou que vai juntar ao time do 60 Minutes nada menos que Anderson Cooper, da CNN, o repórter mais famoso dos Estados Unidos hoje (graças do furacão Katrina) e a simpática Katie Couric, que junto a Matt Lauer apresentou o Today (nosso Bom Dia, também da Globo) durante décadas.Mesmo nesta idade provecta, Mike Wallace não perde o vigor e a simpatia. Casou-se inúmeras vezes, perdeu um filho (Peter) num acidente nas montanhas, foi acusado de montar armadilhas, ou pegadinhas, para os entrevistados e ? o mais grave - sofreu durante muito tempo de depressão, causada, entre outros motivos, pelos inúmeros processos judiciais que enfrentou durante a vida. ?Primeiro eu não conseguia dormir, depois eu não conseguia comer. Sentia-me sem esperança ou com a mínima vontade de lutar?, diz Mike, um judeu filho de imigrantes russos. ?Foi aí que eu perdi toda a perspectiva das coisas. Você fica louco. Eu tinha feito uma história para os 60 Minutes sobre depressão, mas eu não tinha idéia de eu experimentaria esta doença. Finalmente, tive um colapso e fiquei de cama?. Mais tarde Mike confessou que tentou se suicidar.Tamanhos altos e baixos confirmam o dito mineiro ?você vê as pingas que eu tomo mas não vê os tombos que eu levo?. Nenhum repórter em todo o mundo entrevistou (e irritou) tanta gente importante, entre ditadores, atletas, artistas, reis e rainhas. Mike esteve com Deng Xiaoping, Ayatollah Khomeini, Yasser Arafat, Martin Luther King, Anwar Sadat, boa parte da família real americana (os Kennedy) e Manuel Noriega, o ex-ditador panamenho que o considerou um ícone do jornalismo de sabotagem.Wallace teve dois momentos decisivos na sua carreira. Teve de se retratar quando o general William Westmoreland, comandante das tropas americanas no Vietnã, acusou e processou-o e seus produtores de não usar ?próprios padrões de imparcialidade?, durante um documentário em 1985.Depois, no rumoroso caso que envolveu uma ação judicial de US$ 246 bilhões movida por 50 estados americanos contra a indústria do tabaco. Para quem se lembra, Mike foi representando pelo ator Christopher Plummer no filme O Informante. A CBS grava uma entrevista de Jeffrey Wigand (Russell Crowe), cientista e principal testemunha contra a indústria, com conteúdo devastador. A CBS teve de voltar atrás na apresentação da entrevista. O filme é baseado no artigo da revista ?Vanity Fair? intitulado ?O Homem Que Sabia Demais?. Considerado um ícone do jornalismo norte-americano, ao lado de Edward R. Murrow (Boa Noite, Boa Sorte) e Walter Cronkite (?O presidente John Kennedy acaba de ser assassinado em Dallas, Texas?), o? ?correspondente emérito? Wallace fez mais de 20 reportagens na última série do 60 Minutes, e ainda mais seis na atual série, incluindo uma entrevista com o ator Morgan Freeman e uma reportagem sobre veteranos do Iraque que perderam membros do corpo. Quando perguntado sobre seu amor ao jornalismo, ele responde. ?Eu não saberia fazer outra coisa?. E sobre seu merecido descanso, ele alfineta; ?Só vou me aposentar quando bater as botas?. Longa vida, Mike Wallace.

Um cafezinho de R$ 10,86

Você pagaria R$ 10,86 pelo cafezinho? Claro que não. É um absurdo. Mas na maior e mais famosa rede de cafeterias do mundo, a Starbucks, que tem o nome baseado naquele personagem do livro de Moby Dick que bebe café sem parar, isto é possível. É um preço justo, que ninguém reclama. Pelo contrário, aplaude.A Starbucks é obra de um homem chamado Howard Schultz, que em 1982 tomou um delicioso, cremoso e encorpado café na Starbucks do Pike Place Market, em Seattle, Noroeste dos Estados Unidos, uma cidade-antena que detecta tendências de consumo para todo o mundo. Ficou impressionado com a atração que aquela loja pioneira despertava em clientes fiéis, com um fervor quase religioso, sensação semelhante ao que sanduíches do trailer dos irmãos McDonalds provocaram no empreendedor Ray Kroc. Schultz, nascido pobre em Nova York, viu o que pouca gente via naqueles saudosos anos 80: os americanos não fugiam mais do café como o Diabo da cruz, como também começavam a amar aquela bebida nascida na Etiópia, descoberta graças a um pastor que notou a mudança no comportamento de suas cabras após comerem as frutinhas vermelhas.Boa parte dos 290 milhões de americanos estavam cheios de tomar bebidas sem gosto, sem autenticidade e, pior, de pouca qualidade. Exatamente como o site iconoculture.com, a bíblia dos marqueteiros da atualidade, detectou não só em relação ao café, mas a todas as bebidas: o mundo quer sabor, autenticidade e, se possível, produção artesanal, sem processos industriais.Schultz, como descreve em sua biografia Pour Your Heart into It: How Starbucks Built a Company One Cup at a Time, criou um modelo que juntava a experiência do Starbucks aos antigos bares italianos que vendem Expresso. Em pouquíssimo tempo, transformou aquela pequena cafeteria em um negócio de US$ 5 bilhões, com mais de 10 mil pontos em todo o mundo. O homem vende café do mundo inteiro, embalados em saquinhos desenhados rusticamente, com uma infinidade de nomes e sabores, geralmente exóticos, como americano gosta. Menos café do Brasil, porque aqui, acredita ele, não se faz uma bebida de qualidade. Se você nunca entrou numa loja Starbucks, ainda não sentiu o que entrar na porta do Céu. Trata-se de um refúgio seguro e silencioso da violência (e do tempo ruim) das grandes cidades americanas (ou nos 34 países onde já está). O ambiente não só cheira a café (como não poderia deixar de ser) mas exala calma, tranqüilidade, introspecção e felicidade. O Starbucks um dos melhores lugares do mundo para se trabalhar, segundo a Revista Fortune. Dá seguro saúde para todos os funcionários, que parecem se divertir o tempo todo. E é também uma das companhias multinacionais que mais trabalha a responsabilidade social e a sustentabilidade, especialmente na proteção de quem trabalha na roça de café.Lá dentro, parece que todo mundo está em transe, na chamada "experiência" de tomar café. Há conexões wi-fi de internet para todos, o jornal The New York Times à disposição, guloseimas, chocolates, acessórios (xícaras estilizadas, moedores, torradores etc.) e mais de 30 tipos de bebidas que usam como matéria prima o café.Mas se nós brasileiros produzimos quase metade da produção mundial do café, se tomamos café há 500 anos, se vendemos café até na Rússia desde a década de 70, o que fizemos de errado para cobrarmos um cafezinho a R$ 1 na padaria da esquina?Howard Schultz nasceu nos Estados Unidos, um país onde o sucesso é reverenciado, como todos sabem. Levantou capital, criou padrões, derrubou barreiras, transformou paradigmas e, sem publicidade, apenas no boca-a-boca e em relações públicas, criou um gigante que provê uma experiência única a quem o toca. Enquanto isto, nós brasileiros não investíamos na qualidade do nosso café, acabávamos com o Instituto Brasileiro do Café, nossos cafezais eram dizimados pelas cigarras (e pelas geadas), o governo não se entendia sobre os apoios aos produtores e, pior ainda, ninguém fazia, por exemplo, o que a Colômbia faz há décadas: investe religiosos US$ 50 milhões anuais em marketing. Como a velha do futebol, "quem não faz gol leva", a Starbucks ocupou espaços e fez sucesso. Investiu pesado em relações públicas, brochuras, sites na Internet etc. para ensinar a população a tomar café, ou melhor, "a viver a experiência única de tomar café".Assim, um norte-americano paga R$ 10,86 por um cafezinho de 50 mililitros cada, ou exatos R$156,3 mil (isto mesmo, centro e cinqüenta e seis mil reais e trinta centavos) pela saca que o cafeicultor brasileiro heroicamente produz (uma saca dá para fazer 14 mil e 400 cafezinhos) .A Starbucks fez do ato de tomar café nos Estados Unidos uma celebração espiritual. Em muitas casas, presencia-se cada vez mais um ritual demorado, que deixaria raivoso um monge zen-budista. Algo semelhante a estes vinhochatos que antes de beber falam horas sobre cor, aroma, robustez etc. Você, produtor, quer ganhar R$ 156,3 mil por saca? Claro que não. Mas antes que a Starbucks chegue, o que vai balançar os mercados dos Franz Cafés, Suplicys e Cafeeiras, é bom pensarmos no que estamos fazendo com o nosso café, hoje a commodity mais comercializada no mundo depois da água.

50 anos: e uma pergunta no ar

Larry King, nascido Lawrance Harvey Zeiger, o entrevistador-mor dos Estados Unidos, líder de audiência da CNN, com milhões de espectadores diários em todo o mundo, vai fazer 50 anos de entrevistas (cerca de 40 mil, segundo suas estimativas) em abril.
Nesta semana, em sua mansão em Pasadena, na Califórnia, ele disse que celebrará este meio século de perguntas com uma “big” programação na emissora, fundada pelo lendário Ted Turner: uma semana de entrevistas com Bill Clinton, Ophra Winfrey, Angelina Jolie e, como atração principal, ele mesmo. Será colocado na parede por Katie Couric, a âncora do CBS, a maior estrela da TV americana.
King, um homem que fumava três maços de cigarro por dia, teve um ataque cardíaco e hoje dirige uma fundação que socorre gente com problemas no coração, comanda o mais antigo programa de entrevistas que se tem notícia. Começou na CNN em 1987, mas vive de perguntas desde maio de 1957, quando largou a vassoura de uma rádio de Miami (ele era uma mistura de faxineiro e auxiliar de serviços gerais) e foi colocado no ar.
Pouco atraente, voz estridente e costumeiros deslizes gramaticais, o ex-entregador da UPS faz sucesso há cinco décadas fazendo perguntas. Só isso. Com óculos de fundo de garrafa, cotovelos na mesa e suspensórios vermelhos, ele não opina, não conversa ficado, não bate-boca e, o que deveria ser óbvio para todos os jornalistas, deixa o entrevistado falar. Faz perguntas instantâneas, à queima roupa, que apenas funcionam como fio condutor da conversa.
“O segredo de minha longevidade no ar é guardar para mim minhas opiniões e meu temperamento”, diz King, que vai fazer 74 anos. Ele já pensa antecipadamente em renovar o contrato com a CNN, que vence em 2009. Raramente vê TV, não usa internet e, todos os dias, leva seus filhos à escola (King foi casado oito vezes e tem seis filhos), na Califórnia, para onde se mudou para ficar mais perto das celebridades, que inundam seu programa.
Outro segredo de Larry é mais óbvio ainda: colocar o telespectador no centro do espetáculo. Todas as noites (o programa é transmitido às 9 horas na Costa Leste) dá espaço para perguntas via telefone ou email. Em seu website, Larry já deixa preparado um lugar para que a audiência lhe envie perguntas, nem sempre agradáveis aos entrevistados. No site também pode-se obter as transcrições de todas as entrevistas feitas.
Uma das atrações do programa é o trailler antes e depois de cada intervalo comercial. Pode ser o trecho de um filme, cenas de um show ou um discurso. Este expediente faz com que o telespectador se insira no contexto da conversa e se familiarize com o entrevistado. O nome do entrevistado e suas declarações mais polêmicas aparecem no letreiro durante todo o programa.
Foi por estes letreiros que King foi processado diversas vezes, pois muitos deles trazem pontos de vista ou opiniões preconceituosas a respeito do convidado ou da convidada.
Larry sempre foi absolvido com base na Primeira Emenda da Constituição norte-americana (Liberdade de Expressão), o que lhe dá o privilégio de editar as entrevistas como bem quiser.
Durante estes 50 anos, King teve a oportunidade de conviver, mesmo que por rápidos momentos, com celebridades de dois séculos, desde Eleonor Roosevelt e John Kennedy, até Tony Blair, Jerry Steinfield ou Monica Lewinsky. Já emprestou sua voz (e às vezes sua imagem) a mais de 20 filmes e desenho animados. Recentemente, gravou sua participação em Sherek 3.
Filho de judeus que emigraram do leste europeu, ele é, de tempos em tempos, ridicularizado pelos concorrentes ou pelos humorísticos por sua avançada idade à frente do programa. Um de seus maiores concorrentes, David Letterman, já colocou vídeos no ar mostrando King se transformar numa múmia, ou às vezes no esqueleto.
Na entrevista que deu a um jornal canadense, o Toronto Sun, King revelou quais celebridades ainda quer entrevistar. O Papa Bento XVI e Fidel Castro (antes que ele saia desta para uma melhor, segundo ele). O que você perguntaria a Fidel, indagou o repórter: “o que falhou, o que deu errado, por que o comunismo acabou”, sugeriu. King não perde uma chance. Há sempre uma pergunta no ar.