Seattle – Brasileiro, aqui nas proximidades do Pólo Norte, é que nem Deus. Todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê. Semana passada, quando o escrete passou na cidade para derrotar o Canadá, deu Brasil em tudo quanto é canto. Calculava-se cerca de sete mil brazucas em Seattle, mas praticamente todo o estádio Qwest Field, que recebeu 47 mil pagantes, era de pedros e marias, josés e aparecidas, uma onda verde amarela que Seattle jamais vai esquecer.
O domingo, como sempre, estava frio e chuvoso (aqui é a cidade que mais chove nos Estados Unidos, e talvez na Via Láctea toda), mas desde o meio-dia começou a brotar no centro da cidade gente bonita, queimada de sol e com pouca roupa. Depois de cerveja e caipirinha, temperadas com músicos brasileiros locais (sim, eles existem), a seleção entrou em campo e aí foi uma zorra total. Exaltados, brasileiros chegarem a ser presos e liberados em seguida. No aquário dos jornalistas, lúgrube e infeliz, choveram lamentos sobre o “espetáculo deplorável de futebol estilo Dunga” que estávamos vendo.
Nas arquibancadas era só festa. É difícil presenciar aqui gente que tem controle de bola, dribla com ginga e dá espetáculo para quem pagou cerca de 100 dólares por um ingresso. No gargarejo, dava para ouvir Robinho, o maior astro, emitir grunhidos para pedir a bola e marcar gols. É o velho ditado que só quem cresceu jogando pelada conhece (e às vezes cumpre): “Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Ele enfiava as bolas na rede, mandava beijos para a torcida e assim caminhava a humanidade.
Trocando de lugares durante o jogo, junto aos jornalistas ou no meio da galera, dava para ver porque, muitas vezes, a mídia se distancia da realidade. O Brasil teria podido entrar em campo com um bando pernas de pau, brucutus, chacretes ou coisas do tipo. Entrou com um timão milionário, unido, sincronizado, brincalhão, fazendo bicicletas, folhas-secas e outras mágicas brasilianas. Por mais que os jornalistas tenham descido o porrete, o time jogou bem, ganhou a partida e fez a alegria da “sofrida torcida brasileira nos Estados Unidos”, como lembrou Dunga (ou era o Tristonho?) na entrevista.
Sofrida mesmo. Boa parte da população brasileira em Seattle é ilegal. A maioria veio de Goiás, um estado que liga Brasília a Minas Gerais. Reinam numa atividade que rende em média 16 mil dólares por casa para as empresas que os contratam: trocar telhados. É um emprego arriscado. Como chove muito, estão sempre despencando lá de cima. Se caírem, têm de ir para o Hospital, passar pelos canais burocráticos e cair nas garras da imigração. Se pegos, passam de um a dois meses na cadeia e depois são deportados para o Brasil. “Não dá nem para pegar a escova de dente em casa”, diz um deles.
Brasileiros, como outros imigrantes, são a chave do sucesso norte-americano. Pagando salários mais baixos, os gringos conseguem índices de produtividade maiores, mantêm a economia funcionando. São pedreiros, carpinteiros, pintores e telhadistas que estavam na torcida. Gente humilde, que troca o almoço pela janta, dorme em barracões das empresas, trabalha sete dias por semana, sofre com a desvalorização do dólar e sonha com uma vida melhor. No domingo de chuva, nunca tivemos tanto orgulho do Brasil. Que terra, que gente boa, e que saudade.
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