Lipitor, o remédio mais vendido em todo o mundo, com vendas de US$ 12,9 bilhões somente nos Estados Unidos em 2006, está sob o fogo cerrado das empresas de seguro saúde, como também de quem precisa abrir o bolso na hora de combater o colesterol alto. A estatina, um dos maiores sucessos da farmacologia desde Hipócrates na antiga Grécia, já salvou milhões de seres humanos de ataques cardíacos e de outros males decorrentes do entupimento das veias, embora a um preço pouco acessível à maioria dos consumidores. Lipitor está sendo vendido nas farmácias americanas, sempre sob estrito controle e com prescrição médica, o que no Brasil equivaleria à tarja preta, de US$ 109 a US$ 645, a caixa com 180 comprimidos. É muito dinheiro para quem precisa do Lipitor como do oxigênio para respirar: na maioria dos casos, pacientes com histórico familiar de alto colesterol, pessoas sedentárias que não fazem ginástica ou quem desconhece a diferença entre comer um toucinho e uma folha de alface. Essa turma começou a receber este ano cartas das empresas de seguro saúde dizendo que o campeão de vendas Lipitor não está mais na lista dos remédios preferenciais, o que significa dizer que os pacientes terão de pagar integralmente o valor da droga. Trata-se de uma reação mercadológica à gigante Pfizer, a maior farmacêutica do mundo, dona da patente do Lipitor até março de 2010. Do alto de sua majestade, e sempre alegando milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento que investiu até hoje, a empresa está fazendo justamente o contrário do que rezam os manuais das melhores práticas negociais. Ao invés de baixar o preço do produto para manter ou aumentar as vendas e enfrentar a concorrência, está gastando boa parte do seu orçamento de marketing, que vale US$ 3 bilhões, para comprar espaço publicitário nas grandes redes de TV e nos principais jornais americanos enaltecendo os milagres do Lipitor, que segundo ela reduz o colesterol em até 50%. Ao mesmo tempo, deslanchou esta semana uma campanha entre os médicos e farmacêuticos norte-americanos para demovê-los da idéia de receitar estatinas mais baratas (as chamadas genéricas), embora o Lipitor ainda responda por 43% das receitas médicas de estatinas, segundo o Public Citizen Health Research Group. Em outras palavras, a Pfizer receia perder dinheiro com este campeão de popularidade que empanturra o caixa da empresa desde a década de 80, quando o químico Bruce Roth sintetizou a estatina já tomada, hoje em dia, por mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas como não existe felicidade para sempre, em junho do ano passado um dos maiores concorrentes da Pfizer, a Merck, perdeu a patente de outra estatina, o Zocor, detonando uma reação em cadeia que iria deslanchar o sucesso dos chamados genéricos, que não têm a atratividade da marca, mas que, no fundo, fazem o mesmo efeito dos tradicionais. Não deu outra. A ação da Pfizer, geralmente um refúgio tranqüilo para investidores conservadores, caiu para US$ 22,41, para uma ação que já valeu quase US$ 50,00 no início desta década. Até hoje não se recuperou. Em janeiro deste ano, ferida também pela perda das patentes de outros remédios e por alguns revezes na descoberta de novos medicamentos, a empresa resolveu cortar mais de 7,8 mil empregados (10% da folha) fechando várias fábricas e centros de pesquisa, sob as ordens do novo executivo chefe, Jeffrey B. Kindler. A estratégia de Kindler de manter o preço do Lipitor se baseia na potência do medicamento - segundo pesquisas, nenhum outro é tão eficaz para determinados casos - como também no fato de que a Food and Drug Administration, o órgão do governo que está para a medicina assim como o Papa para os católicos, ter aprovado o medicamento para a redução de diversos problemas em pacientes com doenças do coração, incluindo hospitalizações por ataques cardíacos - o que vem sendo usado como um diferencial para combater a concorrência. A briga em torno do Lipitor está no meio de um intenso debate ético e mercadológico. Quem deve pagar pelos altos custos do desenvolvimento de drogas que salvam vidas em qualquer setor da medicina hoje em dia? Existem limites para empresa como a Pfizer ganhar bilhões de dólares em lucros durante sucessivos anos à custa dos doentes? As patentes devem ser respeitadas, mesmo que isto custe a morte de muita gente que não tem dinheiro para tomar esses remédios?
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