quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Obama e Huckabee viram a mesa

Virada na eleição presidencial norte-americana esta semana. Barack Obama, 46 anos, negro, havaiano criado na Indonésia, um conciliador que faria inveja a Tancredo Neves, superou Hillary Clinton e agora é o democrata favorito (30% das preferências) no cáucus de Iowa no início de janeiro, a “porta de entrada” para a Casa Branca. Do lado republicano, o pastor batista Mike Huckabee, 52 anos, ex-governador do Arkansas, que é contra o aborto, o casamento homossexual e pesquisas com embriões humanos, saiu de 8% para 24% nas pesquisas, podendo superar o também extrema-direita Mitt Romney, até agora o favorito no Estado.
A virada de Huckabee, anunciada às vésperas do feriado de ação de Graças, foi atribuída ao conservadorismo dos eleitores religiosos de Iowa. Já a ascensão de Obama decorre, principalmente, do cansaço do eleitorado com os “dois países” que se formaram depois da eleição de George W. Bush: as costas Leste e Oeste, progressistas, e os estados centrais, conservadores. Em termos nacionais, a ex-primeira dama Hillary Clinton, cuja plataforma está centrada na reforma do sistema de saúde, ainda domina a preferência dos democratas, ao passo que o ex-governador de Nova York, Rudy Giuliani, que se auto proclama o salvador da cidade depois de 11 de setembro, é o favorito entre os republicanos com o seu discurso antiterrorismo.
Embora os candidatos ainda tenham de passar por primárias importantes, como New Hampshire e Carolina do Sul, está cada vez mais clara a divisão do eleitorado. O advogado Obama repete a história do pastor Martin Luther King, Jr. saindo da obscuridade com apenas um – e grandioso – discurso, durante a convenção democrata de 2004, quando fez uma apologia do nome do país, Estados Unidos da América, que segundo ele sugere a união de todas as raças, credos e nacionalidades. O discurso entrou na galeria dos grandes momentos do Partido Democrata e fez com que ele se tornasse, dois anos depois, o primeiro candidato a receber proteção integral do Serviço Secreto.
Já Huckabee parece ter nascido de um livro de auto-ajuda. Gaba-se de ter perdido cerca de 50 quilos em três meses, e acha que a criminalidade diminui através do medo dos bandidos diante de “cidadãos armados”. Recentemente, anunciou a adesão à sua campanha de atores de filmes violentos ou lutadores de luta livre. É favor da pena de morte e da guerra no Iraque.
Huckabee nunca fumou ou bebeu. Depois de ter sido diagnosticado com diabetes em 2003 e ter sido avisado por seus médicos de que morreria no máximo dentro de 10 anos, fez regime, correu maratonas como de Nova York e, ainda, elegeu o perigo da obesidade como tema central de seus dois governos no Arkansas. Lá, traindo o mantra republicano, elevou os impostos e é criticado até hoje por isto. Obama, por outro lado, ainda fuma escondido dos eleitores e, no passado, experimentou maconha e cheirou cocaína. Desde pequeno, segundo sua autobiografia, publicada quando ainda estava na casa dos 30 anos, embala o sonho de ser presidente. Filho de pai queniano e mãe do Kansas, divorciados quando ele tinha dois anos, viveu a infância em Jacarta, Indonésia (o namorado de sua mãe é de lá) formou-se por Harvard e, depois do John F. Kennedy, é o político mais novo a ingressar no Senado norte-americano. Sua plataforma, embora conservadora sobre vários aspectos, traz elementos novos, como um provável diálogo com o Irã e Síria, caso seja eleito presidente
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Afinal, o que há de errado com o Citi?

A história do Citigroup, um conglomerado financeiro nascido em 1812 em Nova York, é uma sucessão de escândalos de tráfico de influência e brigas de diretores, mas nada calou mais fundo entre os acionistas do que o prejuízo de US$ 11 bilhões no terceiro quadrimestre deste ano, resultado não só da crise das hipotecas nos Estados Unidos, mas também da pura – e grandiosa – incompetência da sua direção.
O grupo, uma espécie de quartel general do capitalismo, é a maior empresa em ativos do mundo (quase US$ 2 trilhões), ostentando em seu currículo a popularização dos caixas eletrônicos e a introdução do conceito full service financeiro. Agora vem se juntar ao clube dos sem-lucro de Wall Street: Bear Stearns (prejuízo de US$ 450 milhões), Morgan Stanley (US$ 3,7 bilhões) e Merrill Lynch (US$ 7,9 bilhões).
Desconta-se que o Citi é uma colcha de retalhos resultante de aquisições desde a sua criação. O que, por si só, representa um transatlântico ingovernável. Mas o que estava fazendo o CEO Charles Prince quando a crise das hipotecas pegou fogo em 2006 e foi derreter-se no verão norte-americano em meados deste ano? O homem ganhava quase US$ 30 milhões, opções de ações, prêmios semestrais, gratificações, clube de golfe, cartão de crédito, jatinhos e o beija-mão de toda a comunidade empresarial... e mesmo assim não fez nada?
Diz-se que os problemas encontrados nas grandes empresas são os mesmos que você enfrenta aí no dia a dia da sua firma. A diferença são os números. E foram justamente os números que derrubaram o Citigroup, em fórmulas do que eles chamam de colaterização de débitos hipotecários, uma coisa tão difícil de entender que, como diz o ditado, dá para desconfiar. Na hora do “vamos ver”, as explicações foram mais complicadas ainda. Enquanto todo mundo estava ganhando dinheiro tudo bem, mas agora que a ficha caiu, só Prince foi mandado para a casa.
Desde que ele foi defenestrado do cargo, o conselho de diretores está, agora, à procura de um comandante. Paga-se bem, mas o problema é que o cargo é uma cadeira quente: o novo CEO terá de manejar um barco de 332 mil funcionários e 200 milhões de contas correntes em cerca de 100 países. Cada canetada sua pode balançar os Estados Unidos, a começar pela Bolsa de Nova York, cujo índice Dow Jones o Citi compõe e influencia.
Na última semana, um atento analista recomendou vender as ações do Citi, já que a exposição do conglomerado aos mercados de crédito continua sendo preocupante, especialmente para o seu maior acionista individual, o príncipe Al-Walid Saud, o 13º homem mais rico do mundo e proprietário de 10 bilhões em ações, ou 4% do total.
A crise é de liderança, concluiu o The Wall Street Journal esta semana. Por isto o conselho de diretores está se reunindo para avaliar os sucessores de Prince, “que agora deve ser um rei”, brinca o jornal. O conselho conta com nomes influentes, como Richard Parsons, CEO da Time Warner, Franklin Thomas, ex-Ford Foundation, o ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, Robert Rubin, que foi nomeado chairman depois que Prince foi convidado a se retirar, e o brasileiro Alain Belda, da Alcoa.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Onda verde aquece negócios de Al Gore

Prêmio Nobel da Paz de 2007 e “ex-futuro-presidente dos Estados Unidos”, como chama a si mesmo, o democrata Al Gore enterrou de vez esta semana os sonhos dos fãs que esperavam sua candidatura à sucessão de George W. Bush: será sócio de uma das maiores empresas de capital de risco do mundo, a Kleiner Perkins Caufield & Byers (KPCB) que, após o advento da era da informação, agora investirá em negócios sustentáveis, especialmente na área de energia. O setor vislumbra um mercado potencial de US$ 6 trilhões nos próximos anos.
Como empresário – além de dono da Current TV, um canal a cabo para jovens, faz parte dos conselhos da Apple e da Google e ainda ganha dinheiro com livros e o documentário Verdade Inconveniente, ganhador do Oscar - Gore já é milionário (cobra US$ 100 mil por palestra) e poderia se aposentar na sua mansão em Nashville, Tennessee. Mas agora, diante da urgência de um desastre planetário com a elevação da temperatura, já existe o consenso de que quem vai salvar a Terra é a iniciativa privada, muito mais do que governos e tratados internacionais.
“Trata-se da combinação do Plano Marshall e dos Projetos Manhattan e Apolo ao mesmo tempo”, comparou o ex-vice-presidente que hoje, segundo pesquisas, é a personalidade mais popular nos Estados Unidos. Há três anos Gore fundou um fundo de investimentos sustentáveis, o
Generation Investment Management, mas agora virou sócio de uma empresa referência na Sand Hill, a rua do Vale do Silício que é o coração do venture capitalism no mundo. Seu papel será uma espécie de radar para novos negócios no setor.
A KPCB está para o capitalismo de risco assim como Steve Jobs, da Apple, está para o computador pessoal. Foi de lá que saíram investimentos iniciais para empresas como Google, Amazon, Sun e Netscape. Até 2009 a firma investirá pelo menos US$ 600 milhões em negócios que produzam tecnologias que reduzam a emissão de dióxido de carbono. Desde o ano passado foram investidos US$ 270 milhões em 26 empresas que fazem desde micróbios que destroem manchas de óleo até carros elétricos. 12 dos seus 22 sócios gastam a maioria do tempo em projetos “verdes”. “Estamos no início de uma nova revolução industrial, e significativamente maior e mais rápida”, disse Gore.
Na onda de Gore e seus sócios, grandes empresas americanas estão mergulhando no mundo da sustentabilidade. O Wal Mart, por exemplo, a maior empresa do mundo, acaba de fazer um evento para os seus 65 mil fornecedores em Bentonville, Arkansas, anunciando a construção de lojas ecológicas e, melhor ainda, redução no empacotamento de produtos. A Coca Cola já está investindo na substituição de seus nove milhões de refrigeradores e vending machines para reduzir e emissão de dióxido de carbono.
Embalado nesta virada da América Corporativa, Al Gore poderá, na iniciativa privada, realizar sonhos que talvez não pudesse realizar caso fosse presidente dos Estados Unidos. O também ex-senador e deputado federal é formado por Harvard em Letras, foi correspondente de guerra (embora se opusesse ao conflito do Vietnã, foi convocado e serviu como fotógrafo de uma revista especializada, Army Flier) e é uma espécie de reserva moral dos Estados Unidos.


. Acima de qualquer suspeita

Políticos são cobrados por roubalheiras ou escândalos sexuais, mas Al Gore, 59 anos, é questionado por coisas aparentemente inofensivas, com o rastro de carbono que provoca quando viaja de avião ou quando liga as luzes de sua mansão de US$ 2,3 milhões.
Para se defender, e não deixar nenhuma dúvida quanto aos seus propósitos, Gore paga pelo carbono emitido pelos aviões que utiliza através de websites como o
http://www.terrapass.com/. Acaba de instalar 30 painéis solares na sua casa e só utiliza carros híbridos como Prius, da Toyota.
Depois de um dos maiores revezes políticos da história, perder a eleição de 2000 para George W. Bush no Colégio Eleitoral mas ganhar no voto popular, Gore é o centro de uma revolução empresarial sem precedentes. Seu poder de mobilizar recursos políticos e financeiros para as chamadas empresas-verdes é inigualável no cenário de negócios nos Estados Unidos.
Na Kleiner Perkins Caufield & Byers, ele vai trabalhar pelo menos cinco dias por mês – até já comprou um apartamento em San Francisco, perto da sede da empresa – e vai dividir com os outros 22 sócios uma taxa de 2% de administração e cerca de 20% do dinheiro ganho com a venda ou abertura de capital das novas empresas de tecnologias limpas, como são chamadas.
Ao contrário dos investimentos na tecnologia da informação, até agora pouca gente ganhou dinheiro com empreendimentos que fazem painéis solares, aproveitam a energia das marés ou do hidrogênio a preços competitivos. Mas, com o petróleo beirando a US$ 100 o barril e o governo dando incentivos com programas e redução de impostos, a nova corrida do ouro já está em marcha.
Gore, até a década de 80 um político interiorano sem expressão nacional, transformou-se quando quase perdeu seu filho, Al Gore III, então com seis anos, num desastre de carro em 1989 em Baltimore, Maryland. Durante o longo período de restabelecimento, Gore escolheu ficar no hospital ao lado do filho, deixando em segundo plano da candidatura à presidência dos Estados Unidos em 1992.
Foi neste tempo que escreveu o livro “Terra em Equilibro”, uma reflexão que o levaria a tornar-se, uma década depois, um fenômeno respeitado internacionalmente. Ele fala sobre o assunto no documentário Verdade Inconveniente, ganhador do Oscar de Melhor Documentário em 2006, mas segundo os críticos “a mais famosa apresentação em PowerPoint da história”.
Seu filho foi preso em julho deste ano por posse de maconha e barbitúricos em Laguna Hills , na Califórnia, depois de atingir 100 milhas por hora em seu Toyota Prius. A imprensa americana correu atrás de Gore pedindo entrevistas. Ele atendeu a todos dizendo que se tratava de uma questão privada e, como tal, não falaria sobre o assunto.

Microtendências, ou Deus está nos detalhes

Você sabia que, cada vez mais, jovens norte-americanos estão fazendo crochê? Que o judaísmo é a religião mais querida aqui? Que está havendo uma explosão de nascimento de pessoas canhotas? Que a população de solteironas nos Estados Unidos quase dobrou de 1970 a 2005? Que existem cerca de 30 milhões de pessoas tatuadas? Ou que um milhão de homens norte-americanos fizeram operação plástica em 2006? É um punhado de informação (ou cultura inútil) que a gente vê aqui e ali, e que até hoje não sabia que se tratava de uma microtendência, um termo inventado recentemente que está dando o que falar nos Estados Unidos.
Tudo começou quando o especialista em pesquisas Mark J. Penn, hoje CEO da Burson-Marsteller, uma das maiores empresas de relações públicas do mundo, trabalhava para o então presidente Bill Clinton na Casa Branca, em 1996. Ele começou a perceber um fenômeno: mulheres brancas, casadas, moradoras dos afluentes subúrbios norte-americanos, devotadas aos filhos, estavam se tornando, muito mais do que os maridos, uma força política expressiva. Um detalhe que passava desapercebido nas pesquisas.
Penn as apelidou de “soccer moms”, não no sentido literal de mães de futebol, mas aquele tipo de mulher atribulada que leva os filhos de atividade em atividade, em carrões espaçosos, e que até então, pensava-se, estavam indefinidas politicamente. Clinton entendeu a mensagem, levou o assunto a sério e prometeu medidas que lhes agradavam, como coibir o tabaco entre os adolescentes, obrigar escolas a fazer testes de detecção de drogas e leis que limitam a violência na TV. Acabou se reelegendo com a ajuda delas.
Penn escreveu um livro sobre estes pequenos e intensos grupos que têm suas próprias necessidades e raramente aparecem no radar de marqueteiros, varejistas, publicitários, jornalistas ou quem quer influenciar os hábitos da sociedade. Junto com E. Kinney Zalesne, que também serviu na Casa Branca, lançou Microtendências –As Pequenas Forças por Detrás das Grandes Mudanças do Amanhã –, que não sai da lista dos mais vendidos do The New York Times desde setembro.
O livro reúne 75 microtendências em assuntos tão díspares quando amor, trabalho, religião, saúde, vida familiar, política, dinheiro, educação, lazer, moda e dietas. São coisas que gente, por assim dizer, não sabia que sabia. Por exemplo, que embora nasçam mais meninos que meninas, há falta de homem no mundo. Adolescentes machos morrem mais do que adolescentes fêmeas, enquanto que a população de gays homens é o dobro de mulheres lésbicas, pelo menos nos Estados Unidos. Ou que está explodindo o número de aposentados que, por terem uma vida mais longa ou por não gostarem de ficar em casa, continuam trabalhando. Ou ainda que está aumentando o número de pais-avós, que têm filhos depois de fazer o 55º aniversário.
A conclusão é que hoje em dia o mundo não age monoliticamente, mas é uma coleção de pequenos pontos que precisam ser juntados, e examinados, um a um. O mundo virou um grande Starbucks, onde cada um dos milhões de clientes que entra em suas 13 mil lojas é tratado pelo nome e pode escolher uma das 11.735 mil variedades de café, chá ou outra bebida qualquer. Cada um é cada um ou, como se diz, cada caso é um caso. Deus está nos detalhes.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Rei do xadrez quer ser presidente

Os Estados Unidos assistiram na semana passada à genialidade de Garry Kasparov, 44 anos, o maior enxadrista de todos os tempos, o russo-armênio-judeu nascido no Azerbaijão que derrotou com mão de ferro seus adversários e que agora encabeça a oposição ao presidente Vladimir Putin para a eleição de 2008.
Kasparov, que chegou a vencer por duas vezes o Deep Blue, o computador da IBM construído para derrotá-lo, encantou a platéia americana em programas de TV como o 60 Minutes (CBS), Bill Maher (HBO) e Stephen Colbert (Comedy Central) com sua inteligência, perspicácia e inglês shakespeariano. Saiu aplaudido em todas as ocasiões. Pena que o eleitorado esteja a mais de 7 mil quilômetros de distância e não entenda inglês.
Até Kasparov aparecer nos Estados Unidos a pretexto de lançar seu 22º livro, Como a vida imita o xadrez, acreditava-se que os gênios do jogo inventando pelos persas no século 12 fossem geniais apenas para jogar xadrez. Mas ele, que lidera a coalizão "A Outra Rússia", onde coabitam diversas correntes políticas, inclusive a extrema direta, está mostrando o contrário. Sobressai-se com respostas que deixam os jornalistas desarmados. Exemplo:
- Como o senhor quer ganhar a eleição contra um presidente (Vladimir Putin) que tem 80% da preferência da opinião pública? - indagou Maher.
- Se George Bush controlasse a imprensa e os institutos de pesquisa ele teria um índice de aprovação de 90% - respondeu o enxadrista.
Kasparov foi preso, multado e investigado pela polícia russa. Milionário e famoso - é um herói nacional - anda com guarda-costas, varia seus trajetos diariamente e manda a família com freqüência ao exterior. Sua luta é para trazer de volta a democracia à Rússia, que desde o advento de Putin, há sete anos, "estabeleceu censura à imprensa, cancelou eleições, entregou as empresas e recursos naturais aos seus aliados e parece não ter muita vontade de entregar o cargo", diz.
- É uma ameaça não só ao futuro do meu país, como à estabilidade de todo o mundo - completa.
Kasparov reconhece que está diante da maior jogada da sua vida. Pelo menos três opositores de Putin já se deram mal. A repórter investigativa Anna Politkovskaya foi morta em seu prédio, em Moscou. O ex-agente da KGB Alexander Litvinenko foi envenenado em Londres com polônio. E Mikhail Khodorkovsky, um dos bilionários russos depois do fim da União Soviética, está preso na Sibéria. Não há evidência de que Putin esteja por trás destes atos, mas há consenso de que coisas ruins acontecem a pessoas que desafiam sua autoridade. Kasparov sabe que poderá figurar nesta lista:
- Faço uma política de redução de riscos, embora ninguém esteja seguro na Rússia de Putin - afirma.
Vladimir Posner, apresentador de um programa de entrevistas, diz que Kasparov é um brilhante jogador de xadrez, mas hoje, em termos políticos, uma figura decorativa.
- Ele não seria eleito nem para ser o dono da carrocinha de cachorros da cidade - brinca.
Para Vyacheslav Nikonov, assessor do Kremlin, Kasparov representa "apenas 3% ou 4% do eleitorado liberal que não está satisfeito com Putin".
- Nas pesquisas de opinião, você não vê a democracia entre os 30 principais itens que preocupam os russos. À frente, queremos empregos, o fim da corrupção, do crime e a volta da assistência governamental - sustenta o especialista.
É o que Putin está fazendo.

Macaco, Tião, Cacareco e Cia

Aos ilustres nomes do título acima adiciona-se, agora, o de Stephen Colbert, o maior humorista americano da atualidade, que semana passada anunciou ser candidato à Presidência dos Estados Unidos por ambos os maiores partidos, Republicano e Democrata. Colbert registrou-se quarta-feira pela Carolina do Norte, o Estado onde foi criado, e com sua força – seu programa The Colbert Report é um dos mais vistos na TV americana – é capaz de atrapalhar o caminho de muita gente, da mesma forma que advogado dos consumidores Ralph Nader roubou votos do democrata Al Gore e deu a presidência americana ao republicano George W. Bush em 2000.
Tião era um macaco, Cacareco um rinoceronte, mas Colbert é diferente. Ao lado de Jon Stuart, do The Daily Show, representa uma incrível tendência na política americana: os eleitores preferem se informar sobre política em programas que ridicularizam os políticos. A política tradicional, aquela que os gregos elegeram como a atividade mais importante do ser humano, ficou restrita aos sonolentos debates da TV e nas mãos de poucos eleitores (30% da população) que ainda se dispõem a sair de casa e votar.
Em seu programa de meia hora no final da noite no Comedy Central, Colbert desdenha de todo mundo, especialmente dele mesmo. Ele era um obscuro ator quando começou a trabalhar para o The Daily Show, onde fez sucesso como correspondente sênior na Casa Branca entre 1997 a 2005. A receptividade foi tão grande que o próprio Jon Stuart convidou (e produziu) um programa para ele, o The Colbert Report, uma paródia ao programa do porta-voz da direita, Bill O’Reilly, do The O’Reilly Factor, na Fox News.
` Colbert começou a chamar atenção dos políticos quando iniciou uma série de entrevistas com boa parte dos congressistas americanos no Capitólio, e freqüentemente parecia dormir à frente dos deputados ou fazer perguntas sem nexo que deixavam os parlamentares perplexos. Os próprios deputados e senadores se ofereciam para aparecer no programa, confiando na alta audiência. Mas a coisa ficou tão ridícula que a liderança do Partido Democrata recomendou que os deputados evitassem o programa para não ridicularizar o Parlamento.
O sucesso do comediante só aconteceu entre o grande publico quando, no tradicional jantar da Associação dos Correspondentes da Casa Branca, chocou o presidente Bush com piadas desrespeitosas para um chefe de Estado, seja ele qualquer. De repente, sua audiência subiu cerca de 30% no Comedy Central. Afinal, Colbert não tem compromisso com ninguém, nem com ele mesmo. Se autodescreve como “bem intencionado, pouco informado...um idiota de alto nível”, ao mesmo tempo “egomaníaco, xenófobo e anti intelectual”.
Uma pesquisa da Public Opinion Strategies mês passou descobriu que Colbert receberia 2.3% dos votos democratas, mais do que Bill Richardson, Christopher Dodd, Dennis Kucinich e Mike Gravel, que disputam com Hillary Clinton e Barack Obama a indicação do partido para a presidência dos Estados Unidos. Ele receberia 13% se sua candidatura fosse independente contra Rudy Giuliani, o favorito dos Republicanos, ou mesmo contra Hillary Clinton.
Os resultados são especialmente contundentes entre jovens de 18 a 29 anos, onde Colbert tem 28% da preferência do eleitorado. Um comentarista de TV chegou a dizer que ele estaria à frente dos todos os demais candidatos agora em meados de novembro. No Facebook, o site de relacionamento mais famoso do mundo, ele tem um fã clube de mais um milhão de jovens, e é considerado o grupo que mais cresce em toda a história do site – 83 pessoas por minuto.
Colbert diz já ter 15 milhões de dólares no caixa de campanha, através de doações do Doritos, a fritura vendida pela Pepsi. Já disse que, se eleito, “será tão bom para o país quando Doritos é para o seu corpo”. Os aspectos legais da campanha – se ele pode ou não ser candidato, principalmente- já dividem democratas e republicanos. Muitos blogueiros o chamam de “O Retrocesso Colbert”, por invadir o território político cruzando a linha da sátira e, assim, bagunçando todo o processo.
Colbert presidente pode ser uma sátira exagerada, como no filme “O Homem do Ano”, com Rob Willians. Mas ele já foi eleito pela revista Time uma das celebridades mais influentes de 2006, enquanto o New York Magazine o escolheu como uma das mais influentes personalidades da mídia. Em 2007, foi eleito pelo U.S. Comedy Arts Festival como A Personalidade do Ano e Um dos mais sexy homens vivos, entre outros prêmios. A coisa ainda está na brincadeira, mas como na história do bode na sala, está começando a incomodar. Seriamente.