sábado, 6 de janeiro de 2024

PAPAI ERA O HEROI LA DE CASA





Afundou submarinos alemães, foi cestinha no basquete, namorou uma tal de Lúcia e sempre foi o favorito da vovó Olavina. Nunca o vi olhando para o infinito ou com os olhos a esmo. O jornal, convenientemente, o protegia da realidade da casa, dos filhos, das empregadas, da faxina e de tudo aquilo que não era com ele. Leu tantos livros que, na falta do que ler, leu-os novamente. Nas poucas vezes que entrou na cozinha, parecia um objeto não identificado. Me ensinou a não gostar de qualquer filme que tenha criança ou cachorro, nesta ordem. Me fez assistir a todos os filmes de John Wayne. E de Jerry Lewis também. Me ensinou a eleger Manuel Bandeira o maior poeta brasileiro, muito à frente de Carlos Drummond. Beethoven, ao invés de Mozart. Carlos Lacerda, ao invés de Juscelino. Fluminense, ao invés de qualquer time. Me ensinou também a andar de bicicleta, a marcar gols ("gol do Pelé" foram as minhas primeiras palavras), a ser empresário e não empregado, a tentar a vida na Fazenda mesmo sendo do asfalto, a ter idéias fixas, a pensar num Brasil melhor.

Apesar das aparências, era um homem um pouco indecifrável, formal, complexo, extremamente sensível, mesmo que não se usasse ser sensível à sua época. Advogado, segundo se fala um dos melhores que já existiu, ajudava a todo mundo. Não com o espírito de benemerência, mas porque era bom mesmo, um coração afetuoso que todo mundo apreciava, e que acabou, repentinamente, num espaço de menos de um dia, levando-o desta vida aos 89 anos. 

No seu enterro, que cheguei quase no final, vi um homem forte, cara boa, feliz, leve (mas que bonito…) sorriso, dentro do caixão. Sua felicidade, sinal de realização, era tão forte que o enterro transformou-se numa confraternização de quem não se via há muito tempo. Estávamos resignados com o acontecido. Conversamos, agradecemos, choramos e...bebemos. Era chegada a hora. 

Papai chorou quando a vovó morreu, quando o médico lhe falou que minha irmã Paula morreria de leucemia em poucas horas, quando me viu chegar no enterro do vovô Homero, seu pai, abraçando-me como se, abraçando-me, garantisse a continuação da espécie. Fora estas ocasiões, nunca o vi chorar, pois, afinal, homem não chora. Tivemos longas e proveitosas conversas, especialmente quando dirigia o carro para a única pessoa que conheço que abriu mão de dirigir. Achava enfadonho. Numa das viagens, disse que amava tanto a mamãe que casaria-se com ela em qualquer circunstância, em qualquer religião, em qualquer país. Mamãe sempre foi a rainha do reino dele, a musa inspiradora, a católica fervorosa que ele aprendeu a respeitar como ateu ("vocês jamais podem duvidar da fé da sua mãe", nos advertia). Era o provedor, o caixa, a referência financeira e, assim, soube conjugar poder e dinheiro em proveito próprio e dos outros.

Me admirava por ser diferente dele, mais alto, mais expansivo, mais atirado, sem saber que eu estava, como sempre estive, meio perdido. Me chamava de Pedro Augusto. Tinha na Paula a antítese do mundo, na Lúcia o reflexo da sua instigante e culta mente, no Paulo a extensão do noticiário, na Tia Creusa a sua ONG, e no Pepê a filha que perdeu covardemente. Era presidente do fã clube de todos nós. Nunca me criticou.  Só quando saí de casa para morar sozinho. Num dia também perguntou quando eu ia me casar. Também nunca me elogiou. Só quando tornei-me jornalista e, depois, consul, mesmo que honorário, do Brasil aqui nos Estados Unidos. Quando minhas filhas nasceram, sua primeira pergunta: são normais? Minhas filhas Georgia e Clara não conviveram muito com ele, mas sabiam de sua importância, do trabalho na Fundação, no escritório, na Fazenda. Frieda, minha mulher, até hoje se sente sua alma gêmea, nativa de Peixes. 

Papai sempre morou na mesma casa quase 80 anos mais ou menos. Sempre teve o mesmo endereço, o mesmo telefone, a mesma recusa em ter a Carteira de Identidade, já que era veterano de Segunda Guerra e a foto com o uniforme na sua Carteira de Militar da Reserva abria as portas das autoridades. Nunca entrou numa loja. Nunca comprou roupa, comida, eletro eletronicos etc. Aliás, tirando livros, nunca o vi comprando nada. Não porque não tinha dinheiro. Consumir não era com ele. Estava interessado em outras coisas, como política. Carlos Lacerda, sua grande paixão, o fez comprar os direitos da biblioteca, publicar seus livros e ser o maior especialista em lacerdismo, tanto no Céu como na terra.  Ao final da vida, excitou-se com a sugestão da Fundamar publicar livros de reconhecidos autores de direita, não somente porque somos de direita, coisa que no Brasil não existe, mas pelo simples prazer de cutucar a esquerda.

A vida de papai não era muita física, de carne e osso. Era um homem que se movia entre as idéias, sempre as mesmas, cada uma adaptada ao tempo em que vivíamos, às circunstâncias do momento. A história é cíclica, vinho bom é muito, a esquerda é burra, o melhor lugar é a casa da gente, exercício físico faz mal, graxa na mão se limpa com terra, coerência é coisa de imbecil, quem faz, erra, que não faz, já errou, viajar só por alguma razão que não seja apenas viajar, lugar de chorar é na cama …..e por aí vai. Jamais foi um radical, entrenhava-se entre direita e esquerda com destreza, e no final da vida chegou até a admirar os amigos comunistas, não pelas idéias, mas pelo debate. Debateu tanto xingando o Juscelino que o Frei Rosário ameaçou-lhe com uma faca (na verdade, estava descascando uma laranja e se exaltou). Embora caseiro, era um homem dado a desastres fora de casa. Quase morreu numa trombada na estrada quando ainda era noivo da mamãe. Perdeu vários dentes. Bateu o carro diversas vezes na estrada para a Fazenda, em acidentes graves, do quais fiquei sabendo dias ou meses depois. Foi atropelado por tudo, até bicicleta. Foi notícia no Jornal Nacional quando um enxame de abelhas quase o matou. Quando fui socorrê-lo de avião, não acreditei que iria sobreviver.

Era também um homem suave, excelente ouvinte (mais por amar a informação, qualquer informação), que não levantava a voz nem brandia as mãos. Quando indagado, falava a verdade com um extremo cuidado, em capítulos, sempre receando que o interlocutor explodisse em rancor ou desesperança. Tinha, como me disse, tédio a muitas controvérsias, especialmente familiares.  Não acreditava muito na palavra, mas sim no exemplo da ação. Foi benevolente, corajoso, futurista em todos o momentos da sua vida. Era um homem de bem. Era o meu pai.


A INTELIGENCIA ARTIFICIAL FOI FEITA PARA NÓS QUE PASSAMOS DOS 50


Pedro Augusto Costa

Artigo publicado no blog 50&Mais, de Maya Santana.

 Por

JENNY: MEU DESTINO É AMAR

Pedro Augusto Costa, de Seattle, nos Estados Unidos

Publicada no blog 50&Mais, de Maya Santana.


Sempre detestei cachorros. Não sei se sofro de algum trauma depois de ter sido mordido, pulado muro quando um pastor alemão quase me esquartejou, ou mesmo ver meu sofá novo comprado a prestações ficar em frangalhos.  Cachorros também comem bíblias, fotos de casamento, pés de mesas, tapetes persas e, por onde andam, deixam marcas: babas, cocô, xixi, pêlos - é uma tragédia diária.

Até que conheci Jenny, há dez anos. Linda de morrer, uma pequena deusa canina que incorporou-se à minha família americana, Jenny Mary (sim, tem segundo nome) pede para fazer suas necessidades no jardim, dorme boa parte do dia (na nossa cama), vê a vida com sabedoria Zen e, acima de tudo, nao late. Bassenges, a raça africana, são tão autolimpantes como os gatos, e sem miar. Daqui sua aversão atávica a água quente, fria ou morna no banho. Preferem fazer o serviço por si mesmo.

Jenny está super presente em nossas vidas. Para nossas filhas, é um remédio para os traumas da infância, que no nosso tempo eram nada menos que acidentes de percurso: quedas, brigas com namorados, notas baixas na escola. Para minha mulher, é uma interlocutora: a patroa conversa animados papos com a cachorrinha, pedindo inclusive conselhos. Para mim, Jenny é uma companhia agradabilíssima. Principalmente porque é silenciosa e não tem ego, pelo menos aparentemente. Como Cordélia, a filha do Rei Lear na tragédia de Shakespeare, sua função é amar. Em silêncio. 

Jenny também tem um imenso fã clube nas redes sociais, especialmente no Instagram e agora no TikTok. Suas postagens fazem um tremendo sucesso na Internet, onde dialoga com o público, de mulher para mulher. Recentemente, quando passou uma temporada em Belinghan, mais ao norte, confessou que era hora de voltar para Seattle. Fez um post: "estou me mudando de cidade…preciso dar um tempo nas redes….peço que respeitem minha privacidade". Achei a coisa mais graciosa do mundo.

Dizem que os cães não nos amam: apenas olham a gente como ligação entre a fome e uma tigela cheia de comida. Não é o caso da Jenny. Temos uma relação de afeto. Quando me sento no sofá para ler, de preferência em frente à lareira, ela vem devagarzinho, toda humilde, como se pedisse para se aproximar, e encostar na minha perna, onde consegue se retorcer até achar o melhor lugar para descansar deste mundo cruel. Outro dia fiquei sabendo que Ulisses, de Homero, da tragédia grega, recusou todas as belezas do mundo - inclusive a vida eterna -, para voltar a Ítaca, onde nasceu, o lugar onde tinha paz.  O quentinho do meu corpo é a Ítaca para a Jenny. Ficamos nós dois lá, em silêncio, um olhando para o outro, como se a vida no mundo dependesse de só nós dois.

Estou falando desta relação de amizade e respeito porque cada vez presto mais atenção na relação entre seres humanos e cachorros. Hoje todo mundo tem um "pet" como se diz aqui, mas uma quantidade enorme de gente que realmente precisa de cachorros: cegos, cadeirantes, diabéticos, epiléticos, gente que tem variações corporais que podem levar a alguma lesão, autistas e ex-soldados com síndromes traumáticas - utilizam os chamados "service dogs", treinados a um bom preço (alguns até 100 mil dólares) para detectar problemas, guardar ou socorrer o dono em diversas ocasiões. 

O que me veio à cabeça é que todos nós - gente e cachorros - precisamos, no fundo, é do amor de alguém que cuide de nós, e a recíproca é verdadeira. Estou reparando que a solução para tudo, ou quase tudo, é socializar, conversar, trocar experiências. Desabafar. É próprio do ser humano. 

Cães que dormem ao seu lado, que te acompanham nos passeios no parque, que carregam consigo aquele amor incondicional, aqueles olhinhos de quem está lá só para te fazer feliz, talvez sejam a solução para quem sai com a metralhadora e mata dezessete pessoas, como na semana passada aqui nos Estados Unidos. Ou mesmo para as guerras e desastres naturais que estamos assoberbados assistindo todos os dias. Eles (ou elas) nos reconfortam, trazem calor e companhia, estão lá para o que der e vier. A única coisa que pedem é um pouquinho de comida e água fresca, todos os dias. 


 O MUNDO VOLTA A COMEÇAR


Pedro Augusto Costa, de Seattle, Estados Unidos


Quanto chega o frio aqui em Seattle, uma cidade sinônimo de chuva gelada, o pessoal corre a diversos pontos na região para ver os momentos finais dos salmões. É a atração do outono.

Eles passam uma vida de aventura no mar (uns chegam a cinco anos na água salgada), guiando-se pelo cheiro de suas presas até que, ainda guiados pelas fragrâncias, surgem de volta nos riachos de água doce que lhe deram abrigo ao nascer.


Aqui, lutando contra a corrente água acima, parecem esbugalhados, descoloridos, fraquinhos, quase em decomposição. Estão incapazes de lutar e até de comer. Antes do suspiro final, se é que debaixo d'água dá para suspirar, desovam quase cinco mil minúsculos peixinhos, parecidos com girinos, que, se sobreviverem neste mundo cruel, se tornarão aquelas maravilhosas iguarias que você come sem dó no restaurante, acompanhado de um Chardonay.


De uns tempos para cá eu também ando mergulhado na curta e interessante vida dos salmões. Assistindo seus momentos finais nas geladas águas do Rio Cedro, que banha Seattle, em companhia da minha querida filha Maria Clara, dá para ter uma nesga do que significa as nossas vidas, de onde viemos e para onde vamos. 


As pedras aveludadas e roliças servem como uma incubadora a céu aberto. Neste cascalho molhado, estas pequenas criaturas se abastecem de criaturas menores ainda. Em certos pontos do rio, o pessoal do Condado ainda monta uma arapuca n'água para que os salmões sejam transportados até as incubadoras artificiais em caminhões enormes para que, lá, os babies tenham mais chance neste mundo.


Saem de lá mais fortes e resistentes, capazes de, com um pouco de sorte, se desviarem das baleias e orcas, suas eternas inimigas, quando mesmo não têm o azar de cair na rede dos milhares de barcos que fazem a pesca industrial no verão, especialmente aqui mais acima, no Alasca.


A tragédia é que, com a mudança do clima, as águas estão ficando cada vez mais quentes, com temperaturas insuportáveis, inclusive os salmões. Rios, lagos, cachoeiras, tudo está sendo inundado por agentes químicos empregados na limpeza, especialmente dos carros. 


Numa cidade que está no topo da civilização, como Seattle, as piores impurezas são aquelas que a gente não vê. Mas por onde você olha, tem predator demais sobre e sob a linha d’água. Dos milhares de ovos que a mamãe salmão dá à luz, somente três ou quatro pródigos voltam ao Cedro depois de passarem a vida no mar sem fim. Já é um consolo, embora muitas famílias de salmões, como o Salmao Vermelho, estejam em extinção.


Dizem que o velho é um jovem que deu certo. Assim, penso que estes três ou quatro salmões vencedores, que possivelmente já enfrentaram tudo de ruim e de bom neste mundo, em águas doces ou salgadas, calmas ou turbulentas, voltem às suas origens depois de muito amor, desilusões, suor e lágrimas. 


É como se dissessem, parafraseando o Rei: "eu voltei, aqui para ficar, eu voltei, aqui é o meu lugar".  Ali, antes de embarcarem desta para melhor, dao milhares de recados ao mundo. Minúsculos peixinhos que vão gerar filhos, netos, bisnetos e milhares de descendentes através dos milênios. É o ciclo da vida. É o mundo tornando a começar….




sexta-feira, 17 de julho de 2015

Maconha liberada: Altos lucros, impostos mais altos ainda...








Desde que fizemos a matéria sobre a liberação da maconha em Seattle, muita coisa mudou. Especialmente a criminalidade. Calcula-se houve uma redução de 35% na importação ilegal de maconha do México, desestimulado a formação de cartéis no país vizinho. Seattle, agora, dorme em paz.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A GRANDE TACADA

http://veja.abril.com.br/multimidia/video/a-grande-tacada

Se você ainda acha que o golfe é um esporte caro, chato e difícil, seja bem-vindo ao US-Open, uma espécie de copa do mundo do golfe. 
É uma maratona de jogos que unem profissionais, amadores e quase meio milhão de amantes do esporte este ano aqui Chambers Bay, um campo erguido num grande buraco que antes era uma mineradora,  às margens do Pacífico e a uma hora de Seattle, nos Estados Unidos. 

Apesar da garotada não ter mais paciência com o taco,  a bolinha e andar horas a fio no gramado,   e - pior ainda -  não poder usar com celular no percurso, o esporte continua vivo como nunca. 

O golfe fatura 70 bilhões de dólares por ano, tem mais de 12 milhões de praticantes só nos Estados Unidos e doa mais para a caridade do que todos os outros esportes, somados: 4 bilhões de dólares. 

Mais do que uma meditação, é um jogo de estratégia, onde o seu grande adversário é….você mesmo. 

Tiger Woods, o melhor do mundo durante 683 semanas, não está mais em forma por problemas de saúde e escândalos sexuais. 

Mas o golfe tem gente como Rory Mcllroy , Jordan Spleth e Phil Mickelson, gente que continua atraindo legiões de fãs e, melhor ainda, ganhando muito dinheiro. Só Mickelson (imagem)  hoje o mais popular golfista, ganhou 77 milhões de dólares.

Mas o meu favorito é Arnold Palmer, um senhor de 85 anos considerado o Pelé do golfe, hoje mais conhecido pelo excelente Arnold Palmer, uma mistura de limonada e chá que refresca os verões de boa parte dos norte-americanos. 

É um esporte caro. As entradas chegam a custar 5000 dólares.

Até o voluntários tem de pagar 200 dólares pelo uniforme. É a melhor forma de ficar perto dos ídolos. Há também uma guerra particular para conseguir autógrafos. Brad trouxe a família inteira. 

Apesar de ser um jogo dominado por homens, mulheres são bem-vindas para assistir ou trabalhar, como a massagista sul africana Manita Holtrop.

Em tempos de terrorismo, o USOpen é extremamente protegido por ar, mar e terra. Só de jornalistas do mundo inteiro, são mais de 2 mil - cada um com seu cubículo separado.

A festa dura cinco dias e, ao final, neste domingo, saberemos quem será o novo rei da temporada.

Pedro Augusto Costa, de Seattle, para a TVEJA

sexta-feira, 5 de junho de 2015

NA PRESENÇA INSIDIOSA DA FINITUDE- Entrevista com Gilberto para à Mesa com o Valor Econômico





Pedro Augusto Leite Costa, de Seattle.

Basta desembarcar nos Estados Unidos que as luzes e sirenes da imigração se ativam. Gilberto Passos Gil Moreira, um negro senhor de 72 anos, resigna-se e é acompanhado pelos agentes até a salinha do Homeland Security, onde é revistado, interrogado e, finalmente, humilhado pelas autoridades da imigração até ser liberado. 

Fica ali por 30 minutos até descobrirem, nos arquivos computadorizados, que sua prisão por portar uma bituca de maconha aconteceu no longínquo 1976, em Florianópolis, Brasil, quando a ditadura tomou-o como exemplo do combate às drogas. Como concede o guarda da f


ronteira, “os Estados Unidos vão liberar a sua entrada desta vez”. 

Ninguém ali sabe que Gil, o homem que agora está à minha frente no Ray's BoatHouse, o mais famoso restaurante em Seattle, uma estrutura de madeira que bóia na confluência entre o canal que une a água doce do Lake Washington ao oceano Pacífico, é o cantor, compositor, multi instrumentalista, escritor, ambientalista e, nos dias de hoje, uma das poucas unanimidades existentes no Brasil - e em diversos lugares do mundo.

A bela mulher que nos acompanha, sua esposa Flora Giordano Gil, dona de passaporte europeu por ser neta de italianos, debate-se, reclama do tratamento dos Estados Unidos, sugere que se lance uma campanha para eliminar o nome Gilberto Gil das chamadas pessoas perigosas que entram no país. Gil olha para a mulher como Da Vinci olharia para Monalisa. Cala-se, espera a tempestade passar e, se ninguém o solicitar, recolhe-se à contemplação da vida.

Com mais de 640 músicas, 57 álbuns e 8 Grammys, Gilberto Gil, como em uma das suas últimas canções, não tem medo da morte, mas tem medo de morrer. “Estou diante da presença insidiosa da finitude”, conforma-se. “Estou numa idade onde sei que não haverá tempo suficiente para fazer tudo, onde a humildade bate mais forte, onde as coisas vão se acomodando”. 

Gil não se vangloria da sua genialidade musical, ou de ter enriquecido a vida de milhões de pessoas com a sua música. Bebe um gole de cerveja Indian Pale Ale, cujo um simples copo é capaz de deixar muita gente inconveniente, para confessar:  “Pouca gente sabe que tudo que fiz foi para mim mesmo, para entender minhas próprias questões e para me deixar feliz”. “Eu sou meu primeiro público”, confessa. “Se muita gente gostou, é lucro”.

A conversa é tão urgente que o garçon começa a fazer cara feia esperando o pedido. Sugere-se uma dúzia de ostras frescas e um prato de mexilhões (“vir a Seattle e não comer peixe é como ir a Roma e não ver o Papa”, comenta-se). Gil, pessoa de fala mansa, espírito generoso e gestos nobres, mesmo consumindo meio copo da cerveja artesanal, não fala sobre os outros e quase nada sobre si mesmo, mas filosofa incessantemente. 

Magérrimo, bem vestido, cheirando colônia que ninguém conhece, escolhe um linguado, aqui chamado de Halibut, outro prato típico da cidade. Flora, um King salmão. Gilda Matoso, assessora de imprensa e ex-senhora Vinícius de Moraes, uma sopa de moluscos. O fotógrafo Lorenzo Madrid sugere um Sauvignon Blanc.

A conversa corre solta até quando adiciono pimenta perguntando o que está acontecendo no Brasil. Gil inflama-se, eleva o tom e proclama: “Neste mundo onde a soberania dos países é relativa, o Brasil vai ter que se adaptar à racionalidade global sem perder suas peculiaridades, a alegria, a celebração da vida, a cordialidade, a espiritualidade - o mundo precisa disto e nós precisamos do mundo - o mundo todo, todo o mundo”, diz. 

Gil recorre à geografia para exercer o patriotismo. “O mundo precisa de recolhimento mineiro, da exuberância baiana, da racionalidade paulista e do encanto do Rio, uma porta aberta para a festa”, diz. “A lógica da eficiência, do trabalho e da racionalidade do regime capitalista tem seu limite, precisa se reinventar (...) se as pessoas não olharem para o lado espiritual teremos para sempre pilotos alemães deprimidos levando aviões a bater contra as montanhas”. 

“Quando foi o Brasil, o presidente norte-americano Roosevelt voltou tão impressionado que tentou implantar aqui nos Estados Unidos este melting pot doido brasileiro, o amálgama de todas as raças e culturas - e eles estão tentando até hoje, sem conseguir”.  

Gil, como na Refazenda, não fala, despeja poesia, constrói frases hiperbolicamente,  brinca com palavras e pensamentos,  como num carrossel que deixa todos à mesa em respeitoso silêncio. Gesticula bastante, olha para cima e para os lados à procura da melhor expressão e, quando não consegue se lembrar de alguma coisa, vira-se para Gilda, uma enciclopédia musical ambulante que lembra das datas de shows, encontros e praticamente tudo que aconteceu na vida de Gil.

Alguém lembra da piada que o Brasil está à beira de um abismo, e que agora finalmente está dando um passo a frente. Gil, sério, diz que “o país  precisa sair desta morte diária do excesso de aflouxamento de tudo, necessita ter a dose diária de apertamento, voltar ao seu eixo, colocar a corrupção - que sempre houve - em níveis aceitáveis, níveis japoneses”, brinca, “mas resolver antigos problemas abre as portas para resolver novos problemas, o fim de um é o começo do outro”, filosofa.

Gil está nas estradas do Canadá e dos Estados Unidos, percorrendo diversas cidades de avião e ou num ônibus adaptado. A turnê “Gilbertos Samba“, onde apresenta-se no palco à la João Gilberto e ao lado de seu filho, Ben, deixa as casas lotadas, reúne as comunidades brasileiras e, naturalmente, provoca a discussão sobre o Brasil. Já veio aqui dezenas de vezes desde a década de 70, quando estava exilado em Londres. Invariavelmente é barrado na fronteira, mesmo possuindo um apartamento em Nova Iorque.

Flora, que gerencia da vida pessoal e profissional de Gil,  interrompe e sugere que “Pê”, como ela chama o homem com quem está casada há 27 anos,  belisque outros pratos, evite qualquer comida à base de lactose e que fale sobre a situação dos direitos autorais no Brasil, especialmente o streaming do Google, que embora seja a melhor ferramenta de divulgação dos artistas não paga pelos direitos autorais. Gil, que ainda precisa trabalhar para viver,  cala-se,  admira sua Monalisa,  delicia-se com a cerveja e o Halibut até que pergunto sobre Dilma Rousseff.

“Há uma cobrança exagerada da opinião pública em cima dos indivíduos, uma esperança de que um salvador da pátria, com poderes imperiais, virá para nos salvar. É como se sempre tivéssemos adiando o encontro com nós mesmos, o encontro com a dificuldade. Veja o exemplo da Presidente: o que Dilma pode fazer? “ “O problema não está no governo ou nas instituições, está em nós”, diz o ex-ministro da Cultura.

Mas precisamos de mudanças, argumento. “Este é o problema da racionalidade, do pragmatismo positivista - a idéia de que tudo tem de ter uma solução. Toda solução é um problema, se resolve um antigo problema e se cria outro”, ri copiosamente o autor de Retiros Espirituais ("Resolver tê-los é ter, resolver ignorá-los, é ter")  “Não temos de ficar obcecados por soluções. Não se vai resolver tudo em uma geração, são as duas coisas ao mesmo tempo, precisamos entender a simultaneidade. Temos dificuldade para entendermos isto, o certo e o errado, aceitar o que Osvald de Andrade já disse no Manifesto da Poesia Pau Brasil sobre "a contribuição milionária de todos os erros”. 

Gil discorda que, no Brasil, “tudo está demorando em ser tão ruim”, como versou uma vez seu amigo Caetano Veloso. ΅É preciso ter paciência, diz. “Precisamos nos perguntar como se vai construir um consenso entre vários interesses políticos, como se supera este parlamentarismo branco, como não ficarmos submetidos aos interesses dos indivíduos - o que temos é um sistema que não funciona, é um sistema já caduco”.  

Gil fala de política sem citar nomes, e sempre por platitudes. Compara o "presidencialismo de coalização”, onde não se tem a necessária flexibilidade para mudar o comando sem traumatismos, como a mãe dos nossos problemas. "O PT é um partido que sucedeu vários outros que passaram pelo menos problema, não importa o personagem lá em cima. No parlamentarismo, a crise vai para dentro do governo e se resolve ali mesmo, não fica esta questão do impeachment de um poder imperial, não fica este problema moral”, diz.  

Na mirabolante fala, muito semelhante ao contorcionismo de sua obra, há sempre a lembrança sobre o caminho de Buda, o caminho do meio. “Não há o certo e o errado, tudo corre ao mesmo tempo, tudo tem dois lados, toda solução é o começo de outro problema, assim é a vida”, repete. Cita o filósofo francês François Jullien,  “que criou uma expressão de que eu gosto muito: O justo meio está na igual possibilidade dos extremos”.

Gil vê sua passagem pela política - vereador, ministro da Cultura, ativista ambiental - como resultado “da ilusão de contribuir”. Quando pergunto se voltaria à política, tergiversa, abaixa o queixo, como se procurasse as palavras no chão, até que entrega à decisão ao destino, ao “se for chamado”, deixando a porta aberta para interpretações. Gil, que já foi embaixador da macrobiótica no Brasil e agora parece ter chegado à fase Zen, não incorre em extremismos, sempre está do lado equidistante dos opostos. 

O ex-ministro, no entanto, reforça a necessidade do Estado financiar a cultura. Em países avançados, como nos Estados Unidos, onde a iniciativa privada assumiu responsabilidade acima de seus interesses, através de mecenas como Guggeinhein, Ford e outros incentivando a arte, tudo bem. No caso da Europa e no Brasil, diz, o Estado tem um papel, pois entregamos a ele mais responsabilidades. Quando eu era ministro, financiamos a cultura para regimes desprotegidos, para setores cuja manifestação não interessa ainda ao sistema privado, a única solução é o Estado financiar” 

O efeito da cerveja IPS começa a ser sentido. Gil fala sobre os festivais da canção, dele cantando Bom Dia (“Acorda, meu amor, é hora de trabalhar”, em companhia da co-autora e então mulher Nana Caymmi, da violência do crime passional de ¨Domingo no Parque”, onde “o espinho da rosa feriu Zé, e o sorvete gelou seu coração”, ou de A Paz, em companhia de João Donato, que chegou em sua casa um dia com a fita com a melodia, dormiu e, ao acordar, uma das mais lindas letras de todos os tempos - feita por Gil - estava pronta. “A paz invadiu o meu coração/como se o vento de um tufão/arrancasse os meus pés do chão/onde eu já não me enterro mais”. 

Gilberto Gil não sabe explicar de onde sai tanta criatividade. Para ele, as coisas acontecem expontaneamente, sem muita razão ou método. Quando a canção não vem, fica no violão horas e horas até que ela aparece - dá muito trabalho às vezes, muita transpiração quando a inspiração não chega. Com a idade, diz ele, a ânsia da criatividade arrefeceu, a produção diminuiu, mas, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, continua distribuindo boas surpresas até hoje.

Gilberto Gil já morou em Los Angeles um ano, onde deixou amigos como o produtor musical e seu fã, Quincy Jones. Em companhia da mulher, assiste House of Cards e Escândalo, e se refere a gente como os bilionários Warren Buffett, Bill Gates e Jorge Paulo Leman, com quem conversa e divide o palco global. Quando cantou durante a seção da Nações Unidas, pediu o Kofi Annan (ex-secretário geral da ONU), que é de Gana, para tocar o tambor na última música. Foram aplaudidos de pé. 

Hoje está mais triste com as constantes humilhações na fronteira, embora não deixe de elogiar a exuberância do país. Olha para a janela, escuta que os salmões, todos os anos, vêm do Pacífico para voltar aos rios, desovar e morrer, passando por debaixo

(tirei) "O mundo reconhece a qualidade trágica brasileira, a gente quer se livrar da tragédia, temos de absorvê-la dentro da questão trágica, com contradições permanentes a superar, e tudo isto não é fácil. Nada cai do céu, tudo é difícil".

Flora pede que Gil fale sobre direito autoral, sobre o não pagamento do streaming na internet. O músico, como sempre, não fala sobre árvores, sempre sobre a floresta. Ao invés de desbancar o Youtube, pede a mobilização de todos para eleger as melhores práticas, discutir se é conveniente manter o privilégio das "elites exploradoras que sempre levaram o barco até agora". Diz que a democracia horizontal, "sem esta baixíssima distribuição de poder e renda", é uma demanda global. "Ou ou planeta faz isto ou vai escafeder-se", conclui.

Gil fala do sucesso da música americana nos Estados Unidos. Para ele, é hora de homenagear João Gilberto, "que concentrou voz e violão", Carlos Lyra, Ronaldo Boscoli, Roberto Menescal e principalmente Tom Jobim, que ajudaram a criar o que se chama hoje de Latin Jazz. Uma coisa bem diferente dos tempos de Carmen Miranda desfilando com a salada de frutas na cabeça, “uma invenção de Dorival Caymmi, que recomendou esta indumentária para Carmen". Se eles não tivessem existido, diz,  não estaríamos aqui. 

Fala da influência de Bossa Nova, de Jimmy Hendrix (que é de Seattle), de Bob Dylan e até do seu amigo Quincy Jones (também de Seattle), entre outros compositores americanos. Cada vez mais, diz Gil, o mundo já identifica a música brasileira e os diferentes estilos. “A música tem o poder de unir corações e mentes em todos os lugares, é importante que a nossa música seja reconhecida no mundo, é importante que a diversidade seja garantida”.

Já no carro, Gil, já de volta estado contemplativo, admirando o movimento dos barcos no Lake Washington, lembra que há tempos estava deprimido, “envolto em minhas questões”, quando decidiu desistir da música e fazer outras coisas na vida. Para se despedir, escreveu a música Palco (Fogo eterno prá afugentar/O inferno prá outro lugar/Fogo eterno prá consumir/O inferno, fora daqui/Fora daqui) e deixou-a num canto.  Foi quando o grupo A Cor do Som visitou-o e pediu para gravar a música, que estourou nas paradas. “Gosto de todas as músicas que fiz, mas Palco é uma espécie de música talismã para mim - a partir dela, tudo mudou”.


Depois da turnê no Hemisfério Norte, Gil se unirá a Caetano Veloso para celebrar 50 anos de carreira ao lado do amigo. Começará pela Europa, em Julho, até chegando ao Brasil em agosto e setembro. Se o pessoal da imigração continuar humilhando-o na fronteira, não voltará mais aos Estados Unidos. 

sexta-feira, 3 de abril de 2015

UMA VIAGEM FANTASTICA




Solitário e excêntrico, o bilionário Paul Allen, co-fundador da Microsoft, está gastando meio bilhão de dólares para descobrir como a mente humana funciona.

Por Pedro Augusto Leite Costa, de Seattle

Matéria Publicada no jornal Valor Economico. Allen morreu de câncier em Outubro de 2018



Semana que vem fará 15 anos que Paul Allen, o 51︒ homem mais rico do mundo, reuniu em seu mega-iate Octoplus, aqui na região de Seattle, a fina-flor dos cientistas especializados no cérebro humano, como James Watson, Steven Pinker e David Anderson.
Allen, que há 30 anos sofre do linfoma de não-Hodgkin's, viu sua mãe sucumbir durante décadas ao Alzheimer. Ávido leitor de ficção científica, e fã da utilização do computador na pesquisa científica, queria utilizar seu dinheiro para evitar que a humanidade, cada vez mais longeva, evitasse a decadência cada vez mais comum da degeneração mental.
Chegou-se a conclusão que, para dar uma acelerada às pesquisas que estão sendo feitas há mais de um século, seria necessário mapear tridimensionalmente os 86 bilhões de células que, através de trilhões de conexões, produzem risos, choros, amor, ódio, generosidade, egoísmo, fobias, traumas - e todas as outras reações que fazem de nós os animais mais complexos da Terra. Para apressar o trabalho, este mapa deveria estar disponível para a colaboração de todos os cientistas do mundo que trabalham no setor.
Hoje , Allen e os quase 500 físicos, matemáticos, neurobiologistas, engenheiros e cientistas da computação (pelo menos a metade com PHD) já apresentam vitórias para entendermos este microcomputador inserido em cada um de nós, uma máquina que trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana, e que geralmente depois dos 65 anos começa a degringolar.
Por exemplo, demanda mais tempo para acessar memórias, não controla eficientemente o balanceamento do corpo, demora a reagir quando solicitada, diminui a velocidade das ações, não se surpreende com as novidades e, principalmente,
tergiversa em torno de determinados assuntos - algo que, na linguagem dos computadores, é semelhante ao buffering.
Meio bilhão de dólares depois - Allen ainda tem mais 17 bilhões de dólares para gastar - o Allen Institute for Brain Science agora está nos estágios iniciais dos exames das conexões celebrais que ditam a vida e o nosso comportamento. "É um trabalho de extrema complexidade", diz Amy Bernard, diretora do Allen Institute, em entrevista ao Valor. "Se você está vendo uma pessoa limpar a janela externa do prédio", exemplifica, "é bem provável que você esteja prestando atenção na limpeza do vidro, enquanto a pessoa que limpa está prestando atenção em não cair do andaime - cada fato provoca diferente reações nos seres humanos".
Mas o mais interessante do Allen Institute é que trata-se de uma organização que, em caráter inédito, trabalha colaborativamente, e sem propósito financeiro (mais sem compromisso com o prejuízo, segundo seu presidente, David Poston) com 30 mil cientistas de todo o mundo para, quem sabe, tornar as doenças do cérebro - Parkinson, Alzheimer, autismo e, por conseguinte, a morte - reversível no futuro.
O esforço de Paul Allen e sua turma também gerou nos Estados Unidos - e em todo o mundo - uma corrida para desvendar os mistérios do cérebro. Logo depois de anunciar a meta de geral um catálogo completo de todos os tipos de células neurais nos ratos e no córtex cerebral humano, a União Europeia comprometeu-se com sua própria iniciativa no setor, enquanto o presidente Barack Obama anunciou o Brain Iniciative, um conjunto de investimentos entre os diversos institutos que estudam o cérebro, como o National Institute of Health, o Food and Drug Administration, o Howard Hughes Medical Institute e o próprio Allen Institute.
Colaboração universal aumenta velocidade da pesquisa.
Estudar e mapear o cérebro é uma paixão antiga dos cientistas. No início de década passada, por exemplo, o espanhol Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de Medicina de 1906, já desenhava células celebrais. Seu trabalho, reunido em mais de 100 artigos científicos, serve até hoje de base para pesquisas.
O que mudou no esforço para desvendar o cérebro foi a utilização desta máquina análoga, menos potente e burra, o computador, que com sua capacidade de
armazenamento de dados nas nuvens, o bigdata, foi capaz de reunir todo o gigantesco acervo de dados, distribuindo-o gratuitamente na rede.
Este avanço permitiu que o Allen Institute, por exemplo, reunisse até hoje cinco peta bytes de dados, ou o equivalente a 50 anos ininterruptas de vídeos de alta definição. Estes dados são baixados 20 mil a 180 mil vezes mensalmente por instituições que colaboram oficialmente com o Instituto (seis no Canadá, 24 nos Estados Unidos, cinco no Reino Unido e duas na Holanda), além de acessos remotos em países como o Brasil (que ocupa o 14 lugar no número de downloads) ou a Coréia do Sul.
Em menos de dois anos, já poderemos apresentar à comunidade científica resultados extraordinários, diz Bernard. Segundo ela, o mapeamento do cérebro aumentou exponencialmente a qualidade, a quantidade e a velocidade das pesquisas que tentam descobrir, atualmente, como se processam as conexões entre os quase 100 bilhões de células que compõem o cérebro humano. Veja aqui os resultados do Allen Institute:
Ratos: O Allen Mouse Brian Atlas, completado em 2006, é um mapa dos genomas do cérebro adulto do rato. O propósito é ajudar no desenvolvimento da pesquisa da neurociência, guiando os cientistas no entendimento doenças do cérebro e anomalias como autismo e depressão.
Seres Humanos: O Atlas Human Brain Atlas foi revelado em 2010. Foi o primeiro atlas a revelar anatômica e genômicamente, em três dimensões, o cérebro humano. O atlas foi criado para ajudar na pesquisa de várias áreas da neurociência, como as imagens do cérebro humano, genética, neuroanatomia e várias outras. O atlas gerou informações básicas para a cura do Alzheimer, autismo, esquizofrenia e vícios em geral, especialmente drogas.
Desenvolvimento do Cérebro do Rato: O Allen Developing Mouse Brain Atlas acompanha do desenvolvimento genético dos céRebros dos ratos, desde o nascimento até a vida adulta, através de imagens de ressonância magnética, medindo crescimento, espaços brancos e conectividade. O atlas auxilia os neurocientistas a estudar como os poluentes e mutações genéticas interferem no desenvolvimento do cérebro. Assim, os pesquisadores descobrem como as toxinas interferem na saúde das crianças e das mulheres grávidas.
Conectividade do Cérebro do Rato: Lançado em 2011, este atlas foca na identificação de circuitos neurais que governam o comportamento e as funções celebrais. Estes circuitos são responsáveis por funções como comportamento e percepção. Futuramente, ajudará no entendimento de como o cérebro trabalha e qual é a causa da doença de Parkinson e depressão.
Medula espinhal do Rato: Trata-se do primeiro mapa da espinha do rato jamais feita.
O objetivo deste atlas é curar danos na medula espinhal, doenças como Lou Gehring (autor e cientistas Stephen Hawking) e atrofias musculares. O projeto tem também doadores de associações de veteranos de guerra e fundações que ajudam na luta com a esclerose múltipla, uma das doenças mais comuns no Noroeste do Pacífico, onde está Seattle.
Compreender o cérebro é compreender a beleza da vida (Amy Bernard)
SOLITÁRIO, TRISTE, SOBREVIVENTE
Pessoas ricas, como dizia F. Scott Fitzgerald em o Grande Gatsby, são diferentes de você e de mim. Entre os bilionários mundiais, Paul Gardner Allen consegue ser mais diferente e enigmático. Colega de ginásio de Bill Gates, abandonou a Universidade de Washington e um emprego na Honeywell para fundar a Microsoft.
Sete anos depois, foi diagnosticado com linfoma. Saiu da empresa e, da noite para o dia, tornou-se um dos maiores bilionários do mundo - sétimo lugar na década passada, embora hoje esteja na 51 posição - não porque perdeu dinheiro, mas porque surgiram outros bilionários, especialmente na Ásia.
Embora tenha três mega iates, uma frota de Boeing 757, uma empresa de investimentos na construção civil - a Vulcan - que está praticamente reconstruindo Seattle, sua cidade natal, Allen vive sozinho enfurnado no computador, onde sofre como todos nós resolvendo problemas do Windows, que ele próprio criou.
Quando sai, é para torcer por um de seus três times que é proprietário, o Portland Trail Blazers (basquete), e o Seahawks (futebol americano), que comprou por US$ 288 milhões em 1997 e que hoje vale mais de US$ 1.33 bilhão, e ainda o Seattle Sounders (futebol). Quem assistiu ao Super Bowl em janeiro neste ano o viu sozinho, absorto e triste, na tribuna de honra do estádio.
Tamanho é ou não é documento?
Se tamanho do celebro fosse documento, uma vaca estaria hoje comendo a gente, e não o contrário, sugere a cientista Suzana Herculano-Houzel, do Instituto de Ciências Biomédicas do Rio de Janeiro. Nosso cérebro é três vezes menor do que os dos elefantes e nove vezes menor que os das baleias, mas, inexplicavelmente, três vezes maior do que os dos chipanzés (que chegam a ter um corpo três vezes maiores que o nosso),
O que nos diferencia efetivamente dos outros animais é que, dos quase 100 bilhões de neurônios que temos, pelo menos 16 bilhões estão localizados no córtex cerebral. Por isto, e ao contrário dos nossos vizinhos na Terra, temos a capacidade de planejar o futuro, aprender com os nossos erros e vasculhar o passado. Um elefante, por exemplo, só tem 4.6 bilhões de neurônios na mesma região. Um rato, 30 milhões.
Mas esta capacidade tem um preço. Embora o cérebro humano represente apenas dois por cento do corpo, consome 25% das 2 mil calorias que, em média, precisamos para sobreviver diariamente. Se não tivéssemos tal capacidade cognitiva, gastaríamos de oito a nove horas diárias caçando ou procurando alimentos cru para comermos.
Para Suzana, a utilização do fogo para pré-digerir os alimentos, em outras palavras cozinhar, nos liberou para termos mais tempo para pensar, agir e mudar o mundo. Mais ainda, pesquisar e descobrir como o nosso cérebro funciona.
Fotos/Ilustrações. Todas as imagens devem ser creditadas ao Allen Institute for Brain Science.
Here is a Dropbox link to 5 quality images.
1) Cerebelo humano - Fatia colorizada do cerebelo humano. O cerebelo, que em latim significa "pequeno cérebro", é uma região que desempenha um papel importante no controle motor.
2) Do cérebro do rato Conectividade - Visão em terceira dimensão das ligações originadas a partir de múltiplas áreas corticais distintas, visualizada com a utilização de software Allen Explorer.
3) Slides Cérebro Humano - Uma fatia do cérebro humano montada sobre uma lâmina de vidro para digitalização.
4) Conexões do cérebro do rato- Uma imagem fluorescente, mostrando conexões no cérebro do rato na área que registra o sentido do tato, antes da informação ser enviada para ser integrada e compreendida por outras regiões do cérebro.
5) Slides do cérebro do rato- A secção coronal de todo um cérebro do rato, que foi colorizado para delinear os limites anatômicos das diferentes regiões.
Robinson, também tiramos algums fotos da entrevista com a Amy.
Veja https://drive.google.com/folderview?id=0B9Xvw-pY_MRqfjZxSWp6V1ZJXzViVjZReGhIa3psUWlfRy1IUXRnajZCakJQN1N4OHFPNWM&usp=sharing_eid
Repare na foto do cerebelo......
VIAGEM FANTÁSTICA


Solitário e excêntrico, o bilionário Paul Allen, co-fundador da Microsoft,  está gastando meio bilhão de dólares para descobrir como a mente humana funciona.


Por Pedro Augusto Leite Costa, de Seattle


Semana que vem fará 15 anos que Paul Allen, o 51︒  homem mais rico do mundo, reuniu em seu mega-iate Octoplus, aqui na região de Seattle, a fina-flor dos cientistas especializados no cérebro humano, como James Watson, Steven Pinker e David Anderson.


Allen, que há 30 anos sofre do linfoma de não-Hodgkin's, viu sua mãe sucumbir durante décadas ao Alziemer. Ávido leitor de ficção científica, queria utilizar seu dinheiro para evitar que a humanidade, cada vez mais longeva, evitasse a decadência cada vez mais comum da degeneração mental.


Chegou-se a conclusão que, para dar uma acelerada às pesquisas que estão sendo feitas há mais de um século, seria necessário mapear tridimensionamente os 86 bilhões de células que, através de trilhões de conexões, produzem risos, choros, amor, ódio, generosidade, egoísmo, fobias, traumas - e todas as outras reações que fazem de nós os animais mais complexos da Terra. Mais ainda, este mapa deveria estar disponível para a colaboração de todos os cientistas do mundo que trabalham no setor.


Hoje , Allen e os quase 500 físicos, matemáticos, neubiologistas, engenheiros e cientistas da computação (pelo menos a metade com PHD) já apresentam vitórias para entendermos este micro-computador inserido em cada um de nós, uma máquina que trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana, e que geralmente depois dos 65 anos começa a desgringolar.


Por exemplo, demanda mais tempo para acessar memórias, não controla eficientemente o balanceamento do corpo, demora a reagir quando solicitada, diminui a velocidade das ações, não se surpreende com o novo e, principalmente, tigiversa em torno de determinados assuntos - algo que, na linguagem dos computadores, é semelhante ao buffering.


Meio bilhão de dólares depois  - Allen ainda tem mais 17 bilhões de dólares para gastar - o Allen Institute for Brain Science agora está nos estágios iniciais dos exames das conexões celebrais que ditam a vida. "É um trabalho de extrema complexidade", diz Amy Bernard, diretora do Allen Institute, em entrevista ao Valor. "Se você está vendo uma pessoa limpar a janela externa do prédio", exemplifica, "é bem provável que você esteja prestando atenção na limpeza, enquanto a pessoa que limpa está prestando atenção em não cair do andaime - cada fato provoca diferente reações nos seres humanos".


Mas o mais interessante do Allen Institute é que trata-se de uma organização que, em caráter inédito,  trabalha colaborativamente, e sem propósito financeiro (mais sem compromisso com o prejuízio, segundo seu presidente, David Poston)  com 30 mil cientistas de todo o mundo para, quem sabe, tornar as doenças do cérebro - parkinson, alzheimer, autismo e, por conseguinte, a morte - reversível no futuro.


O esforço de Paul Allen e sua turma também gerou nos Estados Unidos - e em todo o mundo - uma corrida para desvendar os mistérios do célebro. Logo depois de anunciar a meta de geral um catálogo completo de todos os tipos de células neurais nos ratos e no cortex cerebral humano, a União Européia comprometeu-se com sua própria iniciativa no setor, enquanto o presidente Barack Obama anunciou o Brain Iniciative, um conjunto de investimentos entre os diversos institutos que estudam o cérebro, como o National Institute of Health, o Food and Drug Administration, o Howard Hughes Medical Institute e o próprio Allen Institute.


Colaboração universal aumenta velocidade da pesquisa.


Estudar e mapear o célebro é uma paixão antiga dos cientistas. No início de década passada, por exemplo, o espanhol Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de Medicina de 1906, já desenhava células celebrais. Seu trabalho, reunido em mais de 100 artigos científicos, serve até hoje de base para pesquisas.
O que mudou no esforço para desvendar o célebro foi a utilização desta máquina análoga, menos potente e burra, o computador, que com sua capacidade de armazenamento de dados nas nuvens, o bigdata, foi capaz de reunir todo o gigantesco acervo de dados, distribuindo-o gratuitamente na rede.
Este avanço permitiu que o Allen Institute, por exemplo, reunisse até hoje cinco petabytes de dados, ou o equivalente a 50 anos initerruptas de vídeos de alta definição. Estes dados são baixados 20 mil a 180 mil vezes mensalmente por instituições que colaboram oficialmente com o Instituto (seis no Canadá, 24 nos Estados Unidos, cinco no Reino Unido e duas na Holanda), além de acessos remotos em países como o Brasil (que ocupa o 14 lugar no número de downloads) ou a Coréia do Sul.
Em menos de dois anos, já poderemos apresentar à comunidade científica resultados extraordinarios, diz Bernard. Segundo ela, o mapeamento do célebro aumentou exponencialmente a qualidade, a quantidade e a velocidade das pesquisas que tentem descobrir, atualmente, como se processam as conexões entre os quase 100 bilhões de células que compõem o célebro humano. Veja aqui os resultados do Allen Institute:


Ratos: O Allen Mouse Brian Atlas, completado em 2006, é um mapa dos genomas do célebro adulto do rato. O propósito é ajudar no desenvolvimento da pesquisa da neurociência, guiando os cientistas no entendimento doenças do célebro e anomalias como autismo e depressão.


Seres Humanos: O Atlas Human Brain Atlas foi revelado em 2010. Foi o primeiro atlas a revelar anatômica e genômicamente, em três dimensões, o célebro humano.  O atlas foi criado para ajudar na pesquisa de várias áreas da neurociência, como as imagens do célebro humano, genética, neuroanatomia e várias outras.  O atlas gerou informações básicas para a cura do Alzheimer, autismo, esquisofrenia e vícios em geral, especialmente drogas.


Desenvolvimento do Célebro do Rato: O Allen Developing Mouse Brain Atlas acompanha do desenvolvimento genético dos célebros dos ratos, desde o nascimento até a vida adulta, através de imagens de ressonância magnética, medindo crescimento, espaços brancos e conectividade. O atlas auxilia os neurocientistas a estudar como os poluentes e mutações genéticas interferem no desenvolvimento do célebro. Assim, os pesquisadores descobrem como as toxinas interferem na saúde das crianças e das mulheres grávidas.


Coneticvidade do Cérebro do Rato: Lançado em 2011, este atlas foca na identificação de circuitos neurais que governam o comportamento e as funções celebrais.  Estes circuitos são responsaveis por funções como comportamento e percepção. Futuramente, ajudará no entendimento de como o célebro trabalha e qual é a causa da doença de Parkinson e depressão.


Medula espinhal do Rato: Trata-se do primeiro mapa da espinha do rato jamais feita.
O objetivo deste atlas é curar danos na medula espinhal, doenças como Lou Gehring ( do autor e cientistas Stephen Hawking) e atrofias musculares. O projeto tem também doadores de associações de veteranos de guerra e fundações que ajudam na luta com a esclerose múltipla, uma das doenças mais comuns no Noroeste do Pacífico, onde está Seattle.


Compreender o cérebro é compreender a beleza da vida.


Solitário, triste, e sobrevivente.


Pessoas ricas, como dizia F. Scott Fitzgerald em o Grande Gatsby, são diferentes de você e de mim. Entre os bilionários mundiais, Paul Gardner Allen consegue ser mais diferente e enigmatico. Colega de ginásio de Bill Gates, abandonou a Universidade de Washington e um emprego na Honeywell para fundar a Microsoft.  


Sete anos depois, foi diagnosticado com linfoma. Saiu da empresa e, da noite para o dia,  tornou-se um dos maiores bilionários do mundo - sétimo lugar na década passada, embora hoje esteja na 51 posição - não porque perdeu dinheiro, mas porque surgiram outros bilionários, especialmente na Asia.


Embora tenha três mega iates, uma frota de Boeings 757, uma empresa de investimentos na construção civil - a Vulcan - que está praticamente reconstruindo Seattle, sua cidade natal, Allen vive sozinho enfurnado no computador, onde sofre como todos nós resolvendo problemas do Windows, que ele próprio criou.


Quando sai, é para torcer por um de seus três times que é proprietário, o Portland Trail Blazers (basquete), e o Seahawks (futebol americano), que comprou por US$ 288 milhões em 1997 e que hoje vale mais de US$ 1.33 bilhão, e ainda o Seattle Sounders (futebol).  Quem assistiu ao Super Bowl em janeiro neste ano o viu sozinho, absorto e triste, na tribuna de honra do estádio.


Tamanho é ou não é documento?


Se tamanho do celebro fosse documento, uma vaca estaria hoje comendo a gente, e não o contrário, sugere a cientista Suzana Herculano-Houzel, do Instituto de Ciências Biomédicas do Rio de Janeiro. Nosso célebro é três vezes menor do que os dos elefantes e nove vezes menor que os das baleias, mas, inexplicavelmente,  três vezes maior do que os dos chipanzés (que chegam a ter um corpo três vezes maiores que o nosso),

O que nos diferencia efetivamente dos outros animais é que, dos quase 100 bilhões de neurônios que temos, pelo menos 16 bilhões estão localizados no cortex cerebral. Por isto, e ao contrário dos nossos vizinhos na Terra, temos a capacidade de planejar o futuro, aprender com os nossos erros e vasculhar o passado.  Um elefante, por exemplo, só tem 4.6 bilhões de neurônios na mesma região. Um rato, 30 milhões.


Mas esta capacidade tem um preço. Embora o célebro humano represente apenas dois por cento do corpo, consome 25% das 2 mil calorias que, em média, precisamos para sobreviver diariamente. Se não tivéssemos tal capacidade cognitiva, gastaríamos de oito a nove horas diárias caçando ou procurando alimentos cru para comermos.


Para Suzana, a utilização do fogo para pre-digerir os alimentos, em outras palavras cozinhar, nos liberou para termos mais tempo para pensar, agir e mudar o mundo. Mais ainda, pesquisar e descobrir como o nosso célebro funciona.

Publicado Originalmente no jornal Valor Econômico.