quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os Estados Unidos são excepcionais?


De vez em quando surgem no horizonte teorias que nos causam arrepios. É o caso da tese, por exemplo, do excepcionalismo dos Estados Unidos, falado à queima roupa nos debates de TV quando acabam as justificativas para a série de erros que o país vem cometendo desde que os democratas deixaram o poder. À primeira vista, o American Excepcionalism parece ser mais um exercício de ego do país que, em toda a história da humanidade, conseguiu concentrar um inconcebível poder político, econômico e militar.

Justiça seja feita, no entanto. Esta tese não tem nada a ver com superioridade, mas sim com diferenciação. Cunhada pelo pensador político francês Alexis de Tocqueville, que escreveu Democracia na América, o pressuposto é o de que os Estados Unidos e seu povo diferem do resto do mundo porque para cá convergiu uma miríade de povos de várias raças e cantos do mundo (e como continuam chegando), mas sem arredar pé de valores inalienáveis, como democracia, o império da lei, a liberdade, o bem comum, o jogo justo, a propriedade privada, os direitos humanos e o governo constitucional.

O problema é que agora, tal qual Roma, os Estados Unidos estão sendo vítimas do poderio que mantém desde meados do século passado, segundo Andrew J. Bacevich, um professor de História e Relações Internacionais da Universidade de Boston e coronel de reserva. Ele acaba de escrever The Limits of Power: The End of American Exceptionalism, uma interessante autocrítica sobre a paulatina perda do poder de uma Nação.

Segundo Bacevich, a ética da auto gratificação – notadamente numa nação que deve pelos cotovelos e que, apesar das ameaças, continua gastando quase a metade do que o mundo produz – é a saúva que está acabando com os Estados Unidos. É um contraponto à pedra basilar que torno da qual este país se formou – a crença puritana de que somente o trabalho duro e auto abnegação levam ao sucesso.

Para o autor, a única superpotência mundial, com as forças armadas superiores à soma de todas as outras, também se meteu em compromissos externos que, a cada dia, é obrigada a sustentar sem ter os meios para tal – uma referência a Guerra do Iraque ou do Afeganistão. Ou ajudar povos que os americanos só ficaram sabendo outro dia – e pelo noticiário – como a Ossétia do Sul, o enclave da Geórgia invadido pela Rússia.

Tudo que sobe, desce, diz o ditado. O excepcionalismo norte-americano, no entanto, continua a desafiar a ordem natural da história. Ao contrário do império romano, ou mesmo de um exemplo mais recente, o império britânico, onde o sol nunca se põe, ou se punha, a decadência do país já foi anunciada em prosa e verso repetidas vezes, e para todo mundo ouvir.

O interessante é que o país, por ser excepcional, cai, levanta, dá a volta por cima e lá em cima permanece. Vejam, por exemplo, o resultado da conjunção dólar fraco associado ao alto preço do petróleo. Aumentando sua competitividade com a desvalorização da sua moeda, e tornando oneroso o transporte com o aumento de preço do petróleo (um container da Shangai para Nova York passou de US$ 2 mil para US$ 8 mil), o país provoca o reverso da globalização que ele próprio criou, trazendo de volta muitas das indústrias (e dos empregos) que perdeu.

Como ainda dita os destinos da humanidade, os Estados Unidos ainda farão qualquer coisa a seu alcance para não perder a hegemonia. E, assim, ganhará mais tempo de poder do que a história lhe reservou.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Viva a diferença, mas com direitos iguais


Traída pelo marido, traída pelo Partido Democrata e agora por Barack Obama, que não a escolheu para ser vice-presidente na sua chapa à Presidência dos Estados Unidos, a senadora por Nova York Hillary Rodham Clinton, 60 anos, não deixou por menos. Subiu semana passada no palanque da convenção do partido em Denver, Colorado, e, lá de cima, jurou fidelidade ao marido (“um dos melhores presidentes norte-americanos até hoje), ao Partido (“precisamos nos unir) e a Obama (“ele é o meu candidato”).

Mulher traída, como se sabe, é um dos bichos mais perigosos que existe. Quando traída politicamente é pior ainda. Mas Hillary, que sofreu as duas traições, é diferente. Como animal político, capaz de manter um casamento com um marido que fez sexo com uma estagiária dentro de sua própria casa, a determinação da ex-primeira dama dá inveja tanto em homens como em mulheres. Embora rica com as vendas de sua biografia (sua fortuna é avaliada em US$ 34,9 milhões), ou com as palestras do Bill, Hillary vem gastando um dinheirão desde que começou a campanha –e, o pior, está devendo os bicos. Mesmo assim, não desiste.

Ela chegou a Denver, sempre naqueles conjuntinhos que as mulheres executivas usam para não ficar muito tempo diante do armário, com um fantástico respaldo político. Teve mais votos, mais estados e mais delegados que qualquer outro candidato na história das convenções democratas, mas mesmo assim não obteve o consenso do partido. Hillary, a exemplo de outras mulheres no poder, tem um alto índice de rejeição, especialmente de mulheres que acham que lugar de mulheres é em casa, esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque, como se diz.

Fora este machismo, que nos Estados Unidos é jogado na cesta comum do que os americanos chamam de sexismo, há quem ache que Hillary na Casa Branca seria um problema. Primeiro, porque não teria peito suficiente para ocupar o cargo mais importante do mundo, um lugar onde, com uma pincelada, pode-se mudar o rumo da história do Universo, para o bem ou para o mal. Segundo, porque é casada com Willian Jefferson Clinton, cujo papel seria viver na Casa Branca e, o que é pior, à toa. E como é perigoso homem sem fazer nada dentro de casa.

Hillary subiu no palanque falando “sou uma mãe orgulhosa, uma orgulhosa democrata, uma orgulhosa norte-americana e um orgulhoso cabo eleitoral de Obama” com uma plataforma política própria, mais uma vez. Ali, caso falasse a linguagem dos homens, e não da política, falaria: “Perdi a batalha – aliás, diversas batalhas – mas aqui ainda estou, representando todas as mulheres do mundo, lutando por um lugar ao sol neste mundo machista, bélico, antiecológico e inconseqüente”.

Está certo que a presença de Hillary foi apagada pela ovação de mais de 10 minutos ao ex-presidente Bill Clinton, ou pelo irrepreensível discurso de Barack Obama (já vi discursos ótimos, mas o de ontem será visto daqui a 40 anos com a mesma devoção). Hillary volta ao Senado para continuar sua representação do povo de Nova York. A ex-candidata à Presidente vai ser provavelmente ministra de Obama. E, de lá, tentar novamente ser a presidente dos Estados Unidos.

O mundo precisa de um Obama

Está certo que a dupla republicana John McCain/Sarah Palin, confirmada semana passada na convenção de Saint Paul, Minnesota, tem experiência administrativa, história política ilibada e fama entre a metade eleitores norte-americanos que, ninguém sabe porque, insiste em ser republicana depois de oito anos de governo Bush.

Mas para o observador atento que assistiu ao discurso de ambos, os Estados Unidos estão em vias de repetir o desastre bushiano por mais quatro ou oito anos. McCain e Palin são beligerantes, arrogantes, antigos e principalmente míopes para o mundo que trocou a simpatia pelo ódio contra um país que se tornou, desde meados do século passado, a sede do império.

Em outras palavras, o recado que o mundo está dando aos Estados Unidos é: pare de fazer guerra, exerça a diplomacia, ajude o resto do mundo e vamos ser todos felizes. O discurso da dupla – como também de outros republicanos ilustres, como o do ex-prefeito de Nova York Rudolf Giuliani – aponta na direção contrária. É porrada só. No estilo “escreveu não leu o pau comeu”.

Barack Obama, o candidato democrata, pode ser inocente, despreparado e negro num país que celebra com um feriado nacional o aniversário do assassinato de seu maior líder negro – Martin Luther King, Jr., mas tornou-se uma celebridade capaz de reunir mais de 200 mil pessoas num encontro histórico em Berlim, a capital alemã destruída justamente pelos ataques dos aliados na Segunda Grande Guerra.

Ou seja, os Estados Unidos não estão precisando de um síndico, um gerentão ou um executivo com MBA (coisa que Bush ganhou em Harvard). Está precisando é de um líder, como Obama, que com sua harmonia, tranqüilidade e paciência é capaz de tirar o país do atoleiro ou, quem sabe, do labirinto em que se meteu.

Os republicanos são muito criticados, mas, verdade seja dita, construíram ao longo dos anos o que os Estados Unidos são hoje. A abolição da escravatura, o centro no indivíduo, a meritocracia, a industrialização, a responsabilidade fiscal e a certeza de que o governo – qualquer governo – rouba do indivíduo a capacidade de reação quando lhe ajuda com um bolsa família qualquer.

Mais do que tudo, criaram um país que nasceu com um formidável business plan – a Constituição norte-americana – e a respeitam até hoje, seja nos mínimos detalhes ou nas grandes decisões. De uns tempos para cá, no entanto, se meteram com a direita religiosa (30% do partido), coisa que os pais fundadores do país tentaram evitar a qualquer custo, não para proteger o Estado, mas sim as religiões.

Agora o sonho americano está morrendo. Não só pelos neo-republicanos, mas talvez porque os impérios se revezam de tempos em tempos. Se os Estados Unidos quiserem prevalecer no seu papel de centro do mundo, para onde convergem todas as rotas – como se dizia de Roma, precisam fazer as pazes consigo mesmo e com o resto do Planeta.

Coisa que Barack Obama faria com facilidade. Podem apostar.