Para gente bem informada, como você, caro leitor, um dos maiores prazeres de morar nos Estados Unidos é ter o The New York Times, o melhor jornal norte-americano (ou do mundo, segundo defendem os mais radicais) na soleira da sua porta, todos os dias, por volta das 5h da manhã. É um prazer inigualável, pois o que você lerá naquela manhã, entre uma xícara de caffé latte, ovos e bacon, bem ao estilo americano, é uma antecipação dos assuntos que serão notícia nos telejornais, rádios e agências de notícias de todo o mundo. Aqui, só o The Wall Street Journal, com dois milhões de exemplares, e que vem sendo assediado por Robert Murdoch, da News Corporation, numa aquisição hostil de US$ 5 bilhões, é páreo para o NYT. Graças a uma inexequível equação, que reúne mais de 1,2 mil jornalistas espalhados pelo mundo e com faturamento (e lucro) decrescentes pelo advento da internet, o NYT dita o tom da imprensa em tudo aquilo que ela é, por natureza, contra: governo (ou qualquer poder), ladroagem, injustiças, abusos, etc. O grande debate que ocorre nos Estados Unidos é como o NYT manterá sua integridade num momento em que os acionistas minoritários, mas nem por isto menos poderosos, querem derrubar a família Ochs-Sulzberger da administração, considerada pouco profissional, leniente com os jornalistas e paralisada ante o avanço da concorrência eletrônica. Em outros palavras, o NYT está rendendo pouco. Na semana passada, Arthur Sulzberger Jr., o advogado de 55 anos que está no poder mais por hereditariedade do que por capacidade (sua família é equiparada aos Kennedy quando se elegem os clãs da realeza norte-americana), postou-se com seus parentes na sua retaguarda durante a reunião anual dos acionistas. Proprietários de 70% das ações com direito a voto, os Sulzberger rejeitaram qualquer mudança na administração, afinal, dizem eles, apoiados em editoriais pelas famílias que controlam o The Wall Street Journal e o The Washington Post o poder familiar é a muralha chinesa que impede que o jornal fique à mercê dos interesses econômico-financeiros. Em outras palavras, que Wall Street assuma o jornal e provoque demissões, queda de qualidade, comoditização do noticiário, redução do espaço editorial e, o pior, que se fique sujeito aos interesses de determinado grupo econômico ou partido político. Quem está liderando a campanha pela mudança na administração do jornal é um sobrevivente de Wall Street, Hassan Elmasry, do Mongan Stanley Investment Management. Basicamente, ele quer que o The New York Times unifique a estrutura acionária, de dois tipos de ações que, em outras palavras, mantém o poder da família no conselho de administração. A família, no entanto, está sensível às reclamações dos acionistas. Vem investindo fortemente em produtos eletrônicos, como o Times Reader, um software que faz com que o leitor folheie o jornal na tela do computador. Mais ainda, iniciou uma política agressiva de distribuição de dividendos. O The New York Times é um negócio como outro qualquer, mas a legião de leitores - gente que manda na economia, nas artes e na política norte-americana - quer tirá-lo desta vala comum e elegê-lo como o bastião do povo contra tudo aquilo que está errado, publicando todas as notícias que merecem ser impressas, como lembra o slogan do jornal. Apesar de herdeiro, Arthur é adorado pelos jornalistas da casa por sempre defendê-los, especialmente no episódio da perseguição do governo do presidente George W. Bush aos repórteres para que eles revelassem as fontes de notícias polêmicas, como, por exemplo, a denúncia de que o Iraque não tinha armas químicas, o que invalida qualquer argumento para a guerra que já dura mais de cinco anos. Você, paciente leitor, deve estar adivinhando o final desta história. O dinheiro falará mais alto, o NYT vai ser comprado por um fundo de private equity, que recentemente se apaixonou pelo meio jornalístico e, desta forma, a mais bonita, interessante e emocionante profissão deste mundo, o jornalismo, nem sequer pode prever o que acontecerá com ela daqui para a frente.
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