sexta-feira, 13 de abril de 2007

Um cafezinho de R$ 10,86

Você pagaria R$ 10,86 pelo cafezinho? Claro que não. É um absurdo. Mas na maior e mais famosa rede de cafeterias do mundo, a Starbucks, que tem o nome baseado naquele personagem do livro de Moby Dick que bebe café sem parar, isto é possível. É um preço justo, que ninguém reclama. Pelo contrário, aplaude.A Starbucks é obra de um homem chamado Howard Schultz, que em 1982 tomou um delicioso, cremoso e encorpado café na Starbucks do Pike Place Market, em Seattle, Noroeste dos Estados Unidos, uma cidade-antena que detecta tendências de consumo para todo o mundo. Ficou impressionado com a atração que aquela loja pioneira despertava em clientes fiéis, com um fervor quase religioso, sensação semelhante ao que sanduíches do trailer dos irmãos McDonalds provocaram no empreendedor Ray Kroc. Schultz, nascido pobre em Nova York, viu o que pouca gente via naqueles saudosos anos 80: os americanos não fugiam mais do café como o Diabo da cruz, como também começavam a amar aquela bebida nascida na Etiópia, descoberta graças a um pastor que notou a mudança no comportamento de suas cabras após comerem as frutinhas vermelhas.Boa parte dos 290 milhões de americanos estavam cheios de tomar bebidas sem gosto, sem autenticidade e, pior, de pouca qualidade. Exatamente como o site iconoculture.com, a bíblia dos marqueteiros da atualidade, detectou não só em relação ao café, mas a todas as bebidas: o mundo quer sabor, autenticidade e, se possível, produção artesanal, sem processos industriais.Schultz, como descreve em sua biografia Pour Your Heart into It: How Starbucks Built a Company One Cup at a Time, criou um modelo que juntava a experiência do Starbucks aos antigos bares italianos que vendem Expresso. Em pouquíssimo tempo, transformou aquela pequena cafeteria em um negócio de US$ 5 bilhões, com mais de 10 mil pontos em todo o mundo. O homem vende café do mundo inteiro, embalados em saquinhos desenhados rusticamente, com uma infinidade de nomes e sabores, geralmente exóticos, como americano gosta. Menos café do Brasil, porque aqui, acredita ele, não se faz uma bebida de qualidade. Se você nunca entrou numa loja Starbucks, ainda não sentiu o que entrar na porta do Céu. Trata-se de um refúgio seguro e silencioso da violência (e do tempo ruim) das grandes cidades americanas (ou nos 34 países onde já está). O ambiente não só cheira a café (como não poderia deixar de ser) mas exala calma, tranqüilidade, introspecção e felicidade. O Starbucks um dos melhores lugares do mundo para se trabalhar, segundo a Revista Fortune. Dá seguro saúde para todos os funcionários, que parecem se divertir o tempo todo. E é também uma das companhias multinacionais que mais trabalha a responsabilidade social e a sustentabilidade, especialmente na proteção de quem trabalha na roça de café.Lá dentro, parece que todo mundo está em transe, na chamada "experiência" de tomar café. Há conexões wi-fi de internet para todos, o jornal The New York Times à disposição, guloseimas, chocolates, acessórios (xícaras estilizadas, moedores, torradores etc.) e mais de 30 tipos de bebidas que usam como matéria prima o café.Mas se nós brasileiros produzimos quase metade da produção mundial do café, se tomamos café há 500 anos, se vendemos café até na Rússia desde a década de 70, o que fizemos de errado para cobrarmos um cafezinho a R$ 1 na padaria da esquina?Howard Schultz nasceu nos Estados Unidos, um país onde o sucesso é reverenciado, como todos sabem. Levantou capital, criou padrões, derrubou barreiras, transformou paradigmas e, sem publicidade, apenas no boca-a-boca e em relações públicas, criou um gigante que provê uma experiência única a quem o toca. Enquanto isto, nós brasileiros não investíamos na qualidade do nosso café, acabávamos com o Instituto Brasileiro do Café, nossos cafezais eram dizimados pelas cigarras (e pelas geadas), o governo não se entendia sobre os apoios aos produtores e, pior ainda, ninguém fazia, por exemplo, o que a Colômbia faz há décadas: investe religiosos US$ 50 milhões anuais em marketing. Como a velha do futebol, "quem não faz gol leva", a Starbucks ocupou espaços e fez sucesso. Investiu pesado em relações públicas, brochuras, sites na Internet etc. para ensinar a população a tomar café, ou melhor, "a viver a experiência única de tomar café".Assim, um norte-americano paga R$ 10,86 por um cafezinho de 50 mililitros cada, ou exatos R$156,3 mil (isto mesmo, centro e cinqüenta e seis mil reais e trinta centavos) pela saca que o cafeicultor brasileiro heroicamente produz (uma saca dá para fazer 14 mil e 400 cafezinhos) .A Starbucks fez do ato de tomar café nos Estados Unidos uma celebração espiritual. Em muitas casas, presencia-se cada vez mais um ritual demorado, que deixaria raivoso um monge zen-budista. Algo semelhante a estes vinhochatos que antes de beber falam horas sobre cor, aroma, robustez etc. Você, produtor, quer ganhar R$ 156,3 mil por saca? Claro que não. Mas antes que a Starbucks chegue, o que vai balançar os mercados dos Franz Cafés, Suplicys e Cafeeiras, é bom pensarmos no que estamos fazendo com o nosso café, hoje a commodity mais comercializada no mundo depois da água.

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