John Wayne, o cowboy valentão que o mundo aprendeu a respeitar em mais de 250 faroestes e filmes de guerra, faria cem anos neste final de semana. O ator, que morreu em 1979 de câncer no pulmão (chegou a fumar cinco maços de cigarro por dia), é lembrado até hoje. Sem dotes artísticos, parecia fazer o mesmo personagem em todos os seus longas-metragens. Mergulhou na extrema direita antes de morrer, numa época em que ser de direita, como se diz, pegava mal. Nascemos e crescemos assistindo ao canastrão Wayne, com uma mão nas rédeas e outro no rifle, atirar nos bandidos, beijar as mocinhas e redimir as injustiças do Velho Oeste, período entre 1865 e 1890 onde os aventureiros, respaldados pela Cavalaria, liquidaram os índios e tomaram conta das terras que chegavam até o Pacífico. Para os críticos, e para o próprio Wayne, Stagecoach, ou No tempo das Diligências, dirigido por John Ford (seu descobridor, professor, amigo e diretor) tornou-se seu melhor filme, o trampolim que o lançaria ao sucesso, a ponto de, no final dos anos 50, ser o ator melhor pago em Hollywood, espécie de Tom Cruise com 1,94 de altura e mais de 120 quilos, só que ganhando apenas US$ 600 mil por atuação. Para os aficionados, no entanto, Wayne fez apenas uma obra- prima. É The Man who Shot Liberty Valance, ou O Homem que Matou o Facínora, de 1962, do próprio John Ford, onde interpreta um cowboy, Tom Doniphon, que ama perdida e platonicamente Hallie (Vera Miles), dona de restaurante. Um dia, chega à cidade de Shinbone, no Arizona, um advogado idealista chamado Ransom Stoddard, interpretado pelo ator favorito dos Estados Unidos, James Stewart. Encantada com a beleza, a energia e o idealismo do recém-chegado, que não usava armas e ainda acreditava em soluções negociadas, Hallie se apaixona por Stewart, fato que deixa Wayne abalado, triste e resignado numa choupana de seu rancho nas montanhas. O destino, como muita gente já adivinhou, é muitas vezes cruel, mas ficaria mais cruel ainda quando começam os rumores que chegaria à pacata Shinbone um criminoso barbudo, olhos vermelhos, cheirando a whiskey e temido em todo o Oeste: Liberty Valance, interpretado por Lee Marvin. Como todo bandido do Velho Oeste, Liberty causa problemas por onde passa. Primeiro foi na estrebaria, depois no saloon, até que, numa noite, humilha Stoddart (Stewart) na frente de Hallie em seu restaurante. Indignado, Stewart se rende aos costumes da época, esquece seus princípios (como tem gente que esquece...) e vai para o meio da rua duelar com o facínora. Para surpresa de todos, o mocinho pacifista mata o sanguinário criminoso com um tiro certeiro, e assim fica famoso, torna-se deputado, governador e senador - e, para desespero de Wayne, casa-se com Hallie e vivem felizes para sempre. Num dia, Stewart, já velho e cheio de histórias para contar, volta a Shinbone em companhia da esposa. Ainda na estação de trem, são entrevistados por um jornal local, quando revelam que estavam ali para acompanhar o enterro de um velho cowboy, Wayne. É aí que história dá uma reviravolta. Mesmo com ciúmes de Stewart, que lhe roubara a namorada e sua futura mulher, Wayne, na verdade, foi o homem que, escondido atrás de um poste perto do saloon, descarregou sua Winchester e realmente matou o facínora. Poucas pessoas sabiam desta verdade, a não ser Stewart, sua mulher e o falecido herói. No final do filme, e depois de contar a verdade, Stewart se levanta, agradece a entrevista e pergunta quando o jornalista vai publicar a história. O repórter põe o chapéu na cabeça, guarda no bolso o bloco de anotações, levanta-se e diz que não vai sair nada no jornal. "Senhor, aqui é o Oeste", diz ele. "Quando uma lenda torna-se um fato, publicamos a lenda." A cena, que encerra o filme, mostra a eterna briga jornalística (e histórica) entre o fato e a versão. Wayne, o cowboy arrogante e valentão, mostra-se humilde, puro e injustiçado, vive o resto da sua vida na miséria, sozinho, sem o amor de Harrie. Stewart, que se apresenta como pacifista, idealista e sonhador, é na verdade o facínora que encobriu a verdade durante toda a vida para ficar famoso e conquistar os eleitores. Você, como se diz, já deve ter visto este filme.
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