O MUNDO VOLTA A COMEÇAR
Pedro Augusto Costa, de Seattle, Estados Unidos
Quanto chega o frio aqui em Seattle, uma cidade sinônimo de chuva gelada, o pessoal corre a diversos pontos na região para ver os momentos finais dos salmões. É a atração do outono.
Eles passam uma vida de aventura no mar (uns chegam a cinco anos na água salgada), guiando-se pelo cheiro de suas presas até que, ainda guiados pelas fragrâncias, surgem de volta nos riachos de água doce que lhe deram abrigo ao nascer.
Aqui, lutando contra a corrente água acima, parecem esbugalhados, descoloridos, fraquinhos, quase em decomposição. Estão incapazes de lutar e até de comer. Antes do suspiro final, se é que debaixo d'água dá para suspirar, desovam quase cinco mil minúsculos peixinhos, parecidos com girinos, que, se sobreviverem neste mundo cruel, se tornarão aquelas maravilhosas iguarias que você come sem dó no restaurante, acompanhado de um Chardonay.
De uns tempos para cá eu também ando mergulhado na curta e interessante vida dos salmões. Assistindo seus momentos finais nas geladas águas do Rio Cedro, que banha Seattle, em companhia da minha querida filha Maria Clara, dá para ter uma nesga do que significa as nossas vidas, de onde viemos e para onde vamos.
As pedras aveludadas e roliças servem como uma incubadora a céu aberto. Neste cascalho molhado, estas pequenas criaturas se abastecem de criaturas menores ainda. Em certos pontos do rio, o pessoal do Condado ainda monta uma arapuca n'água para que os salmões sejam transportados até as incubadoras artificiais em caminhões enormes para que, lá, os babies tenham mais chance neste mundo.
Saem de lá mais fortes e resistentes, capazes de, com um pouco de sorte, se desviarem das baleias e orcas, suas eternas inimigas, quando mesmo não têm o azar de cair na rede dos milhares de barcos que fazem a pesca industrial no verão, especialmente aqui mais acima, no Alasca.
A tragédia é que, com a mudança do clima, as águas estão ficando cada vez mais quentes, com temperaturas insuportáveis, inclusive os salmões. Rios, lagos, cachoeiras, tudo está sendo inundado por agentes químicos empregados na limpeza, especialmente dos carros.
Numa cidade que está no topo da civilização, como Seattle, as piores impurezas são aquelas que a gente não vê. Mas por onde você olha, tem predator demais sobre e sob a linha d’água. Dos milhares de ovos que a mamãe salmão dá à luz, somente três ou quatro pródigos voltam ao Cedro depois de passarem a vida no mar sem fim. Já é um consolo, embora muitas famílias de salmões, como o Salmao Vermelho, estejam em extinção.
Dizem que o velho é um jovem que deu certo. Assim, penso que estes três ou quatro salmões vencedores, que possivelmente já enfrentaram tudo de ruim e de bom neste mundo, em águas doces ou salgadas, calmas ou turbulentas, voltem às suas origens depois de muito amor, desilusões, suor e lágrimas.
É como se dissessem, parafraseando o Rei: "eu voltei, aqui para ficar, eu voltei, aqui é o meu lugar". Ali, antes de embarcarem desta para melhor, dao milhares de recados ao mundo. Minúsculos peixinhos que vão gerar filhos, netos, bisnetos e milhares de descendentes através dos milênios. É o ciclo da vida. É o mundo tornando a começar….
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