sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Gordon Gekko, ou a ganância não é pecado


Seattle - Agora que já foram derretidos mais de 8 trilhões de dólares para salvar os Estados Unidos, Hollywood prepara uma nova versão de Wall Street, o filme de Oliver Stone sobre um corretor chamado Gordon Gekko, interpretado por Michael Douglas, que numa certa altura do drama diz: "Ganância, na falta de uma palavra melhor, é uma coisa boa". Ninguém jamais imaginaria que o filme, pessimamente recebido pela crítica, tornaria-se um dos mais cultuados de todos os tempos, mesmo 21 anos depois de fazer sucesso nos cinemas e arrecadar mais de US$ 45 milhões.

Michael Douglas, que ganhou um Oscar por sua atuação, nunca mais conseguiu se separar do irascível e perverso player que representou, um homem sem coração, que seria capaz de pisar no pescoço da própria mãe para fazer um bom negócio. Até hoje, quando entra num pub em Nova York, como revelou recentemente ao Los Angeles Times, vem um engravatado com gel no cabelo e um dry martini na mão que lhe diz: "Ei Gekko, você é o cara...".

Muita gente queria ser Gordon Gekko na década de 80. O princípio era simples: acorde cedo, durma tarde, trabalhe duro (e bota duro nisto), coma um sanduíche no almoço e jante no Fasano, use ternos bem cortados, de preferência com gravatas berrantes e suspensórios. Por detrás deste figurino, a máxima: jamais aja com o coração, custe o que custar. Olho nos números, nada mais que números, e trate gente como máquina. Ou melhor, como coelho. Uma cenoura na frente, e uma paulada atrás.

Pois bem. Aqui e aí, este pessoal vem brincando à vontade deste então, ganhando milhões de dólares, quando o mercado sobe ou desce -, enviando-os para paraísos fiscais, comprando Ferraris e desdenhando do que eles chama aqui de Main Street, a economia real. Desde lá, são considerados intocáveis. Se vem alguém querendo regular os mercados, ou querendo limitar seus ganhos, surge um monte de consultores e especialistas fazendo apologia da liberdade de mercado. E a imprensa vai atrás.

Estes mesmos Gordons Gekkos da vida estão os responsáveis pelo Armagedon financeiro que se abateu sobre o mundo recentemente. Infelizmente, não há nada a fazer contra eles no sistema capitalista. Do mesmo jeito que destruíram a vida de milhões de famílias ao redor do mundo, implodindo ou postergando sonhos de gerações, eles vêm criando riqueza - e empregos - ao redor do mundo desde a década de 80. "Eu não sou devastador de empresas. Sou um libertador", dizia ele.

Ou seja, qualquer regulamentação, como querem alguns, reduziria a capacidade deste pessoal de também agir para o bem - investindo em empresas, emprestando recursos para girar a economia, empregando gente. O melhor, agora, é esperar que o próprio capitalismo, o pior sistema que existe (porque não inventaram coisa melhor) se ajuste, os agentes do mercado voltem a ter confiança entre si e o mundo continue a rodar.

Quanto a Gordon Gekko, os produtores ainda não sabem como ele voltará às telas, duas décadas depois. Estará ainda na prisão? Será mais condescendente com o mundo? A arrogância vai acabar com ele novamente? Sua segunda melhor frase vai ficar na história: "trabalho duro não para viajar de primeira classe, mas sim para ter o meu próprio jatinho".

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Você chamaria Barak Obama para salvar a sua empresa?


Seattle - Carismático, pai exemplar, orador excepcional, o presidente-eleito Barack Obama nunca amanheceu com contas a pagar e dormiu com contas a receber. Até ficar rico com sua autobiografia, A Audácia da Esperança, vivia pendurado em cartões de crédito, a exemplo de seus mais de 100 milhões de eleitores. Em seu primeiro emprego, como pesquisador numa consultoria financeira, sentia-se um espião atrás das linhas inimigas. Obama sempre foi aquele cara que está mais para empregado insatisfeito do que patrão legal (se é que existe patrão legal). Agora, vai assumir o comando da locomotiva do mundo sem saber como ela roda, o que ela carrega e para onde ela vai. Os Estados Unidos e o mundo esperam que ele se saia bem, mas um rápido "reality check", como se diz aqui, leva a crer que só um milagre pode fazer com que ele recoloque o país nos trilhos.
Na Casa Branca a partir de 20 de Janeiro próximo, o presidente democrata vai descobrir todos os bilhões de dólares despejados pelo governo para salvar o mercado imobiliário foram por terra. Até o fim de 2008, outras 1,4 milhão de hipotecas não vão ser honradas. Ou seja, o que gerou a maior recessão econômica deste 1930, o escândalo das sub-primes, está longe de acabar. Obama será obrigado a intervir no mercado novamente para convencer os bancos a dar uma moratória nos pagamentos. Do começo deste ano até hoje as casas já perderam outros 17% do seu valor. O detalhe é que quanto mais o governo interfere, menos o mercado reage.
Como democrata, Obama adora sindicatos. E sindicatos, como se sabe, adoram proteger o trabalhador. De cada carro que sai das linhas de produção da General Motors (a empresa tem caixa para sobreviver até o final de Dezembro, e não pode mais pedir emprestado), dois mil dólares são separados para pagar benefícios de empregados. A conta simplesmente não fecha. Com este câncer na produtividade, mais de um milhão de empregos serão perdidos este ano. O desemprego vai chegar a 7% até Dezembro, maior índice desde 1993. Obama vai ter de cortar impostos para desempregados, emprestar dinheiro para as empresas contratarem mais e terá que convencer o Congresso a dar um segundo pacote de estímulo para a população. O primeiro, no início deste ano, quase chegou a US$ 300 bilhões e foi distribuído indiscriminadamente entre todos - isto mesmo, todos - cidadãos norte-americanos.
Menos impostos, mais gastos, e assim a vida continua. Mesmo com o petróleo barato, outra vítima da recessão, o presidente eleito terá de investir mais de US$ 150 bilhões em fontes alternativas de energia nos próximos dez anos, de forma que o país se veja livre da dependência do óleo do Oriente Médio. O progresso que está sendo feito em diversas áreas - energia solar, vento, ondas do mar etc - é excepcional, mas nada que sobrepasse o velho, e agora novamente barato, óleo dos cheiques árabes. Analistas já estão prevendo que o preço do petróleo vai voltar em breve aos níveis do início deste ano - mais de 100 dólares o barril.
Com tanto pepino pela frente, os Estados Unidos estão precisando de um líder carismático ou de um gerente eficaz e eficiente, que resolve tudo doa a quem doer? Se os Estados Unidos fossem uma empresa, a sua empresa, você chamaria Barack Obama para tomar conta do pedaço?





sábado, 1 de novembro de 2008

Crise? Pergunte à mamãe




Seattle - Querem ler mais uma história sobre crise? Em 1929, meu avó, cujo nome eu herdei, era fazendeiro de café às margens do rio que, na década de 60, viria a se tornar o lago de Furnas, no Sul de Minas. Com a derrocada das bolsas, o café perdeu o preço e ele foi obrigado a dar a fazenda para um banco da região. Ele pegou a mulher e seis filhos e foi para a cidade, Fama, onde tornou-se comissário de café - ocupação com a qual sobreviveria até morrer. Pessoas que presenciaram aquela época, como minha mãe, morrem de saudade do que perderam e, mais ainda, do que viria a seguir.
Das histórias contadas de gerações em gerações, a imagem que fica é a de uma fazenda colonial, cheia de jardins (obra da minha avó), caixas d'água (obras do meu avô), cafezais a perder de vista, uma linha de trem que passava semanalmente entre o rio e a casa, naquela época a única ligação com aquele mundo desglobalizado, leite no pé da vaca, pães de queijo, pintinhos enfraquecidos perto do fogão de lenha, peru que morria na véspera e um casal de cachorros, Ramona e Caruso.
Ramona, alegre e festeira, recebia os visitantes com estardalhaço, latindo, pulando em cima das crianças e sujando os ternos de algodao dos visitantes. Caruso, um pouco atrás, como o príncipe consorte seguindo a futura rainha, tinha o paz do silêncio. Mas quando resolvia abrir a boca mordia cruelmente quem tivesse pela frente.
Os cães, que hoje deduzo serem representantes da raça Fila brasileiro, eram a proteção contra tudo: viajantes indesejados, cobradores, familiares aborrecidos, prenúncios de tempestades e tudo o mais. Além de alarme contra ladroes, matavam gambás, perseguiam gatos, ajudavam manusear o gado e, se não tivessem valia alguma, davam vida a fazenda.
Meu tio, por exemplo, relembra que, todos os dias, levava os dois cachorros para tocar o gado. Lá no pasto, bastava gritar Ramona, Caruso, para os animais, em fila indiana, voltarem para o retiro de leite. Um dia - "eu era apenas um menino" - ele se esqueceu de chamar os cachorros, foi sozinho até o pasto e gritou: Ramona, Caruso... e as vacas, sem pestanejar, voltaram na hora para o retiro. Talvez esta tenha sido a maior mentira que já escutei, mas como somos mineiros, todos nós a recontamos com orgulho.
Fazendeiros, como meu avós, são apegados à terra, e a tem como o bem maior, o mais sólido e o mais perene dos investimentos. Com o crack da bolsa, um espirro comparado às intrincadas e globalizadas crises de hoje, abandonaram tudo que tinham, fizeram as malas e foram para a, na época, importante (e estrategicamente localizada) Fama. Um dia, de tardinha, minha avó estava com as crianças (entre as quais a minha mãe) no alpendre e, lá longe, viu dois cachorros cansados, suados, no fim da rua. Vinham correndo, ofegantes, com a língua de fora, com a força que so a saudade traz. Minha avó sentou-se no chão, chamou a vizinhança e começou a chorar copiosamente. Eram Ramona e Caruso.

P.S. O banco ficou com a fazenda, mas a represa de Furnas colocou-a debaixo d'àgua para sempre.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O império da lei nos salva da selvageria


Atlanta - Hitlers, Osama Bin Ladens, Sadam Husseins, ou este menino que matou a namorada "por amor" no Brasil, todos eles merecem julgamento, defesa e advogado. Os "bad guys", como se diz aqui, vêm e voltam com o tempo, mas esta questão é eterna. Quando assistimos na TV crimes dantescos, nossa primeira reação é devolver aos criminosos todo o sofrimento que eles perpetraram. Torturá-los, humilhá-los, jogá-los à fúria de outras bestas feras na prisão. A vontade é: roubem-lhe os direitos, já que eles, como animais na savana, tiraram-nos a vida, a dignidade, um parente ou até bens materiais.
O advogado norte-americano Peter Keane vem defendendo criminosos há mais de 30 anos e, sempre, entre uma sentença e outra, depara-se com esta questão ética e moral. Em sua carreira profissional, frequentemente enfrenta a sanha do Estado, dos policiais, da opinião pública, da mídia e tudo mais. É o reú e ele, sozinhos num canto do Júri, contra o mundo. "Já ajudei a colocar em liberdade gente que, livre, matou mais pessoas", testemunhou no programa I Believe, da NPR , a rádio pública norte-americana. "E isto, é claro, trouxe noites em claro, ansiedade e depressão".
A maioria das pessoas tem dificuldade em entender tudo isto, diz Keane. O direito à defesa, por incrível que pareça, explica, é o mecanismo que a nossa sociedade inventou para proteger e manter a nossa liberdade. Se sempre nos pautarmos pela regra de que, não importa o que um indivíduo tenha feito, sempre haverá uma pessoa para defendê-lo, seremos livres também. A regra, sábia, simples e extremamente eficiente, é um antítodo contra a tendência natural de ser humano de agir sob a influência da emoção ou, o pior, abusar do poder, de qualquer poder.
Embora defendesse cada um dos seus clientes com habilidade, tenacidade e criatividade, a maioria deles foi condenada. Outros, mesmo culpados, foram postos em liberdade e voltaram a cometer crimes. Keane voltou a defendê-los com o mesmo zelo.
Como ele se sente depois de três décadas defendendo criminosos? Orgulhoso. Sua consciência ainda se debate com este diálogo moral? Sem dúvida.
Nos júris, ele conviveu não só com os criminosos, mas muitas vezes com as vidas - destroçadas, humilhadas, corroídas - de familiares e amigos das vítimas. Mas, ao final de cada julgamento, a crença de que ele estava fazendo, mais uma vez, a coisa certa, prevalecia sobre uma possível dor de consciência.
"Tirar esta proteção para quem cometeu o crime, ou de quem foi acusado de cometer um crime, joga por água abaixo todos os outros direitos democráticos, que foram tão cuidadosamente refinados durante o nosso processo civilizatório. Sem a resistência dos advogados que representam pessoas processadas, toda a liberdade se perde", diz ele.
Hoje dando aulas em universidades, Keane recomenda a seus alunos manterem o orgulho de defender os criminosos, não importa o que eles ou elas fizeram. "Eu desejo que eles saibam defender gente como Saddam Hussein e Osama Bin Laden, ou para os estupradores, assassinos e ladrões. Uma pessoa do seu lado, não importa o que você fez. É nisto que Keane acredita.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Youtube é que ganhou as eleições nos Estados Unidos

Seattle - As eleições de 2008 têm um grande vencedor. É o Youtube, o site controlado pelo Google que, hoje, é a maior ferramenta de panfletagem (e de reflexão) política em todo o mundo. Acredita-se que, dos 200 mil vídeos postados todos os dias, cerca de 35% sejam de cunho político, disponíveis 24 por dia, 365 dias por ano. Juntos, os vídeos que envolvem Barack Obama e John McCain já receberam cerca de 100 milhões de visitas. A maioria deles são curtos e extremamente bem produzidos, parecidos com comerciais, geralmente feitos pelas campanhas por cima ou por debaixo do pano. O vídeo de maior sucesso, no entanto, é o que ridiculariza a candidata Sarah Palin, candidata à vice-presidente pelo Partido Republicano, especialmente as engraçadíssimas caricaturas feitas no programa Saturday Night Live, da NBC. Do lado de Obama, possivelmente o futuro presidente dos Estados Unidos, o mais assistido é o seu já famoso discurso sobre a questão do racismo, um catatau de 37 minutos já visto 6 milhões de vezes.

Por que este sucesso todo? Em primeiro lugar, segundo o Politico.com, o site vem roubando audiência da TV da mesma forma que a TV roubou os públicos das rádios e jornais desde a campanha do republicano e herói de guerra Dwight Eisenhower em 1960. Aliás, tudo que a TV produziu em seu 60 anos de história é o equivalente a apenas seis meses de Youtube. Só em julho último, segundo uma pesquisa da Universidade do Kansas, aproximadamente 91 milhões de internautas assistiram a 5 bilhoes de vídeos no site. Em segundo, o Youtube está mais presente na política do que promessa de candidato. O Pew Research Center diz que 35 milhões de americanos já assistiram vídeos on line relacionados com política. Num país de quase 400 milhões de habitantes, nunca houve tanta gente politizada e, melhor ainda, com vontade de colaborar.

Em terceiro lugar, o Youtube é uma fantástica ferramenta política. Candidatos e simpatizantes colocam milhares de vídeos todos os dias, mesmo antes de acabar os eventos, na tentativa de chamar a atenção do eleitorado, sem interferência de um jornalista metidinho qualquer que descontextualize a mensagem do candidato. E, para o bem ou para o mal, o vídeo fica ali para sempre, virando fonte de referência caso você tenha perdido a ocasião. Dependendo do tanto de gente que os assiste, as campanhas têm à mão a resposta imediata do eleitorado, também para o bem ou para o mal. Quem perde são as empresas de pesquisa.

O Youtube é a estrela da Web 2.0, uma revolução colaborativa na Internet que está mudando o mundo, com importantes reflexos na política. Ao lado deste site, Facebook, Twitter, MySpace (e até o Orkut no Brasil) são ferramentas de um fenômeno muito maior que ultrapassa os conceitos políticos tal qual os conhecemos. O povo, ou os internautas, não querem mais apenas votar. Querem participar do processo político, também terem seus 15 minutos de fama, mudar o mundo através das teclas do computador. Fora Barack Obama, poucos políticos perceberam que a Web 2.0 está mudando mundo. Em 2008 estamos vendo apenas uma gota de um oceano que, em breve, vai mudar (para o bem) como lidamos com o mais importante ato de nossas vidas: o voto.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os Estados Unidos são excepcionais?


De vez em quando surgem no horizonte teorias que nos causam arrepios. É o caso da tese, por exemplo, do excepcionalismo dos Estados Unidos, falado à queima roupa nos debates de TV quando acabam as justificativas para a série de erros que o país vem cometendo desde que os democratas deixaram o poder. À primeira vista, o American Excepcionalism parece ser mais um exercício de ego do país que, em toda a história da humanidade, conseguiu concentrar um inconcebível poder político, econômico e militar.

Justiça seja feita, no entanto. Esta tese não tem nada a ver com superioridade, mas sim com diferenciação. Cunhada pelo pensador político francês Alexis de Tocqueville, que escreveu Democracia na América, o pressuposto é o de que os Estados Unidos e seu povo diferem do resto do mundo porque para cá convergiu uma miríade de povos de várias raças e cantos do mundo (e como continuam chegando), mas sem arredar pé de valores inalienáveis, como democracia, o império da lei, a liberdade, o bem comum, o jogo justo, a propriedade privada, os direitos humanos e o governo constitucional.

O problema é que agora, tal qual Roma, os Estados Unidos estão sendo vítimas do poderio que mantém desde meados do século passado, segundo Andrew J. Bacevich, um professor de História e Relações Internacionais da Universidade de Boston e coronel de reserva. Ele acaba de escrever The Limits of Power: The End of American Exceptionalism, uma interessante autocrítica sobre a paulatina perda do poder de uma Nação.

Segundo Bacevich, a ética da auto gratificação – notadamente numa nação que deve pelos cotovelos e que, apesar das ameaças, continua gastando quase a metade do que o mundo produz – é a saúva que está acabando com os Estados Unidos. É um contraponto à pedra basilar que torno da qual este país se formou – a crença puritana de que somente o trabalho duro e auto abnegação levam ao sucesso.

Para o autor, a única superpotência mundial, com as forças armadas superiores à soma de todas as outras, também se meteu em compromissos externos que, a cada dia, é obrigada a sustentar sem ter os meios para tal – uma referência a Guerra do Iraque ou do Afeganistão. Ou ajudar povos que os americanos só ficaram sabendo outro dia – e pelo noticiário – como a Ossétia do Sul, o enclave da Geórgia invadido pela Rússia.

Tudo que sobe, desce, diz o ditado. O excepcionalismo norte-americano, no entanto, continua a desafiar a ordem natural da história. Ao contrário do império romano, ou mesmo de um exemplo mais recente, o império britânico, onde o sol nunca se põe, ou se punha, a decadência do país já foi anunciada em prosa e verso repetidas vezes, e para todo mundo ouvir.

O interessante é que o país, por ser excepcional, cai, levanta, dá a volta por cima e lá em cima permanece. Vejam, por exemplo, o resultado da conjunção dólar fraco associado ao alto preço do petróleo. Aumentando sua competitividade com a desvalorização da sua moeda, e tornando oneroso o transporte com o aumento de preço do petróleo (um container da Shangai para Nova York passou de US$ 2 mil para US$ 8 mil), o país provoca o reverso da globalização que ele próprio criou, trazendo de volta muitas das indústrias (e dos empregos) que perdeu.

Como ainda dita os destinos da humanidade, os Estados Unidos ainda farão qualquer coisa a seu alcance para não perder a hegemonia. E, assim, ganhará mais tempo de poder do que a história lhe reservou.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Viva a diferença, mas com direitos iguais


Traída pelo marido, traída pelo Partido Democrata e agora por Barack Obama, que não a escolheu para ser vice-presidente na sua chapa à Presidência dos Estados Unidos, a senadora por Nova York Hillary Rodham Clinton, 60 anos, não deixou por menos. Subiu semana passada no palanque da convenção do partido em Denver, Colorado, e, lá de cima, jurou fidelidade ao marido (“um dos melhores presidentes norte-americanos até hoje), ao Partido (“precisamos nos unir) e a Obama (“ele é o meu candidato”).

Mulher traída, como se sabe, é um dos bichos mais perigosos que existe. Quando traída politicamente é pior ainda. Mas Hillary, que sofreu as duas traições, é diferente. Como animal político, capaz de manter um casamento com um marido que fez sexo com uma estagiária dentro de sua própria casa, a determinação da ex-primeira dama dá inveja tanto em homens como em mulheres. Embora rica com as vendas de sua biografia (sua fortuna é avaliada em US$ 34,9 milhões), ou com as palestras do Bill, Hillary vem gastando um dinheirão desde que começou a campanha –e, o pior, está devendo os bicos. Mesmo assim, não desiste.

Ela chegou a Denver, sempre naqueles conjuntinhos que as mulheres executivas usam para não ficar muito tempo diante do armário, com um fantástico respaldo político. Teve mais votos, mais estados e mais delegados que qualquer outro candidato na história das convenções democratas, mas mesmo assim não obteve o consenso do partido. Hillary, a exemplo de outras mulheres no poder, tem um alto índice de rejeição, especialmente de mulheres que acham que lugar de mulheres é em casa, esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque, como se diz.

Fora este machismo, que nos Estados Unidos é jogado na cesta comum do que os americanos chamam de sexismo, há quem ache que Hillary na Casa Branca seria um problema. Primeiro, porque não teria peito suficiente para ocupar o cargo mais importante do mundo, um lugar onde, com uma pincelada, pode-se mudar o rumo da história do Universo, para o bem ou para o mal. Segundo, porque é casada com Willian Jefferson Clinton, cujo papel seria viver na Casa Branca e, o que é pior, à toa. E como é perigoso homem sem fazer nada dentro de casa.

Hillary subiu no palanque falando “sou uma mãe orgulhosa, uma orgulhosa democrata, uma orgulhosa norte-americana e um orgulhoso cabo eleitoral de Obama” com uma plataforma política própria, mais uma vez. Ali, caso falasse a linguagem dos homens, e não da política, falaria: “Perdi a batalha – aliás, diversas batalhas – mas aqui ainda estou, representando todas as mulheres do mundo, lutando por um lugar ao sol neste mundo machista, bélico, antiecológico e inconseqüente”.

Está certo que a presença de Hillary foi apagada pela ovação de mais de 10 minutos ao ex-presidente Bill Clinton, ou pelo irrepreensível discurso de Barack Obama (já vi discursos ótimos, mas o de ontem será visto daqui a 40 anos com a mesma devoção). Hillary volta ao Senado para continuar sua representação do povo de Nova York. A ex-candidata à Presidente vai ser provavelmente ministra de Obama. E, de lá, tentar novamente ser a presidente dos Estados Unidos.

O mundo precisa de um Obama

Está certo que a dupla republicana John McCain/Sarah Palin, confirmada semana passada na convenção de Saint Paul, Minnesota, tem experiência administrativa, história política ilibada e fama entre a metade eleitores norte-americanos que, ninguém sabe porque, insiste em ser republicana depois de oito anos de governo Bush.

Mas para o observador atento que assistiu ao discurso de ambos, os Estados Unidos estão em vias de repetir o desastre bushiano por mais quatro ou oito anos. McCain e Palin são beligerantes, arrogantes, antigos e principalmente míopes para o mundo que trocou a simpatia pelo ódio contra um país que se tornou, desde meados do século passado, a sede do império.

Em outras palavras, o recado que o mundo está dando aos Estados Unidos é: pare de fazer guerra, exerça a diplomacia, ajude o resto do mundo e vamos ser todos felizes. O discurso da dupla – como também de outros republicanos ilustres, como o do ex-prefeito de Nova York Rudolf Giuliani – aponta na direção contrária. É porrada só. No estilo “escreveu não leu o pau comeu”.

Barack Obama, o candidato democrata, pode ser inocente, despreparado e negro num país que celebra com um feriado nacional o aniversário do assassinato de seu maior líder negro – Martin Luther King, Jr., mas tornou-se uma celebridade capaz de reunir mais de 200 mil pessoas num encontro histórico em Berlim, a capital alemã destruída justamente pelos ataques dos aliados na Segunda Grande Guerra.

Ou seja, os Estados Unidos não estão precisando de um síndico, um gerentão ou um executivo com MBA (coisa que Bush ganhou em Harvard). Está precisando é de um líder, como Obama, que com sua harmonia, tranqüilidade e paciência é capaz de tirar o país do atoleiro ou, quem sabe, do labirinto em que se meteu.

Os republicanos são muito criticados, mas, verdade seja dita, construíram ao longo dos anos o que os Estados Unidos são hoje. A abolição da escravatura, o centro no indivíduo, a meritocracia, a industrialização, a responsabilidade fiscal e a certeza de que o governo – qualquer governo – rouba do indivíduo a capacidade de reação quando lhe ajuda com um bolsa família qualquer.

Mais do que tudo, criaram um país que nasceu com um formidável business plan – a Constituição norte-americana – e a respeitam até hoje, seja nos mínimos detalhes ou nas grandes decisões. De uns tempos para cá, no entanto, se meteram com a direita religiosa (30% do partido), coisa que os pais fundadores do país tentaram evitar a qualquer custo, não para proteger o Estado, mas sim as religiões.

Agora o sonho americano está morrendo. Não só pelos neo-republicanos, mas talvez porque os impérios se revezam de tempos em tempos. Se os Estados Unidos quiserem prevalecer no seu papel de centro do mundo, para onde convergem todas as rotas – como se dizia de Roma, precisam fazer as pazes consigo mesmo e com o resto do Planeta.

Coisa que Barack Obama faria com facilidade. Podem apostar.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O velho tema

O Brasil quer abrir até CPI para investir porque os milhões investidos pelo governo nos atletas (US$ 100 milhões) foram para o ralo nas Olimpíadas, denegrindo a imagem do nosso país.
Os Estados Unidos gastaram, mais uma vez, cerca de meio bilhão de dólares. E perderam a liderança do esporte mundial. Aqui também a xiadeira está alta. Não vai ter CPI, mas aguardem profundas mudanças na política esportiva dos gringos.
Os Estados Unidos, como diz Bill Gates, erram. Mas são fantásticos na hora de reconhecer o erro e corrigi-lo. Ninguem, muito menos os Estados Unidos, gosta de perder.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

OBAMA ON LINE JÁ GANHOU A ELEIÇÃO

Nova York – Nesta semana o candidato democrata Barack Obama aceitará a indicação do partido para concorrer à Presidência dos Estados Unidos na convenção de Denver, capital do Colorado, iniciando o round final no embate com o candidato republicano, John McCain. ` Seja qual for o resultado, a campanha virtual do americano-queniano-hawaiano à presidência dos Estados Unidos, que vai custar mais de US$ 1 bilhão até outubro, tornou-se um oráculo para todos os outros candidatos que, de tempos em tempos, aventuram-se a cargos eletivos em qualquer país do mundo.
Seu website funciona como um alçapão para capturar eleitores que hoje passam boa parte do dia na frente de uma tela de computador, seja no trabalho ou no lar. O objetivo principal, como era de ser esperar, é arrecadar dinheiro num país de bolsos fartos onde 90% das casas estão plugadas na rede.
Há dias, por exemplo, o site exibe uma pegadinha: “seja o primeiro a saber quem vai ser o vice-presidente de Obama”, um segredo tão bem guardado feito a fórmula da Coca-Cola. Basta registrar seu nome e email e você saberá instantaneamente (talvez até antes da imprensa....) quem vai compor a chapa do candidato democrata.
Outra? Doe dez dólares e concorra a uma jantar com Obama. Uma significativa parte das doações (30%) ao candidato é deste valor. Na internet, e com cartão de crédito, milhões de americanos estão contribuindo um pouquinho para eleger o candidato do povo, como geralmente se fala dos candidatos do partido Democrata nos Estados Unidos.
Participação, debate, organização. Além de um mergulho na biografia e nas propostas de campanha, o site tornou-se um imenso espaço colaborativo. Estimula os eleitores, ensina os fundamentos da liderança, fornece material de campanha, vende camisetas, logotipos e DVDs, mergulha na realidade de cada um dos 50 estados americanos e, principalmente, utiliza todas as ferramentas atuais para agregar pessoas: FaceBook, Myspace, Youtube, Flick, Linkedin ...e por aí vai. De quebra, você pode registrar o número do seu celular para receber mensagens do candidato.
Melhor, impossível.
No futuro, a história registrará esta campanha on line como um marco que transformou e aprimorou a democracia, trazendo o eleitor para o centro real do espetáculo, coisa que jamais se imaginava quando este modelo político foi inventado na antiga Grécia.
Nesta nova posição, o eleitor vai se apegar ao poder que nunca teve. Vai querer que as decisões não esperem quatro ou oito anos para serem efetivadas. Ou, quem sabe, não vai querer mais a intermediação de políticos para proteger o seu status quo, melhorar de vida ou ajudar quem precisa.
Com Barack, abre-se uma janela para adivinharmos o futuro de nós enquanto seres políticos. Deseja mudança? Quer uma escola no seu bairro? Eleger ou depor um governante? Abra a tela do computador e simplesmente dê um clique.

A CORAGEM VEM COM A PRÁTICA

Atlanta, Georgia – Depois de seu irmão mais velho ter morrido num acidente quando ela tinha quatro anos, a vida da médica Theresa MacPhail deixou de ser um parque de diversões para se transformar num campo cheio de perigos. Super protegida pela mãe, cresceu presa a regras e restrições impostas para pretensamente protegê-la. Não podia voltar da escola sozinha, dormir na casa das amigas ou viajar no verão. “E se algo te acontecer? ”, perguntava a mãe. Quando cresceu, a lista de medos aumentou ainda mais, fazendo-a uma medrosa por excelência. Começou a ter medo de sofrer de câncer, de perder a carteira, acidentes de carro, terremotos, ter um aneurisma cerebral, perder o emprego ou morrer num acidente aéreo... desastres grandes e pequenos, reais ou imaginários, conforme contou num emocionante depoimento ao programa “Nisto Eu Acredito”, da NPR, a rádio pública norte-americana (e com todo respeito às outras, a melhor do mundo).
O medo pode ser uma reação irracional, nascer do nada ou pode ser justificado. Mas é um sentimento difícil de ser enfrentado, às vezes até de falar sobre ele. Mas Theresa, que hoje vive nos confundós da China tentando controlar epidemias, desenvolveu uma inusitada defesa para suplantá-lo. Ela simplesmente se obriga a fazer coisas que a ameaçam ou a assustam ou a amedrontam– pelo menos uma vez. Especialmente coisas que aterrorizariam sua mãe, (fosse ela viva – pois ela também morreu num acidente de carro quando Theresa tinha apenas 14 anos): viver na China, andar de motocicleta, contar piadas diante de platéias e até casar de novo, e pela segunda vez. No depoimento, ela confessou que foi criada para viver o resto da sua vida de maneira segura, de preferência entre quatro paredes. Mas o que ela fez foi o contrário: ser corajosa o suficiente para viver uma vida completa, excitante e, porque não, perigosa de vez em quanto.
Ela tem medo de que, falando da sua mãe e fazendo justamente o oposto que recomendava, que ela volte do além e a puxe pelo dedo do pé enquanto estiver dormindo. “Mas mamãe é força básica da minha vida, e no fim eu acho que ela ficaria orgulhosa de mim”, diz. Coragem, segundo ela, não é um atributo natural dos seres humanos. Ela acredita que nós devemos praticá-la, como se fizéssemos exercício para fortalecer um músculo. “Quanto mais eu faço coisas que me botam medo, ou mesmo coisas que me deixam numa posição inconfortável, mais eu descubro que eu posso fazer muito mais coisas do que eu penso que sou capaz”, conclui. A médica reconhece que herdou da mãe uma natureza cautelosa, mas também ela acredita que o medo pode ser um excelente sentimento, desde que o enfrentemos de frente. Acreditar nisto, segundo ela, faz do mundo um lugar menos assustador.
Theresa MacPhail formou-se pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, uma das mais famosas do mundo. Ela também se tornou escritora e jornalista; acabou de escrever “O Olho Do Vírus”, uma obra de ficção sobre a epidemia de gripe asiática. Segundo ela, sua vida daria um filme emocionante que pouca gente acreditaria. Na verdade, seu pai acaba de morrer – também numa morte acidental. Mas ela acredita que um raio não cai no mesmo lugar quatro vezes – e se recusa a viver com medo.

O PODER DE CADEIRA DE RODAS


New York – Quem assiste Warm Springs, da HBO, a história da pólio que atacou o nova-iorquino Franklin Delano Roosevelt, descobre o lado fraco, medroso e incongruente do homem que viria a ser o maior presidente norte-americano de todos os tempos, reeleito quatro vezes até morrer de hemorragia cerebral em 1945.
Roosevelt, um ex-secretário assistente da Marinha e favorito do Partido Democrata para a sucessão do governo do Estado de Nova York, acordou com febre e paralisado da cintura para baixo aos 39 anos enquanto passava férias em Campobello Island, New Brunswick.
A depressão e a vontade de recuperar a força nas pernas o leva a um balneário na Geórgia, Warm Springs, onde mantém contato não só com a pobreza do Sul, mas também com gente como ele, atacada pela paralisia infantil, naquela época uma espécie de Aids sem possibilidade de cura – a não remediar com águas magnesianas do local.
Representando pelo inglês Kenneth Branagh, Roosevelt bebe em doses cavalares, fuma a todo instante, trai a mulher (Eleonor Roosevelt, vivida por Cynthia Nixon, do seriado Sex in the City, que como Eleonor é também é homosexual na vida real), mas já mostra, por outro lado, o político gigantesco que viria a idealizar o New Deal, que salvou os Estados Unidos da Grande Depressão.
Roosevelt não tinha nada para ser do Partido Democrata. Nascido numa das mais aristocráticas famílias nova-iorquinas, viveu num ambiente de luxo e riqueza, com pai ausente (quando ele nasceu seu pai já tinha 54 anos) e mãe repressora, que a todo o momento (mesmo na idade adulta) ameaçava cortar-lhe a mesada.
A viagem para o pobre e rural ambiente do Sul foi o que os americanos chamam de “turning point”, uma surpreendente sucessão de acontecimentos que moldaria sua liderança e visão de mundo. O futuro presidente dos Estados Unidos chega à Geórgia enojado com a pobreza e as condições do balneário que iria se “curar” e, no futuro, comprar e administrar.
Aos poucos, toma amor pelo lugar e, milagrosamente, segundo ele, consegue andar, mesmo que trôpego, com os pés tocando o fundo da piscina. Uma entrevista a um jornal local é distribuída para toda a mídia americana da época e Warm Springs, do dia para a noite, torna-se a Meca de centenas de pessoas atacadas pela paralisia.
Roosevelt escreve para mãe e pede que adiante o dinheiro da herança para comprar Warm Springs do seu amigo, o banqueiro George Foster Peabody. Com o socorro materno, transforma-o num centro de milagres, onde crianças começam a andar com botinhas ortopédicas e adultos arriscam alguns passos.
Pressionado pelas chamadas bases, no entanto, Roosevelt volta a Nova York e, pelos braços do Partido Democrata, o partido do povo, como é chamado até hoje, prossegue a carreira que o levaria à capital Albany e, depois à Casa Branca.
Warm Springs mostra um homem amedrontado pela possibilidade dos eleitores descobrirem que era um aleijado – jamais se deixou fotografar de cadeira de rodas -, ou de cair quando subisse em qualquer púlpito para discursar. “Se eu cair será o meu fim na política”, repetia. Só o convencem a continuar na luta quando dizem que existiria um punhado de gente para socorrê-lo, entre eles sua mulher, Eleonor. Mesmo traída pelo marido, que a partir daí dá-lhe a liberdade para fazer o que quiser, ela resiste e diz: “Não quero a liberdade. Quero é ser sua esposa para sempre”.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

TERRÁQUEOS, LUNÁTICOS E MARCIANOS

San Juan Islands – Para muita gente (inclusive eu) a coisa mais interessante que aconteceu na Terra desde Adão e Eva foi a chegada do homem à Lua, numa fria noite de julho de 1969. Até hoje nada foi mais extraordinário que o astronauta Neil Armstrong (“um pequeno passo para mim, um grande passo para a Humanidade”) descer titubeante a escada do módulo da Apolo 11, pisar na Lua e fincar a bandeira dos Estados Unidos antes dos soviéticos, naquela época chamada de carrascos de Moscou, agentes da mal, devoradores de criancinhas e assim era o mundo de então.
A Nasa (pronuncia-se naasssa), a agência espacial norte-americana que mandou os astronautas para a Lua sem a ajuda de nenhum computador (mesmo porque naquela época eles não existiam), comemorou na semana passada 50 anos. Ela nasceu pelas mãos do republicado Dwight Eisenhower, que quase morreu de inveja (como todos os americanos) do soviético Yuri Gagarin tornar-se o primeiro homem a dar uma volta pela órbita da Terra, mas foi John F. Kennedy quem lançou a corrida espacial: “queremos descer na Lua até o final da década”, disse ele num discurso. O que pouca gente sabe é que, depois deste discurso, os Estados Unidos dedicaram quase um 1% do seu Produto Interno Bruto à Nasa.
A agência, que já fez mais de 150 missões tripuladas até hoje, recebe anualmente cerca de US$ 17 bilhões para brincar de ir à Lua novamente, manipular jipinhos no solo de Marte ou visitar aquela estação espacial lá em cima que ninguém sabe porque existe. O problema é que, agora, ela sofre de dois males: não há uma meta específica em torno da qual todo mundo se une (ir à Marte para que?), ao mesmo tempo em que dezenas de milionários ou pagam absurdos para uma vaga de turista nas viagens espaciais, ou jogam milhões numa corrida espacial privada. Tome-se os exemplos de Jeff Bezos, o dono da Amazon, ou de Richard Branson, da Virgin. Ambos, nascidos vendo Super Homem e os Jetsons na TV, estão brigando para ver quem chega primeiro lá em cima, e por um preço razoável, capaz de atrair milhares de consumidores.
A Nasa já errou muito: os astronautas da Apolo 1 morreram carbonizados num teste, a Apolo 13 não conseguiu aterrissar na Lua e os ônibus espaciais Columbia e Challenger explodiram lá em cima. Por gastarem bilhões de dólares dos contribuintes (só o programa dos ônibus espaciais já custou mais de US$ 100 bilhões) e por atraírem a atenção de todo o mundo, qualquer desastre com a Nasa parece ser de grandes proporções, que significam protestos, debates e principalmente redução de verba para os programas. Quando a poeira abaixa, voltam os planos, as verbas e as vitórias, como por exemplo, as recentes e surpreendentes informações sobre o solo de Marte, que tem água e, conseqüentemente, vida.
Entre a Nasa de John F. Kennedy e a Nasa de George W. Bush (ou de Obama, ou de Mccain) existem muito mais de 50 anos. O mundo de hoje não é tão vidrado no espaço – tanto é que a missão há alguns anos mudou para “entender e proteger o planeta em que vivemos” . Parece que o mundo hoje prefere (ou precisa) arrumar a casa, diminuir o aquecimento global, proteger a natureza e ter uma vida saudável. Hoje também não existem soviéticos para competir com os americanos. Sem competidores, não é competição. O espírito competitivo é tudo eles. Quando Armstrong, Collins (o segundo homem a pisar na Lua) e Aldrin voltaram à Terra, ficaram alguns dias de quarentena dentro de uma bolha especial (tinha-se receio de que eles trouxessem alguma praga maldita lá de cima). Foram recebidos como heróis, mas quando Aldrin foi abraçar sua família, seu pai lhe perguntou:
- Por que você não foi o primeiro a pisar na Lua?

NOSSO DESTINO É CRIAR

San Francisco – Não é café, nem petróleo ou avião. Enfim, depois de tortuosos 508 anos de vida, descobrimos nossa vocação: é criar, formar conceitos, conectar pontos, inventar, abrir as portas do inusitado. Os brasileiros, que desde 2006 investem mais no mundo que o mundo no Brasil (US$ 152 bilhões em ativos, segundo a KPMG), estão em vias de dominar a criação nos Estados Unidos, desde publicitários, designers, músicos, gente da moda e até empresários. Agora, temos um produto, a criatividade, um projeto, espalhar nossa criação nos quatro cantos do mundo, e um objetivo para esta revolução criativa: gerar dividendos para nós.
Mergulhados num prato de frango ao curry, regado a água de coco, num barulhento restaurante asiático aqui, na capital da inovação, PJ Pereira (sócio de Nizan Guanaes nos Estados Unidos), Bruno Ewald, cineasta e sobrinho do Rubens, e eu vamos resolvendo os problemas nacionais e citando nomes que, hoje em dia, são mais falados nos Estados Unidos que no Brasil: Ícaro Dória, da Saatchi & Saatchi New York; Ricardo Figueira, da Isobar; Fernanda Romano, da JWT. O próprio PJ já é um dos criativos mais festejados aqui em San Francisco, através da Pereira & O’Dell.
Por sermos uma festejada mescla de branco-indio-negro, uma Itália dos trópicos rebatizada a cada ano como o país do futuro, aprendemos a criar do nada, sem organização ou planejamento, em cima da hora ou, como celebramos, por acaso. Veja este povo da Imbev, o Carlos Brito comprando a Anheuser-Bush na maior transação da história dos Estados Unidos. Ou Carlos Ghosn, colocando a Nissan/Renault nos trilhos e reinventando a indústria automobilística. Rogê Agnelli, o ser mais competitivo que o Brasil já produziu, dia desses faz a Vale dona de todas as minerações aqui, repetindo o sucesso de Alain Belda, da Alcoa.
Sem ufanismo, é tudo gente que fala português, bebe caipirinha, já chorou na novela das oito e cresceu jogando futebol. Ou também gente que cansou de falar mal do Brasil ou que não entende porque a nossa auto estima já nasceu lá embaixo. Daí este Manifesto Bossa Nova pela Criatividade Brasileira, um documento nascido pelas mãos do baiano Nizan Guanaes (que como todo bom baiano não nasceu, estreou), e que deu o que falar durante um recente congresso de propaganda no Brasil.
O conceito de criatividade, como se sabe, não é novo, mas a conscientização de seu poder ecônomico é. Ela desafia formas, estruturas, hierarquias, parece ser espontânea, mas na maioria das vezes surge da fórmula 90% transpiração e 10% inspiração. Esta indústria – que pode ser encontrada em setores tão distintos como softwares ou artesanato, costura ou vídeos, televisão ou móveis –, e cujo valor de exportação hoje é calculado em mais de US$ 445,2 bilhões em todo o mundo, segundo o consultor Supachai Panitchpakdi, é a nossa redenção, aquilo que fazemos de melhor, a arma que precisamos utilizar intensamente para não naufragar num mundo dominado pelas formigas chinesas, pelos PHDs em série da Índia ou pelos petrodólares da Rússia.
Falta agora bater no peito, reconhecer nosso potencial, trabalhar duro e correr para o abraço. Pouca gente consegue ver a relação entre criatividade e desenvolvimento político, social e econômico. Criatividade é o amálgama que pode nos unir para sobreviver num mundo globalizado, instantaneamente mutável, mudando (para melhor) o nosso destino. A melhor forma de prever o futuro, como se sabe, é criá-lo.

ESTÃO FALANDO MAL DE VOCÊ

San Francisco – Uma das primeiras lições que aprendemos no jornalismo é jamais falar ou escrever através da mídia aquilo que você, como cavalheiro, não faria pessoalmente. O mesmo pode ser aplicado aos bilhões de internautas que, freneticamente, não medem palavras ou sentimentos quando se dirigem a outras pessoas, especialmente crianças. Esta lei, apesar de não escrita, nada mais é que bom senso (ou senso comum) para quem vive em sociedade.
Só que a turma da internet, armada de emails, mensagens instantâneas, sites de relacionamento etc. não está nem aí para estes limites e está mandando ver. O resultado é que hoje, nos Estados Unidos, 42% das crianças e adolescentes já foram ou são vítimas de um engraçadinho (ou, na maioria das vezes, engraçadinhas) que escrevem coisas horríveis para amigos, amigos dos amigos, namorados, casos e, o que era de se esperar, inimigos.
Pode parecer coisa menor, “coisa de criança” , mas tem gente nem experimentou a puberdade e já se matou depois de receber emails ofensivos ou sofrer campanhas on line maliciosas, desde críticas à quantidade de espinhas no rosto, o tamanho do nariz, uma roupa considerada ridícula, intolerância racial e até rejeições amorosas. Pais, educadores e gente preocupada com o assunto vêm criando sites educacionais, como o www.cyberbullyng.com, para abrigar denúncias e fazer algo sobre o assunto. Até um filme, Adina's Deck, já foi feito sobre a questão.
Quem tem filho sabe que crianças (e adolescentes) falam e escrevem coisas horríveis, não porque são maus ou futuros criminosos. Mas, por não terem sofrido as agruras da vida, não conseguem avaliar os resultados de suas ações. Com o tempo, e depois de levar umas pancadas, pensam duas vezes antes de falar o que vem à cabeça. Palavras são poderosas. Elas encantam ou destroem, na maioria das vezes muito mais pela forma do que pelo conteúdo.
Defronte à tela de um lap top ou um celular, no entanto, fica mais fácil soltar as rédeas das emoções e destruir pessoas. Sem a presença física, ou mesmo travestido de outra pessoa, a tela do computador funciona como um escudo, um objeto eletrônico que te impede de levar um soco ou ouvir o que não quer. É um veículo ideal para gente ruim, que gasta tempo e palavras para o mal. Na enquete americana, 58% das crianças e adolescentes entrevistados não revelaram aos seus pais, ou a qualquer adulto, que foram ou estão sendo vítimas de ameaças, campanhas difamatórias, fofocas etc.
O que fazer? Segundo o site www.stopbullyingnow.com, coloque o computador que os filhos utilizam em lugares freqüentados pelos pais. O segundo passo é conversar com os filhos sobre o assunto, e encorajá-los a revelar quando há alguma ameaça. É importante frisar que jamais a vítima deve responder às ameaças on line, e sim procurar amparo nos responsáveis ou, em última instancia, na Justiça. É recomendável manter as provas deste crime, jamais apagando os emails, mensagens de texto ou fotos e ilustrações enviadas. E, por último, instalar softwares de controles nos computadores dos filhos, muitos deles já incorporados aos navegadores quando são instalados.
Não só nos Estados Unidos, como em todos os países, o cyberbullying é uma atividade repugnante e inaceitável, e que merece a intromissão de pais ou responsáveis mesmo à custa da perda de parte da privacidade dos filhos. Deste Adão e Eva, nunca tivemos uma ferramenta como a internet para colaborarmos em escala global rumo à paz e a felicidade. Pena que tem gente no mundo que acha justamente o contrário.

“ALÔ? PRECISO DA SUA AJUDA PARA SALVAR O MUNDO”

Seattle – Quando tomava seu último drinque num restaurante de Nova York na noite em que comemorou seu 52º aniversário, dia 13 de março deste ano, Jamie Dimon, CEO e chairman do JP Morgan Chase, recebeu um chamado dos diretores do Bear Stearns, a venerável casa bancária nova-iorquina, àquela altura vítima de uma corrida sem precedentes. “Precisamos de US$ 30 bilhões para fechar o caixa esta noite”, imploraram. Dimon deu dois goles, pensou alguns segundos já ia respondendo um sonoro não quando avaliou que ali estava o início de uma catástrofe de proporções globais. A festa de aniversário não só tinha acabado para ele. Naquela noite e nas 72 horas seguintes, em frenéticas negociações, Dimon mobilizou o presidente do Banco Central, o secretário do Tesouro e toda uma cadeia de milhares de contadores, advogados, consultores, e gerentes ao redor do mundo para salvar o Bear. Acabou comprando o banco por uma ninharia (“uma coisa você é comprar uma casa, a outra é comprar uma casa em chamas”, disse ele) por dez dólares a ação, com o aval do BC americano.
Dimon é hoje a maior sensação do sistema financeiro dos Estados Unidos. Bem nascido, formado por Harvard, cara de menino, obcecado por cortar custos, desde bônus até contas de celulares, deu semana passada uma entrevista de quase duas horas para a TV pública norte-americana, a PBS, durante o Festival de Novas Idéias, em Aspen, Colorado. Ali, diante do jornalista Charlie Rose, descreveu com o humor os delicados dias em que, segundo ele, o mundo foi salvo de uma hecatombe financeira. “Naquela noite, avaliamos que havia um risco de 30% de haver uma quebra sucessiva de bancos e outras instituições financeiras – mesmo assim, assumir este risco seria uma grande falta de responsabilidade - tudo poderia acontecer”. Dimon, que já foi protegido e braço direito de Sandy Weill, o obscuro banqueiro que através de fusões e aquisições chegou a chairman do então maior conglomerado financeiro mundial, o Citicorp, sendo depois demitido por seu protetor, diz que Wall Street não pode ser responsabilizada pela crise econômica americana. “Wall Street somos todos nós”, disse ele. Qualquer cidadão americano (ou de muitos países) possui investimentos ou aposentadorias negociadas lá, explica. “No entanto, há muita alavancagem, liquidez e ambições desmedidas, mas Wall Street apenas reflete o que se passa na economia”.
Dimon, casado e pai de três filhas, já poderia estar descansando em cima dos seus quase um bilhão de dólares, principalmente em ações do JPMorgan, mas parece um gênio jovial quando fala do sistema financeiro, dos Estados Unidos e dos problemas a serem enfrentados por Barack Obama ou John Mccain, candidatos dos democratas e dos republicanos. O principal deles, diz Dimon, é o que ele considera uma “esclerose” das instituições norte-americanas. Para o chairman do JPMorgan, os Estados Unidos perderam a capacidade de reagir e resolver seus problemas, habilidade que, há quase um século, tem levado o país a ser a maior potência do mundo. Por exemplo, “desde 1974 sabíamos da crise de petróleo, e mesmo fizemos muito pouco para solucioná-la”. Mais ainda, os Estados Unidos não têm um plano para resolver o decadente sistema educacional e os estratosféricos custos da saúde, reclama. “Apesar de democrata, tenho muitos amigos republicanos e milionários que pensam que eles fizeram este país – penso o contrário: eles são beneficiários das oportunidades que os Estados Unidos lhes ofereceram e agora está na hora deles ajudarem o país a resolver estas importantes questões”.

ABAIXO OS POLÍTICOS (E VIVA A POLÍTICA)

San Francisco, Califórnia – Quando no poder, ou próximos a ele, os políticos roubam (ou deixam roubar), favorecem interesses (mesmo os bons) ou simplesmente embolsam gordos salários e não fazem nada. A culpa não é deles. Como os gregos descobriram ao inventar a democracia, é próprio do ser humano querer agradar a todos, mentir ou acomodar-se às benesses da Corte. E, mais ainda, fazer de tudo para não perder esta boquinha.
Mas a possibilidade de extirpar os políticos – e preservar a política – está chegando. Depois de uma semana fazendo um documentário para a TV brasileira sobre a revolução da colaboração aqui no Vale do Silício, fica fácil entender porque a era do intermediário – políticos, vendedores de seguros, consultores, advogados e até jornalistas – está chegando ao fim.
O fenômeno da internet – e da colaboração – democratiza a informação e, conseqüentemente, o poder. Mais do que a TV, a Internet hoje é, por exemplo, o banco dos réus dos representantes que dizem nos representar. Os internautas, libertários por natureza e gregários no cotidiano, quase elegeram o obstetra Ron Paul (“fim do imposto de renda e das forças armadas”) candidato republicano à presidência dos Estados Unidos.
Agora, numa virada surpreendente, podem destruir a candidatura de Barack Obama, o democrata escolhido pela blogosfera para a Casa Branca. O afro-asiático-americano está indo para o centro para agradar outros eleitores, com posições direitistas sobre a pena de morte para estupradores de crianças, o porte de armas e aí por diante.
A mudança está enfurecendo o mundo virtual. Ao mesmo tempo em que Obama vira a folha, 12 mil internautas criaram um grupo on line no site do candidato, exigindo que ele mantenha-se fiel aos princípios de campanha. “Quando um candidato decide se mover para o centro, ele deveria ficar longe de nós”, disse Mike Stark, estudante de direito da Universidade de Virgínia.
Ou seja, a opinião do eleitor que está detrás da tela do computador agora não é apenas importante, mas pode definir o futuro dos políticos – e da política. O ambiente virtual tem todas as condições não só de deliberar sobre qualquer assunto que rege nossas vidas, mas também acabar com a intermediação, que hoje sobrevive porque os intermediários sempre vão arranjar um jeito de sobreviver.
Calcula-se que hoje existam 1,2 bilhão de internautas no mundo, que de uma forma muito mais fácil, segura e instantânea podem votar on line sobre qualquer tema, dispensando exaustivos processos de campanha, financiamentos, lobby, corrupção... Enfim, toda esta embromação que muita gente já está cansada de acompanhar no nosso dia-a-dia.
Tome-se o exemplo de George W. Bush. Um homem só, eleito pelo voto dos delegados, e não pelo voto do povo, fez um estrago de proporções maremóticas em oito anos de governo. Ou mesmo Lula, no Brasil, que está dando certo porque, incompetente e complacente com a corja que tomou o poder, não conseguiu fazer o estrago de proporções maremóticas pelo qual foi eleito.
Todo poder ao povo, dizia John Lennon. Fosse vivo, hoje estaria cantando: todo poder a você. Agora, a liberdade, a paz e a democracia estão na frente de qualquer tela de computador.

CONVERSA ANTES DA DECOLAGEM

Seattle - Não sei se tenho cara de confessionário, mas basta um ser humano sentar-se ao meu lado para a história começar. A última foi num banco do aeroporto de Atlanta, o maior do mundo, quando esperava a conexão para Seattle. Uma mulher na casa dos 50 anos, vestida de preto, chapéu de caubói e sapatos de lã, me disse que, num intervalo de seis meses, teve de mandar a filha autista para um hospício em Utah, perdeu 65 quilos, separou-se do marido depois que ele revelou que era gay e, como se não bastasse, começou a perder a força nas pernas, a ponto de não poder mais andar sem a ajuda de um andador.

Antes que tentasse balbuciar algum comentário ("escutar é um ato de amor", diz o ditado), emendou: “adoro mudanças (e como, pensei eu), mas o fato de não poder mais andar está surpreendendo não só a mim como aos médicos”. "Fiz testes de sangue, ressonância, cutucaram minha coluna e não descobriram nada". Mórmon (“da sétima geração”), filha de professores que rodavam o mundo ensinando inglês, a mulher não citou Deus nem o destino para explicar os mistérios que a estavam rondando. Pele pálida, cabelos desarranjados, olhos reluzentes, estava encantada, isto sim, com mistérios da medicina.

Antes da chamada para o embarque, ela retirou da bolsa um laptop e continuou falando. "Ganho a vida escrevendo (é redatora de publicidade) e ensinando os outros a escrever - meu último livro, não sei se você leu, chama-se "Como Escrever num Mundo Onde Ninguém Lê". Balancei a cabeça e coloquei a mão no queixo em sinal de concordância. "É um livro fácil de se ler porque é extremamente pequeno (imagino), tem poucas páginas (não diga) e letras extremamente grandes (melhor assim)".

Continuei em silêncio quando revelou que, apesar de norte-americana, era nascida no Irã, criada na Rússia, crescida no Afeganistão e, ainda adolescente, mudou-se para a Birmânia (ou outro país distante) junto com os pais e seis irmãos. Já em Seattle, apaixonou-se com um professor que dava aulas em Atlanta, para onde se mudou. Agora, estava voltando para Seattle, pois fora chamada para trabalhar num projeto legal.

Em Atlanta, teve dois filhos, o mais velho faixa preta de caratê, especialista em explosivos e que trabalha como double de cinema. A outra filha foi diagnosticada aos três meses de idade com autismo. "Não há nenhuma relação entre autismo e vacinas, como se diz por aí, tampouco que o autismo esteja crescendo como uma epidemia", diz ela. "O que está crescendo é a percepção entre as pessoas sobre a doença que ataca as ligações entre os neurônios do cérebro - entre dois e 3% da população do mundo é autista", explica.

Antes da decolagem, vi de longe a mulher ser acomodada no primeiro assento do avião. Num espaço de seis meses a vida tinha lhe dado diferentes e estupendas pancadas. O marido, a filha, o trabalho, a perda de 65 quilos e, agora as pernas. Durante o nosso encontro, e na única vez que falei, ousei perguntar-lhe se o problema nas pernas não seria uma somatizaçao de tudo que ela está passando. "Não existe relação", argumentou com voz forte e um pouco brava. "Amo meus filhos, adoro meu ex-marido, apesar de separados, adoro viver e sou extremamente feliz".

*Dirige a Cia. da Informação em Seattle, Estados Unidos (pedro@theinformationcompany.net)


segunda-feira, 7 de julho de 2008

REDONDO

Que Thomas Friedman (para mim, o melhor jornalista que já apareceu por aqui) nos perdoe, mas o mundo, ao contrário de seu best seller de 400 páginas, está deixando de ser plano. Bastou o petróleo chegar a 140 dólares o barril, esvaziando as esperanças de que volte a preços civilizados no futuro, para o fenômeno da globalização ir por água abaixo. A conta é simples: tirando os serviços da indústria da informação, todos os outros produtos - desde bananas a computadores - precisam ser transportados em navios, aviões, caminhões e automóveis. Ou seja, está ficando inviável carregar mercadorias de um ponto A para um ponto B, até que um doido invente um combustível mais barato - e viável - do que a gasolina ou o óleo diesel. Todo mundo está tentando, tem muito blá-blá-blá, mas esta mudança ainda está difícil. Agora, aqui em Seattle, onde há oito anos cerca de 150 mil enfurecidos anti globalizantes transformaram a cidade num campo de guerra durante a reunião da Organização Mundial do Comércio, começa-se a discutir se consumir e produzir localmente é o melhor para o planeta Terra e, assim, para seus habitantes. Hortas caseiras estão florescendo. Empresas de energia estão alugando tetos solares para as residências. Empresas como Zipcar.com estão estimulando o compatilharmento de veículos. Até as vinícolas estampam nos rótulos o orgulho de ter seus vinhos produzidos no Estado de Washington. Na cidade que dita as tendências do mundo a ordem é: consuma menos, localmente, e, de preferência, não deixe rastros na natureza, como o lixo doméstico. O problema é que o mundo, e particularmente os Estados Unidos, ficou tão encantado com a globalização que esqueceu como são feitos muitos produtos. Ficou famoso o caso de Christina Lampe-Onnerud, que depois de criar uma bateria mais durável e recarregável para computadores, rodou os Estados Unidos à procura de possível fabricantes. Ninguém se interessou. Bastou aterrissar em Shenzhen, na China, para que dezenas de fabricantes, de terno e gravata, munidos de lap tops e powerpoints, fazerem fila de manhã no seu hotel para oferecer serviços, disse ela à revista Business Week. Além da bolha do petróleo, outras mãos invisíveis (ou bastante visíveis) do mercado contribuem para esta corrida anti globalizante. Desde 2002 o dólar caiu 30% em relação às mais importantes moedas, especialmente o yuan chinês. Os salários na China estão subindo à uma taxa de 10 a 15% ao ano. O custo de mandar um container de Xangai a San Diego, nos Estados Unidos, subiu 150%, ou para US$ 5.500, desde 2000. Segundo a CIBC WorldMarkets , de Toronto, se o petróleo chegar a US$ 200, coisa bastante provável, este mesmo container chegaria a US$ 10 mil. Em outras palavras, os Estados Unidos - ou outros países centrais - vão ter de aprender a fabricar tudo que foi terceirizado na China, Vietnã, Japão ou até no Brasil. Quando isto acontecer, todas as brilhantes - e bastante atraentes - teorias sobre o livre mercado terão de ser refeitas, reescritas, repensadas.Como a história da humanidade é a história do combustível que roda a humanidade, um barril de petróleo a US$ 200 pode mudar todas as nossas concepções sobre o mundo. Sem torrar óleo diesel e gasolina, e assim proteger o ar que respiramos, um petróleo a este preço pode ser uma oportunidade para que, globalizados ou não, iniciarmos a construção de um mundo melhor.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O FIM DOS JORNAIS E....DA MICROSOFT

A briga é boa. Já que o Steve Balmer, ceo da Microsoft, previu o fim dos jornais em papel a curtíssimo prazo, os jornalistas estão mandando ver. Vejam só o Seattle Post Intelligence de hoje. 
http://seattlepi.nwsource.com/virgin/366347_virgin10.html

segunda-feira, 9 de junho de 2008

ESTADOS UNIDOS: SEGUNDA DIVISÃO?

Seattle – Embasbacados com um cheque de US$ 1.200,00 do presidente George W. Bush para qualquer habitante que pague impostos, a fim de soerguer a economia, os americanos assistem ao jornalista Fareed Zakaria, da Newsweek, anunciar que os Estados Unidos deixarão de ser potência hegemônica mais cedo que se pensa. Em seu novo livro, The Post American World, Zakaria, indiano nascido em Mumbai e que também faz sucesso na CNN como comentarista internacional, avisa que o país não está em declínio – o problema é que pelo menos outros 25 países, entre eles o Brasil, estão crescendo absurdamente.

            Com seu PIB de US$ 14 trilhões, quase a metade de todo o mundo, os Estados Unidos reinam num mundo sem competidores há pelo menos duas décadas, desde que o Muro de Berlim caiu e não deixou saudade. Agora, “isolado por dois oceanos e dois vizinhos benignos”, como diz Zakaria, está levando um susto ao perceber que a maior empresa do mundo com ações em bolsa está na China, que o homem mais rico está no México, o maior edifício em Dubai, a maior indústria cinematográfica na Índia e o maior cassino em Macau. Sem concorrência, “ficamos gordos e preguiçosos, envolvidos por um sistema político “desfuncional”, polarizado, que não honra compromissos e que está deixando sem educação pelo menos um terço do país”, diz ele.

            Como bom imigrante (quem está aqui não quer sair), Zakaria, numa entrevista à TV pública norte-americana, a PBS, não deixa dúvidas quanto ao poderio dos Estados Unidos. “Somos o primeiro país universal da história, uma conjunção de imigrantes que faz uma economia inovadora, flexível e dinâmica, mas estamos entrando numa era em que vamos ter de aprender a cooperar com outros povos e países – aí está o nosso futuro”, diz ele. Este “crescimento do resto”, como ele se refere ao desenvolvimento de países como China, Índia, Brasil, Rússia e outros, é “a grande história do nosso tempo, é aquela que vai redefinir o Planeta”, acrescenta.

            Num artigo na Newsweek, Zakaria lembra que o pânico no sistema financeiro, a recessão econômica, a guerra sem fim no Iraque e a ameaça do terrorismo, entremeados por aumento do desemprego e a crise das hipotecas - estão levando o país do otimismo a ficar pessimista. Em Abril, diz ele, uma nova pesquisa revelou que 81 por cento dos americanos acreditam que o país está no caminho errado, a resposta mais negativa em 25 anos em que a pesquisa é feita.

“Mas isto não explica a presente atmosfera de fraqueza”, explica. Esta ansiedade tem razões mais profundas, continua. “É um sentimento de que grandes e descomunais forças estão correndo pelo mundo”. Em quase todas as indústrias, em todos os aspectos da vida, os padrões estão sendo mudados, misturados, remexidos. “E, pela primeira vez na memória recente, os Estados Unidos não estão liderando a mudança. Os americanos vêem que este novo mundo está surgindo, mas têm medo que ele seja moldado numa terra distante e por povos estrangeiros”.

COLABORAR É VIVER

Estamos fazendo um documentário para a TV Ideal sobre colaboração. A idéia inicial nasceu de um papo com meu colega Juliano Spyer, mestre na área. Lemos alguns livros, como Collaboration 2.0 e Groundsweel, entrevistamos gente, mergulhamos em websites sobre colaboraçao e... ficamos encantados com o tema. A colaboração hoje é um mercado de 40 bilhoes de dólares anuais e cresce 12% ao ano nos Estados Unidos, especialmente na Costa Oeste, berço ou altar da inovaçao norte-americana. Maiores exemplos: Wikipedia, Craiglist, Prosper.com. Mas é interessante como a colaboração está fazendo as empresas ganhar dinheiro. Procter & Gamble, Google, Dell.. tem muita gente faturando com a colaboração de clientes, funcionários, provedores... nunca o termo colaboradores foi tão bem empregado, ao invés de ser um eufemismo para esconder a velha relação entre patrão e empregado que é simplesmente ..... antiga.

SHOW DE BOLA NOS GRINGOS

Seattle – Brasileiro, aqui nas proximidades do Pólo Norte, é que nem Deus. Todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê. Semana passada, quando o escrete passou na cidade para derrotar o Canadá, deu Brasil em tudo quanto é canto. Calculava-se cerca de sete mil brazucas em Seattle, mas praticamente todo o estádio Qwest Field, que recebeu 47 mil pagantes, era de pedros e marias, josés e aparecidas, uma onda verde amarela que Seattle jamais vai esquecer.

            O domingo, como sempre, estava frio e chuvoso (aqui é a cidade que mais chove nos Estados Unidos, e talvez na Via Láctea toda), mas desde o meio-dia começou a brotar no centro da cidade gente bonita, queimada de sol e com pouca roupa. Depois de cerveja e caipirinha, temperadas com músicos brasileiros locais (sim, eles existem), a seleção entrou em campo e aí foi uma zorra total. Exaltados, brasileiros chegarem a ser presos e liberados em seguida. No aquário dos jornalistas, lúgrube e infeliz, choveram lamentos sobre o “espetáculo deplorável de futebol estilo Dunga” que estávamos vendo.

            Nas arquibancadas era só festa. É difícil presenciar aqui gente que tem controle de bola, dribla com ginga e dá espetáculo para quem pagou cerca de 100 dólares por um ingresso. No gargarejo, dava para ouvir Robinho, o maior astro, emitir grunhidos para pedir a bola e marcar gols. É o velho ditado que só quem cresceu jogando pelada conhece (e às vezes cumpre): “Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Ele enfiava as bolas na rede, mandava beijos para a torcida e assim caminhava a humanidade.

            Trocando de lugares durante o jogo, junto aos jornalistas ou no meio da galera, dava para ver porque, muitas vezes, a mídia se distancia da realidade. O Brasil teria podido entrar em campo com um bando pernas de pau, brucutus, chacretes ou coisas do tipo. Entrou com um timão milionário, unido, sincronizado, brincalhão, fazendo bicicletas, folhas-secas e outras mágicas brasilianas. Por mais que os jornalistas tenham descido o porrete, o time jogou bem, ganhou a partida e fez a alegria da “sofrida torcida brasileira nos Estados Unidos”, como lembrou Dunga (ou era o Tristonho?) na entrevista.

            Sofrida mesmo. Boa parte da população brasileira em Seattle é ilegal. A maioria veio de Goiás, um estado que liga Brasília a Minas Gerais. Reinam numa atividade que rende em média 16 mil dólares por casa para as empresas que os contratam: trocar telhados. É um emprego arriscado. Como chove muito, estão sempre despencando lá de cima. Se caírem, têm de ir para o Hospital, passar pelos canais burocráticos e cair nas garras da imigração. Se pegos, passam de um a dois meses na cadeia e depois são deportados para o Brasil. “Não dá nem para pegar a escova de dente em casa”, diz um deles.

            Brasileiros, como outros imigrantes, são a chave do sucesso norte-americano. Pagando salários mais baixos, os gringos conseguem índices de produtividade maiores, mantêm a economia funcionando. São pedreiros, carpinteiros, pintores e telhadistas que estavam na torcida. Gente humilde, que troca o almoço pela janta, dorme em barracões das empresas, trabalha sete dias por semana, sofre com a desvalorização do dólar e sonha com uma vida melhor. No domingo de chuva, nunca tivemos tanto orgulho do Brasil. Que terra, que gente boa, e que saudade.